As marcas de borracha no chão não deixam qualquer dúvida: denunciam os encontros ilegais de “picas” e “aceleras” – como são conhecidos na zona – que acontecem desde o início do ano, junto ao outlet Lago Discount. Praticamente todos os domingos, mais de uma centena de pessoas junta-se em frente à área de lazer desta zona comercial, para assistir às manobras perigosas, sempre durante a noite.

O acidente deste domingo, no qual nove pessoas ficaram feridas, foi o episódio mais grave de uma situação que se arrasta em Ribeirão, concelho de Famalicão, mas não foi o primeiro. Ainda há duas semanas, as corridas ilegais no mesmo local deixaram para trás um poste derrubado e vários carros, que ali estavam estacionados, ficaram amolgados e riscados, provavelmente por outro despiste.

“Já é uma situação normal. Até mães com bebés ao colo”

Segundo alguns trabalhadores do Indoor Karting e do Bowling House (dois estabelecimentos daquele local, que estão abertos até tarde e que são frequentados essencialmente por jovens), as pessoas começam a juntar-se às 21h e só vão embora perto da meia-noite. “Já é uma situação normal”, dizem, preferindo manter o anonimato. “Chegam de vários lugares: Famalicão, Braga, Póvoa do Varzim…”. Entre o público, “há de tudo”, contam ao Observador. “Até mães com bebés ao colo.”

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Não é segredo para ninguém, mas a polícia não aparece sempre. A GNR diz que tem conhecimento dos encontros. O comandante do Destacamento de Barcelos adianta que já foram elaborados diversos autos de contraordenação, “quatro ou cinco processos-crime por condução perigosa e vários autos de apreensão de viaturas”. Mas sobre o grupo responsável por estes ajuntamentos, o Capitão Adelino Silva não conseguiu dar informações concretas. Ao Observador, explicou apenas que os eventos costumam ser promovidos nas redes sociais e através do passa a palavra: “É um fenómeno recente. Já houve em tempos, depois parou e, no início de 2018, reativaram-se estes encontros. Em maio e junho voltaram a cair e agora, fruto das pessoas estarem de férias e da chegada dos emigrantes, voltou outra a vez a aumentar.”

No Facebook há, pelo menos, um grupo com uma ligação aparente a este tipo de corridas, o “Aço do Lago Discount”. É referido em alguns vídeos de corridas ilegais no YouTube, datados de 2015, e nas caixas de comentários à notícia do acidente da noite de domingo são muito os que falam de “aço” em Famalicão, num aparente apoio à concentração de todos os domingos. Ainda assim, contactados pelo Observador, os administradores desta página privada demarcaram-se do que aconteceu este fim de semana, garantindo não terem qualquer relação com a concentração que acabou com um atropelamento.

O alerta foi dado pouco antes das 23h00. A condutora de um dos carros que participavam nas corridas perdeu o controlo do automóvel, entrou em despiste e atropelou nove pessoas. Uma das testemunhas, que estava a trabalhar na altura do acidente, diz que ouviu gritos e ainda viu algumas pessoas a pegarem no carro acidentado e a virarem-no, para libertarem as vítimas que tinham ficado presas debaixo da viatura. Os feridos foram encaminhadas para o Hospital de Famalicão e já tiveram alta.

Condutora de 17 anos atropela 9 pessoas

Quando a GNR chegou ao local, a condutora já não estava lá. A jovem de 17 anos, residente no concelho de Vizela, distrito de Braga, e sem carta de condução, viria a entregar-se no posto de Famalicão, uma hora e meia depois do acidente. Acabou por ser notificada para apresentar-se, esta segunda-feira, no Tribunal Judicial de Famalicão. Interrogada pelos crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa, saiu com a medida de coação mínima, o termo de identidade e residência. O carro que conduzia, um Honda Civic preto, foi apreendido por “alteração de característica”, tendo o proprietário, namorado da condutora, sido nomeado fiel depositário da viatura.

O problema das corridas ilegais e exibições de manobras perigosas naquele local também não é novo para a Câmara Municipal de Famalicão. José Agostinho, adjunto do presidente para a comunicação, admite, ainda assim, que não estão previstas quaisquer medidas para combater estes eventos: “Sendo este um caso de polícia, já nos certificámos que a GNR está a acompanhar o sucedido.”