O sistema elétrico português é “um desastre” e os responsáveis pela situação têm nome. Para o antigo ministro da Energia Mira Amaral, ouvido esta quarta-feira em comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia, “o desastre do sistema elétrico teve origem em 2007, quando o governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como ministro da tutela, decidiu instalar 8.000 megawatt [MW] de potência eólica remunerada”.

O problema, explicou Mira Amaral na audição, é que esta potência eólica foi “remunerada por 15 a 20 anos com tarifas ‘feed-in’ [tarifas bonificadas de venda]”.

“O governo de Sócrates esqueceu-se que já havia muita potência contratada através dos CAE [Contratos de Aquisição de Energia] e CMEC [Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual], os quais asseguravam o pagamento dos custos fixos de centrais que passaram a trabalhar então em apoio às intermitentes, tendo começado a instalar capacidade eólica em duplicação a essa potência existente coberta pelos CAE e CMEC”, disse o ex-ministro.

Mira Amaral considerou que tem “autoridade política, moral e técnica para criticar o monstro elétrico criado”, uma vez que – enquanto ministro da Indústria e da Energia de 1987 a 1995 – abriu “a produção elétrica ao setor privado, acabando assim com o monopólio da EDP na produção para estimular outros produtores, designadamente de fontes renováveis”.

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Dos 8.000 MW de eólicas intermitentes que o governo de José Sócrates decidiu instalar, até ao momento foram instalados cerca de 5.300 MW. Mesmo este número, disse, “é muito superior aos 3.500 MW de potência de consumo em Portugal nas horas de vazio durante a noite”.

Luís Mira Amaral foi ministro com a tutela da Energia na altura em que surgiram os Contratos de Aquisição de Energia (CAE) – criados para atrair investimento e aplicados a duas centrais térmicas privadas, o Pego e a Tapada do Outeiro. No entanto, esclareceu que os CAE aplicados à EDP dizem respeito a barragens e são “posteriores” à sua saída do governo, disse.

“OS CAE às centrais da EDP são de 1996, não foram comigo, mas do governo de António Guterres”, disse.

Guterres “embelezou a noiva” já com vista à privatização da EDP

“Ao atribuir CAE à EDP dava uma previsibilidade [às receitas da empresa] e tornavam-na mais atrativa para a privatização. Eu sei como os governos funcionam, normalmente gostam de embelezar a noiva antes da privatização. Acho que este foi um argumento determinante”, declarou Mira Amaral.

Para o ex-ministro, esta situação deveu-se também à ascendência que os ministros das Finanças têm tidos nos sucessivos governos. “O ministro das Finanças manda mais do que os ministros setoriais. É sempre a preocupação de encaixe para o Tesouro que é determinante”, disse.

Os CMEC são uma compensação relativa à cessação antecipada dos CAE, o que aconteceu na sequência da transposição de legislação europeia no final de 2004, tendo depois sido revistos em 2007. Ainda assim, mantiveram-se dois CAE — Turbogás e Tejo Energia –, que são geridos pela REN Trading.

São atualmente abrangidos pelo regime dos CMEC 16 centrais hídricas da EDP, cujos contratos terminarão faseadamente até 2027 (Alto Lindoso, Touvedo, Venda Nova, Vilarinho das Furnas, Pocinho, Valeira, Vilar-Tabuaço, Régua, Carrapatelo, Torrão, Crestuma-Lever, Caldeirão, Aguieira, Raiva, Pracana, Fratel).

Este quadro, salientou Mira Amaral, não pode ser assacada à EDP, que “foi forçada a mudar dos CAE para os CMEC”.

Notícia atualizada às 19:20