Donald Trump aterrou em Bruxelas na quarta-feira pronto para a luta. Ainda antes de chegar à capital belga, o presidente dos EUA perguntava “de que serve a NATO” se a Alemanha depende da Rússia para garantir a sua energia. E perguntava ainda de que serve a aliança militar se — e aqui ia ao ponto central da sua intervenção nos dois dias de encontros com os líderes europeus e canadiano —, de que serve essa aliança quando “apenas cinco em 29 países cumprem aquilo com que se comprometeram”.

Breve regresso a maio de 2017. Naquela que era a primeira presença do Presidente norte-americano numa cimeira da NATO, deixou claro que estava ali para exigir mais “esforços” e que obrigaria todos os países a alcançar os 2% em investimento militar em dez anos. Esta semana, voltou ao assunto. E pôs peso extra na sua posição.

A ameaça de que os EUA podiam saltar fora da NATO se não houvesse um reforço dos compromissos financeiros já tinha sido feita há um ano, dessa vez por um alto responsável da Casa Branca. Há um ano, ameaçou agitar a casa; agora, concretizou. Analisando o encontro, foi maior a encenação do que os resultados alcançados.

O que Trump exigia da NATO

No final do primeiro dia de reuniões, Donald Trump era um líder “insatisfeito”. As dezenas de jornalistas que acompanhavam a cimeira de líderes da NATO já tinham assinalado o desejo do presidente norte-americano de conseguir resultados, mas pairava no ar a ideia de que tudo estava a correr bem e que não havia ondas. Para o Presidente americano, era preciso mudar o chip.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fora das reuniões, Trump fazia pressão com a sua máquina de propaganda preferida: o Twitter. Na rede social, escreveu que os 2% em investimentos no setor da Defesa já não servem; agora, o “número certo” são os 4% do PIB de cada país.

O compromisso em vigor garante aos parceiros da aliança transatlântica mais seis anos para alcançar a meta definida no acordo de Gales. Trump queria encurtar radicalmente esse prazo, defendia que a fasquia fosse atingida “já” e não num médio prazo em que ele próprio pode já não ser o inquilino do número 1600 da Avenida Pennsylvania, em Washington.

Além disso, Trump queria duplicar o nível de investimento acordado. Mas queria elevar esse compromisso num momento em que, como o próprio fez questão de recordar, apenas cinco dos 29 membros da NATO já cumprem a meta dos 2%. E a verdade é que nem os EUA, que continuam a ser a potência com maior investimento militar no conjunto dos países da NATO, contribuem com 4% do seu Produto Interno Bruto para esta área (no ano passado, o investimento norte-americano em Defesa ficou nos 3,57% do PIB).

Mesmo assim, ouvindo as palavras de Trump na conferência de imprensa que deu antes de partir para Londres, e que não estava prevista na agenda, ficava a sensação de que havia luz verde em Bruxelas. “Estamos a conseguir números como nunca conseguimos”, vangloriava-se o presidente dos EUA.

O que Trump conseguiu dos 28 parceiros

Enquanto decorriam as reuniões laterais entre os chefes de Estado e de Governo, começou a circular a ideia de que Donald Trump poderia acionar a bomba atómica e retirar os EUA da aliança militar transatlântica.

Tudo partiu da forma como o líder norte-americano se expressou, num encontro com os governantes da Georgia e da Ucrânica (dois territórios invadidos pela Rússia nos últimos anos). Se os parceiros dos EUA não respeitassem o acordado, haveria “graves consequências” para o futuro da aliança, e Washington poderia, “sozinha”, seguir o seu próprio caminho para garantir a sua segurança externa.

Fontes diplomáticas que assistiram ao momento interpretaram a frase como um sinal de que abandonar a organização era, de facto, uma solução possível para Washington. A posição levou mesmo o secretário-geral Jens Stoltenberg a convocar uma reunião de emergência entre os 29 líderes da NATO — levando a que, por exemplo, o presidente da Comissão Europeia fosse afastado dos trabalhos do dia.

Trump: “Compromisso dos EUA com a NATO continua muito forte”

Na conferência de imprensa que deu ao final da manhã, antes de partir para a sua primeira visita oficial ao Reino Unido, Trump não desmentiu as interpretações às suas palavras. “Penso que provavelmente posso” deixar a NATO sem a intervenção do congresso dos EUA nesse processo, “mas creio que é desnecessário” fazê-lo, disse. Mas talvez isso não fosse necessário.

Eles comprometeram-se hoje como nunca tinham feito antes”, garantia Trump aos jornalistas.

O presidente norte-americano disse ainda que tinha sido alcançado um acordo para que o bolo das contribuições crescesse em mais 33 mil milhões de dólares e até avançou a informação de que os parceiros da aliança “concordaram em pagar mais e concordaram em pagar mais rápido”. Só que não.

A fasquia não subiu e, ao contrário daquilo que se percebia das palavras de Trump, também não houve um acelerar dos ritmos a que os países da NATO têm de alcançar os 2% do PIB em investimento militar. “Há um comunicado publicado ontem, que é muito detalhado e confirma o objetivo de [alcançar os] 2% até 2024”, disse Emmanuel Macron. “É isso.”

Angela Merkel também foi protagonista de um episódio que se passou dentro de portas, antes das conferências de imprensa que vieram diminuir a tensão diplomática em Bruxelas. Num relato do Politico, citando fontes presentes nas reuniões dos chefes de Estado e de Governo, Trump ter-se-á virado para a chanceler alemã e dito:

Angela, tens de fazer alguma coisa em relação a isto”.

Sem se referir diretamente às palavras de Trump, Merkel disse que os líderes europeus e norte-americanos tiveram uma “discussão fundamental com todos os membros da NATO por causa da questão que foi levantada esta manhã — o que podemos fazer para melhorar a nossa defesa”. Nessa conversa, Merkel assinalou que “a Alemanha tem de fazer mais”, mas também sublinhou que “há muito anos” que o país se aproxima da meta acordada em 2014.

E Portugal no meio disto? 2% só com uma ajuda de Bruxelas

Portugal não chegou aos 2% em investimento militar e, tão cedo, não deseja sequer ouvir falar em novos aumentos da parada: “Não vemos razão para isso”. Foi essa a mensagem que António Costa levou ao secretário-geral da NATO, a quem entregou um plano detalhado sobre o caminho que o país vai percorrer para (tentar) alcançar o acordo da cimeira de Gales.

No “quadro anualizado” que o chefe de Governo levou para Bruxelas, o valor do investimento em Defesa, em 2024, fica aquém da meta: 1,66% do PIB. Costa preferiu destacar o lado positivo da questão. “Portugal irá apresentar hoje [quarta-feira] na cimeira, pela primeira vez, um quadro anualizado de convergência com o compromisso que foi assumido em 2014 na Cimeira de Gales” e que se traduz num “quadro de evolução gradual, sustentado e compatível com as diferentes necessidades orçamentais do país nos mais diversos domínios”.

O Governo até admite que as contribuições possam aproximar-se muito mais dos 2% (até aos 1,98% do PIB) — bastaria que o país visse aprovados os fundos comunitários a que se vai candidatar no âmbito do Quatro Financeiro Plurianual da União Europeia para o período entre 2021 e 2027.

Ou seja, os nossos 2% dependem de terceiros — são descritos ao Observador como um wishful thinking de difícil concretização — e, com esses, Costa não se compromete. A única garantia que Portugal pode dar aos parceiros da NATO é a de que este ano vai alocar 2.728 milhões de euros do PIB ao setor militar, equivalentes a 1,36% da riqueza nacional. E que no próximo ano essa fatia sobe para 1,41%.

Em termos práticos, alcançar 1,66% do PIB em investimentos passa por concretizar alguns projetos:

  • Novo navio reabastecedor: com um custo de cerca de 80 milhões de euros;
  • Navio polivalente logístico: cujo preço base ronda valores entre os 230 e os 250 milhões de euros;
  • Navios NPO: os seis navios custarão cerca de 240 milhões de euros;
  • Aviões KC390: está prevista a compra de cinco, com mais um de opção, num custo estimado em 800 milhões de euros.

Os novos aparelhos da Força Aérea têm um peso considerável nestas contas mas, mais do que isso, são um verdadeiro problema. Desde logo porque, quando foi confrontado com a fatura, o Ministério das Finanças travou a fundo, deixando o processo em suspenso.

Se Mário Centeno desbloquear o impasse, António Costa pode reclamar um meio sucesso: não atinge os 2% exigidos por Donald Trump em Bruxelas (e acordados entre os parceiros NATO em 2014), mas alcança o objetivo com que se comprometeu esta semana junto do secretário-geral da aliança atlântica.