Há boas e más notícias. Muito rapidamente, é assim que Barack Obama faz o ponto da situação do Acordo de Paris. “A má notícia é que o meu sucessor no cargo não concorda comigo e, portanto, houve iniciativas que nos levaram a retroceder no que já tínhamos feito. A boa notícia é que muitas destas coisas já estavam infiltradas na nossa economia”, disse o antigo Presidente dos Estados Unidos, durante a conferência Climate Change Summit, que decorre esta sexta-feira no Coliseu do Porto.

“E há outra boa notícia: o único país que saiu do acordo até agora foi… o meu. Acredito que as atitudes dos EUA vão, no futuro, voltar a alinhar-se com a ciência”, disse Obama, o que lhe valeu uma ovação de palmas no Porto.

O Acordo de Paris é um compromisso internacional, assinado em 2015, com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global.

Para o antigo chefe de Estado, o Acordo de Paris é a prova de que “é possível juntar países em torno de interesses comuns, mas tudo é mais difícil se as políticas internas dos países virem a cooperação internacional com suspeição”, avisa. Os destinatários são óbvios: os nacionalistas e os protecionistas.

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Questionado sobre o futuro do Acordo de Paris, do qual diz esperar ser possível manter a arquitetura, Obama responde com um exemplo muito pessoal: “Eu cresci no Havaí — se nunca lá foram deviam ir, é agradável — e nós ali estamos à mercê do mar”, ou seja, argumenta, se o nível do mar subir as consequências são problemáticas. “Hoje em dia, já é possível colocarmos um custo financeiro neste problema.”

Quanto a desafios, Barack Obama diz que passam por  não terem sido estabelecidas metas rigorosas o suficiente no Acordo de Paris.

Isto foi só o começo, ainda não estamos onde precisamos de estar, mas estou confiante de que este é um problema com o qual conseguiremos lidar nos próximos 20 anos.”

Agentes do Serviço Secreto, convidados proibidos de sair do edifício e ‘Yes, we can’. Assim serão as poucas horas de Obama no Porto

Alterações climáticas e migrações

“Todos os anos, o Pentágono identifica o clima como um fator que pode levar ao conflito”, diz o antigo Presidente dos Estados Unidos. Esta declaração surge na sequência de uma das perguntas do moderador, Juan Verde: há ou não uma correlação entre alterações climáticas e migrações?

A resposta de Obama foi afirmativa. “Uma das questões que contribuiu para o desastre na Síria foi a seca, que levou os agricultores a irem para as cidades e isso influenciou a demografia e, depois, os líderes políticos.” Mas na África subsariana, argumenta, o clima não é o único fator que leva as pessoas a migrarem, o mesmo acontecerá “se os agricultores não conseguirem produzir o suficiente para alimentar toda a gente.”

A internet não sendo parte do problema acaba por contribuir para ele: “Com a internet é possível ver que há uma vida melhor do outro lado do oceano e os traficantes aproveitam-se disso. Acho que vamos ver um aumento desses movimentos migratórios.”

A solução, acredita Obama, passa por ajudar quem emigra no seu país de origem. “É do nosso interesse arranjar uma forma de ajudar estas pessoas e dar-lhes oportunidades nos países delas. Se não resolvermos isto, não há muros suficientemente altos para parar estas correntes migratórias.

As soluções já existem, basta querer usá-las

“Uma das coisas interessantes de ser Presidente dos Estados Unidos — que é uma posição muito poderosa — é perceber como o poder se movimenta. Para muitos dos problemas que enfrentamos agora, até já temos boas respostas para lidar com eles. Consigo dizer-vos como podemos reduzir a pobreza em África agora mesmo, de um ponto de vista técnico”, defendeu Obama.

O problema, explicou, é que para aplicá-las são precisas instituições políticas, sociais, lideradas por humanos. E esse é o verdadeiro travão.

“Na Europa, há pessoas muito inteligentes a tentar fazer a coisa certa. Mas em termos de políticas, parte do problema é que as lideranças se esquecem — em Bruxelas ou noutras capitais — que o poder vem das pessoas. Se começarmos por baixo, se as pessoas concordarem que é preciso uma mudança, então teremos de nos basear nesses movimentos populares e não apenas nos especialistas no topo.”

Essa mudança de mentalidade sente-se principalmente entre as camadas mais jovens. “Se falarem com pessoas da idade da minha filha, os jovens de 20 e poucos anos, eles têm mais consciência ambiental, são mais tolerantes e mais sofisticados do que a minha geração. Têm um forte instinto para trabalharem juntos além fronteiras. O problema é que não são eles que mandam. Se houver jovens aqui, atirem-se a isso, dêem o passo”, disse Obama, recebendo em troca uma salva de palmas.

Nós que temos cabelos grisalhos esquecemos-nos de como foi ter a idade deles. É altura de os ensinarmos a ocuparem os nossos lugares.”

Barack Obama termina a sua intervenção na conferência sobre alterações climáticas falando sobre democracia e argumentado que a maioria das pessoas, em qualquer parte do mundo, quer deixar um mundo aos seus netos que estes possam apreciar. Felizmente, diz, apesar dos obstáculos, a marcha da Humanidade tem sido geralmente de progresso. “A democracia é difícil. A boa notícia é que a grande maioria das pessoas são boas e decentes.”