Cerca de 20 trabalhadores da editora Masemba — responsável pelas revistas Lux e Lux Woman e detida, em mais de 50%, por um dos filhos do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos — estão há três meses sem receber salários. Em comunicado, os trabalhadores denunciam situações de “discriminação” salarial e dizem já ter avançado para a suspensão dos respetivos contratos de trabalho.

No início de julho passam três meses desde a última vez que os funcionários (entre responsáveis pelo grafismo, diretor de produção e outros elementos da equipa) receberam o salário. Uma fonte da empresa disse ao Observador que os maiores problemas já tinham começado a fazer-se sentir de forma constante no final do ano passado. Mas os primeiros sinais de dificuldades financeiras são anteriores, na verdade. “Os problemas começam no natal de 2016, depois a empresa equilibra-se durante alguns meses, mas a partir daí ficámos com o coração na boca”, contou um dos funcionários da Masemba.

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A situação agravou-se  no final de 2017 quando “começam a faltar os subsídios de Natal e, agora, os ordenados”, diz a mesma fonte. Em janeiro e fevereiro, os salários foram pagos com atraso, mas, segundo o funcionário, começaram aí as situações de discriminação salarial entretanto reportadas à Autoridade para as Condições do Trabalho. Os trabalhadores com salários até 1000 euros eram pagos na totalidade, quem recebesse até 1500 euros só teria direito a 40% do salário e, acima disso, não era pago qualquer valor aos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, alguns funcionários (incluindo quatro jornalistas) da equipa que assegurava todas as publicações foram colocados à margem. “A entidade empregadora, para conseguir manter a LUX semanal nas bancas, voltou a incorrer na ilegalidade de pagar de forma discriminatória ordenados a um paginador, quatro jornalistas, dois fotógrafos e um produtor, funcionários considerados essenciais para assegurar o fecho da edição semanal”, refere a denúncia enviada esta terça-feira ao Sindicato de Jornalistas, e a que o Observador teve acesso.

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A Masemba chegou a assegurar a publicação da revista Cristina, título ligado à apresentadora de televisão Cristina Ferreira numa ligação que chegou a por em risco a continuidade da publicação. Atualmente, a editora é detida por duas empresas e por dois sócios individuais. José Eduardo Paulino dos Santos, filho do ex-presidente angolano Eduardo dos Santos, é dono da sociedade de capital de risco Erigo VII e detém 51% da Masemba. A produtora Até ao Fim do Mundo, Lda. detém 25% e Tito Z. Medonça (com 16%) e Sérgio Valentim Neto (com 7%) detêm o restante capital.

“Com a mudança de governo” em Angola, após a saída de José Eduardo dos Santos da presidência, em setembro de 2017, os acionistas, “deixaram de colocar capitais cá”, admite ao Observador uma fonte conhecedora da situação. Pouco depois, começaram os atrasos no pagamento de salários e, em fevereiro, os funcionários recebem, alegadamente “por engano”, um email do gerente — um ex-quadro do BES Angola que está há um ano e meio na Masemba.

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O email apresentava um plano de reestruturação que passava, entre outras medidas, por uma redução do quadro pessoal de 52 para 27 pessoas, por uma limitação dos salários a um máximo de três mil euros (não é claro se se tratava de valores brutos ou líquidos) e por uma “redução de 20% nos salários entre os mil e os três mil euros”. Esse email, que acabaria por ser retirado dos servidores da empresa, foi interpretado como uma mensagem para o que viria a acontecer nos meses seguintes.

No dia 15 de junho, os cerca de 20 funcionários da Masemba colocaram um ponto final na situação e avançaram para a suspensão de contrato de trabalho. “Não há como a empresa não cair”, diz um dos funcionários da editora. Quando foi adquirida à Media Capital (do grupo espanhol Prisa), a Masemba já teria um passivo de três milhões de euros. Mensalmente, a empresa continuava a somar prejuízos, de acordo com os funcionários.

No comunicado que enviaram ao Sindicato dos Jornalistas, os trabalhadores referem que, neste momento, “decorre um período de incumprimentos a vários níveis, com injunções e credores a exigirem os pagamentos em falta”. Também foi pedido pela Masemba, a 21 de maio, um Plano Especial de Revitalização (PER), relativo a uma dívida de quase 671 mil euros, refere ainda o comunicado dos trabalhadores com os contratos de trabalho suspensos.