A crise promete continuar em Alvalade. Esta sexta-feira voltou a agitar a vida do Sporting e a acrescentar mais uma volta no novelo que começou a formar-se a 5 de abril, com o post de Bruno de Carvalho depois da derrota com o Atlético de Madrid. De lá para cá, houve agressões, rescisões unilaterais de jogadores, palavras polémicas, guerras de poder internas, publicações nas redes sociais, polícia e tribunais à mistura. Recorde os dez momentos-chave de Bruno de Carvalho desde que a confusão estalou em Alvalade.
O post de Madrid e as reações dos jogadores
5 de abril. O Sporting perdeu com o Atlético de Madrid por 2-0, com Bruno de Carvalho a ver o jogo em casa — o líder máximo dos leões não se deslocou à capital espanhola por estar prestes a ser pai. No final do jogo, o presidente foi ao Facebook e escreveu um post onde teceu duras críticas ao plantel. “De 11, em vez de 22 como queria, fomos nove, muitas vezes, e isso paga-se caro…”, escreveu, entre outras considerações. “Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento”.
Os efeitos não se fizeram esperar: no dia seguinte, os jogadores reagiram nas redes sociais. Rui Patrício e William Carvalho foram os primeiros a publicar um texto de defesa, que viria a ser depois partilhado pela maioria dos outros elementos do plantel. “Em nome de todo o plantel do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a público as declarações do nosso Presidente, após o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos… a ausência de apoio, neste momento… daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege pelo esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo”, podia ler-se. Estava criado um fosso que se viria a revelar irreversível entre o presidente e o plantel.
Os primeiros assobios em Alvalade
Bruno de Carvalho sempre foi largamente aplaudido em Alvalade. As reações do presidente eram um espetáculo à parte e a simbiose com a bancada parecia inabalável. Só que tudo mudou no dia 7 de abril, na receção do Sporting ao Paços de Ferreira, para a Liga. Pela primeira vez, o líder máximo dos leões foi contestado: viu lenços brancos e ouviu um coro ensurdecedor de assobios.
Além disso, nenhum jogador festejou com o presidente; os jogadores comemoraram a vitória todos juntos, chegaram a fazer uma volta olímpica ao estádio, deixando Bruno de Carvalho isolado. O presidente haveria de deixar o relvado em dificuldades, com uma alegada crise aguda de dores nas costas.
Bruno de Carvalho: “Se querem a minha demissão há um sítio próprio”
As agressões na Academia. “Foi chato”
O dia 15 de maio adensou a bola de neve em que se transformava a vida do Sporting. Naquele dia, o impensável aconteceu: cerca de 50 adeptos de cara tapada, armados com facas, bastões e cintos invadiram a Academia do clube, em Alcochete. Deslocaram-se até ao campo onde se iniciava o treino e também aos balneários, agredindo vários jogadores do plantel. Bas Dost foi o rosto dos atos de violência, tendo sido divulgada a imagem do avançado holandês de com a cabeça manchada de sangue. Também Battaglia, Misic e o próprio Jorge Jesus foram atacados. O grupo de agressores não encontrou qualquer resistência por parte dos seguranças da Academia.
As sete frases chave de Bruno de Carvalho em reação às agressões em Alcochete
Ao final da noite, Bruno de Carvalho reagiu na Sporting TV, com uma escolha de palavras que acabou por se tornar um dos momentos icónicos da escalada descendente do líder máximo dos leões. “Foi mau, foi chato ver as famílias ligarem preocupadas. O crime faz parte do dia a dia e tem de ser punido no local certo. As autoridades devem tirar conclusões não sobre o Sporting mas pela sua inércia”, disse Bruno de Carvalho, numa aparente desvalorização dos acontecimentos violentos na Academia do clube.
A guerra com Marta Soares e a Comissão Transitória da MAG
A 24 de maio — já depois de a Mesa da Assembleia Geral se ter demitido em bloco e vários membros do Conselho Fiscal e da Direção terem também renunciado aos seus cargos — acontece a reunião de órgãos sociais da qual resulta o anúncio de uma Assembleia Geral destitutiva, marcada para 23 de junho. No final, Bruno de Carvalho disse que aquele tinha sido “um dos dias mais tristes” que viveu no Sporting. “Esta direção tentou. Inclusivamente pedimos por duas vezes, no dia 21 e hoje [24 de maio], que nos dessem as razões porque nos devíamos demitir, que nós sairíamos da sala, reuniríamos e falaríamos sobre essas razões para tomarmos decisões. Foi-nos dito que não queriam entrar em discussões. Jaime Marta Soares acabou de lançar uma bomba atómica“, disse ainda o presidente. Estava criada uma guerra aberta com Jaime Marta Soares.
https://observador.pt/2018/05/24/direcao-do-sporting-diz-que-nao-renuncia-e-fala-em-perigos/
Quatro dias depois, a Mesa da Assembleia Geral anunciou que iria designar uma comissão de fiscalização para exercer transitoriamente as funções do Conselho Fiscal e Disciplinar demissionário, como previsto no número um do artigo 41.º dos Estatutos do Sporting. Bruno de Carvalho considerou este ato um “golpe palaciano de assalto ao poder” e, em retaliação, anunciou a destituição da MAG, a sua substituição por uma comissão transitória liderada por Elsa Judas, e o cancelamento da AG de destituição, substituindo-a por duas Assembleias ordinárias marcadas para 17 de junho e 21 de julho.
As rescisões dos jogadores
O dia 1 de junho marcou o início da onda de rescisões unilaterais por parte dos jogadores do plantel. Rui Patrício, que já estava integrado na Seleção Nacional com vista à preparação do Campeonato do Mundo, deu o pontapé de saída. A gota de água tinha acontecido no dia anterior, quando o Sporting inviabilizou a transferência do guarda-redes para o Wolverhampton.
Na carta de rescisão, Patrício diz ter sido “alvo de violência psicológica e violência física” e que temeu pela vida. “É inequívoco que foram violados os meus mais elementares direitos, legais e contratuais, e que não fui tratado pela Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD com o respeito devido a um colaborador, que não me foram dadas, por esta, as condições necessárias para o exercício da minha profissão, que fui alvo, por esta, de uma conduta de assédio, que visou condicionar-me, hostilizar-me e limitar-me na minha liberdade, nomeadamente de expressão, que não me foram asseguradas as condições de segurança para exercer a minha atividade”, disse ainda. No mesmo dia, Podence avançou também com a rescisão unilateral — com o mesmo documento assinado por Patrício — seguido de William, Gelson, Bruno Fernandes, Bas Dost, Rodrigo Battaglia, Rafael Leão e Rúben Ribeiro.
A suspensão com “efeitos imediatos”
O dia 13 de junho trouxe novo revés a Bruno de Carvalho. A Comissão de Fiscalização nomeada pela Mesa da Assembleia Geral do Sporting suspendeu o Conselho Diretivo com “efeitos imediatos” — substituindo-o por uma comissão de gestão liderada por Artur Torres Pereira. Bruno de Carvalho não perdeu tempo e regressou ao Facebook para reagir à suspensão. O presidente do Sporting disse que se tratava de “uma golpada”, uma “tomada de poder à força” e que “quem manda no Clube são os sócios todos e não meia dúzia”. Bruno de Carvalho voltou ainda a afirmar que a Comissão de Fiscalização designada pela Mesa de Assembleia Geral era ilegítima, pelo que não acataria a suspensão preventiva e iria continuar a trabalhar normalmente. “Ninguém foi suspenso. Isto foi apenas para estragar o feriado. É uma tentativa de tomar o poder à força”.
Mais dois dias, mais duas derrotas para Bruno de Carvalho. Primeiro, os tribunais consideraram ilegítimas as duas Assembleias Gerais convocadas pela Comissão Transitória da MAG (nomeada por Bruno de Carvalho); um dia depois, reconheceram Jaime Marta Soares como Presidente da MAG, conferindo-lhe poder para convocar a reunião magna de dia 23, com vista à votação para a continuidade ou não do Conselho Diretivo.
A destituição e o dito por não dito: “Não sou mais do Sporting”
O dia 23 de junho colocou Bruno de Carvalho na história do Sporting pelas piores razões: tornou-se no primeiro presidente do clube a ser destituído. Os resultados finais não deixaram margem para dúvidas — 71,36% dos 14.735 sócios votantes quiseram a destituição do presidente, contra os 28,64% que o apoiavam. Com ele caíam também os restantes elementos do conselho diretivo que se mantiveram fiéis a Bruno de Carvalho até ao final: Carlos Vieira, Rui Caeiro, José Quintela, Luís Roque e Luís Gestas.
Bruno de Carvalho acabou por se deslocar à Altice Arena (mesmo tendo dito que não o faria) e por votar (apesar de não o poder fazer por estar suspenso), depois de 24 posts publicados no Facebook. Entrou pela garagem, foi aplaudido por uns e apupado por outros, ainda pediu a palavra, mas Jaime Marta Soares negou-lha — porque o período marcado para as intervenções já tinha acabado.
A reação aos resultados finais fez-se, claro, via Facebook. E Bruno de Carvalho não conseguiu manter a coerência. No primeiro post, publicado poucas horas depois da AG, garantia não ser mais do Sporting. “Não consigo mais sentir este clube… Não sou mais do Sporting Clube de Portugal porque fui enganado”, disse. “Não me quero mais aproximar de uma elite bafienta e mal cheirosa que sempre dominou o Sporting Clube de Portugal! Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste clube. A tristeza é tremenda, mas a desilusão matou tudo”. “A minha carta de suspensão vitalícia de sócio segue segunda feira e nunca mais seguirei sequer os eventos desportivos do clube”, prometeu, num texto em que garantiu também não impugnar a AG de dia 23.
Só que menos de 12 horas depois, deu o dito por não dito. “Agora acabou. Querem guerra. Eu compro! Vou impugnar a AG e o Presidente da SAD ainda sou eu! Vou a eleições. Vamos ver quem vence. Se são a maioria dos sócios ou os ‘podres’ e os Viscondes!”, escreveu num post de Facebook, onde se referiu a Sousa Cintra como “homem do tremoço” e afirmou o amor ao clube que tinha negado horas antes. “Por muito que me queira afastar, não consigo! Bem sei o que disse amargurado, traído, ferido. Que não queria ser mais adepto nem sócio, mas NÃO consigo… Amo-te Sporting”. Mas ainda haveria espaço para mais uma publicação, marcada para o dia seguinte. Bruno de Carvalho editou o que tinha escrito antes e elaborou uma versão bem mais moderada: “Venho pedir desculpa a todos pelas coisas que escrevi neste post. Já alterei o texto pois, apesar da frustração e sentimento de revolta terem sido tremendos, nunca devia ter escrito muito do que escrevi. Desculpem este meu lado humano que teve a fraqueza de ficar arrasado com tudo o que vi e senti na AG”.
O anúncio da recandidatura: “Temos de continuar”
Também neste tópico Bruno de Carvalho vacilou e deu o dito por não dito. Depois de ter garantido que não seria candidato num cenário de futuras eleições, acabou por anunciar a corrida à presidência do Sporting marcada para dia 8 de setembro.
A 7 de julho, o antigo líder dos leões recorreu ao Facebook para, num vídeo em direto, anunciar a candidatura. “Voltar para trás não pode ser nunca o nosso caminho. Temos de continuar a trilhar o caminho de mãos dadas com os sportinguistas, para atingirmos sempre aquilo que são os nossos reais objetivos. Por isso decidimos avançar com a candidatura”, revelou Bruno de Carvalho.
Candidato ou não? — a novela
A vontade do antigo presidente não é, no entanto, suficiente. A 2 de agosto, a Comissão de Fiscalização anunciou que Bruno de Carvalho estará um ano suspenso de sócio, na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado. Também Carlos Vieira, antigo “vice” para a área financeira, ficou suspenso (neste caso por dez meses), acabando por desistir da candidatura que também tinha lançado à presidência do clube.
A Comissão de Fiscalização — que, recorde-se, tem como missão substituir o Conselho Fiscal e Disciplinar depois de este ter perdido o quórum com as demissões pós-ataques de Alcochete — explicou que a principal razão para a suspensão se prende com a criação, por parte dos castigados, de “órgãos não estatutários com os quais tentaram iludir os sócios”. “Convocaram ilegalmente duas Assembleias Gerais e desrespeitaram não só órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal, como diversos sócios sobre os quais não pouparam insultos”, pôde ler-se ainda na nota divulgada.
Bruno de Carvalho abalou mas não quebrou. Três dias depois, avançou com outra estratégia: anunciou que deixaria de ser cabeça de lista (sendo substituído por Erik Kurgy), mas que os sportinguistas continuariam a votar nele. “Todos continuarão a votar em mim na mesma, mas é tempo de jogar com as mesmas armas de quem neste momento governa o Sporting com sucessivos atropelos à democracia, lei, estatutos e vontade dos associados. A lei vai colocar-nos novamente na lista mas até lá não podemos desperdiçar todo o trabalho e esforço efetuados! Isto é uma ação de mobilização. Vamos jogar com as armas com que tentam derrubar-nos”, anunciou o antigo presidente. “As listas serão entregues desta forma, para evitar serem rejeitadas, mas o candidato dia 8 de setembro serei eu!”.
A certeza — pelo menos até esta sexta-feira
A novela prosseguiu nos dias seguintes, com outro episódio rocambolesco: a entrega das listas. Os representantes da candidatura de Bruno de Carvalho alegavam que Marta Soares não queria receber a lista e ameaçaram avançar com uma queixa-crime, já o presidente da MAG garantia não ter sido avisado. “A essa hora nem estou cá! Ninguém me comunicou que vinha cá hoje às 17h30 e não tenho conhecimento, sendo que é o presidente da Mesa que tem de receber. Não se pode andar a saber dessas agendas pela comunicação social ou por comunicados”, disse no primeiro de dois dias em que se desenrolou esta novela — e com polícia à mistura em Alvalade.
A lista foi recebida, mas isso não garantiu nada. Três dias depois, chegou a certeza: Bruno de Carvalho foi formalmente proibido de participar nas eleições do clube. De acordo com a MAG, todos os associados que estão nesta altura sob alçada disciplinar do clube não podem integrar qualquer elenco que se apresente a sufrágio — ou seja, mesmo não sendo cabeça de lista, Bruno de Carvalho não pode fazer parte de nenhuma candidatura.
O ex-presidente reagiu, acusando Marta Soares de ser “o emplastro de Portugal” e “violador de tudo aquilo que são regras e leis da democracia deste país”. Bruno de Carvalho continuou a repetir que a lista é válida. “A nossa candidatura não está nada rejeitada, isto é mais uma golpada desse senhor que não é nada no Sporting. Não vivi a PIDE, mas de certeza que não foi pior do que Marta Soares, Henrique Monteiro, João Duque ou Rita Garcia Pereira. São tudo pessoas que vão ter de pagar pelo que andam a fazer”, disse à Sport TV.
Depois desta sexta-feira, tudo pode mudar; ou não. Os próximos tempos prometem mais batalhas jurídicas e jogos de poder. A crise não arreda pé de Alvalade.