Sentado num canto da sala do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, Abdesselam Tazi, 64 anos, tem um aspeto frágil e nem parece o homem que o Ministério Público acusa de vários crimes relacionados com terrorismo. Segura nas mãos, com firmeza, uma pasta de papel com documentos no interior, os óculos estão presos pela ponta do nariz e o seu corpo curvado chega-se frequentemente à frente na tentativa de ouvir melhor e perceber o que cada um diz naquele debate instrutório — independentemente de ter um intérprete ao lado que lhe vai traduzindo frases amiúde.

Desde março de 2017 que Tazi está preso na cadeia de alta segurança do Monsanto, acusado de recrutar em Portugal marroquinos para integrarem as fileiras do Estado Islâmico na Síria. O Ministério Público acusa-o de  um crime de adesão a organização terrorista internacional, um crime de falsificação com vista ao terrorismo, quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento de terrorismo, um crime de recrutamento para terrorismo e um crime de financiamento do terrorismo.

No depoimento que prestou às autoridades e nas cartas que já enviou a várias personalidades, entre elas o Presidente da República, a ministra da Justiça e o diretor da PJ, o ex-polícia marroquino nega convictamente os crimes que lhe são imputados e diz que uma das viagens que fez se deveu a um “negócio de tâmaras” que queria montar em Portugal. Mas a sua versão nunca convenceu o Ministério Público, que pela voz do procurador João Melo, esta terça-feira, pediu ao juiz de instrução Ivo Rosa que o levasse a julgamento.

No debate instrutório, João Melo disse mesmo que o arguido “mentiu descaradamente”. E mentiu a “todas as autoridades”, quando usou documentos falsos para se identificar e quando disse que não tinha voltado a Marrocos depois de ter pedido asilo político a Portugal. “Voltou e não foi só uma vez”, frisou o magistrado, de pé, olhando por vezes para o juiz, que mantinha o olhar fixo nos papéis onde tirou algumas notas. Numa dessas vezes Tazi foi a casa de Hicham, também ele arguido no processo, mas preso em França. E terá convencido a sua família a viajar para a Síria. Só voltou o pai e um irmão, que até relatou os factos “com uma certa mágoa”. A mãe e a irmã ficaram na Síria.

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Lopes Guerreiro, o advogado do arguido, discordou por completo do Ministério Público. E até invocou a nulidade da acusação, alegando que quando foi consultar o processo à procura de provas nada encontrou. “Os indícios não são insuficientes, são inexistentes”, disse. “A acusação não diz quando, como e onde aquele recrutou, quando e como financiou o terrorismo, e a lei é clara que quando assim é, a acusação é nula”, defendeu. E referiu uma mala azul, já falada por João Melo, onde foram apreendidos vários escritos em árabe e algumas moedas da Guatemala, para onde o arguido tinha viajado. “O arguido não vivia sozinho, isso não poder servir de prova”, refutou Lopes Guerreiro, que disse estar de acordo, até, com uma acusação por burla qualificada ou fraude bancária, mas nunca por terrorismo. Tazi admitiu que usou quatro cartões de crédito que fez com documentos falsos, mas recusa que estes valores tenham sido usados no financiamento de atividades terroristas.

O juiz de instrução, Ivo Rosa, disse que dada a “complexidade” do caso não podia decidir logo se o caso vai ou não para julgamento. E marcou a decisão instrutória para a tarde desta sexta-feira, pelas 14h00.

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Lê livros em português na prisão

Abdesselam Tazi encontra-se em prisão preventiva numa cela da cadeia de Monsanto, onde come, dorme e passa 23 horas por dia. Durante uma hora pode sair da cela e, segundo fonte próxima, ir até ao ginásio ou à biblioteca. Tazi não tem qualquer problemas com os restantes reclusos e ate se dá bem com os guardas prisionais.

O ex-polícia marroquino não recebe visitas, sem ser a do seu advogado, mas contacta com o filho que vive na Suécia. Tem alguns pedidos de visitas, mas os serviços prisionais recusam-nos, alegando que são contactos que não tinha antes de estar preso.

Durante o dia, ainda de acordo com a mesma fonte, Tazi passa o dia a ler. Tenta ler livros em português, para aprender a Língua. Tem tentado obter contactos a nível internacional para divulgar o seu processo e mostrar que é inocente

(Artigo atualizado às 22h50)