São prisões com grades e de onde os reclusos não podem sair, mas que não têm guardas, nem armas, e em que os condenados participam na sua gestão e organização até estarem prontos para voltarem à liberdade. Nas cadeias brasileiras APAC, que têm o nome da organização sem fins lucrativos que as pensou (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), os reclusos estudam e trabalham em colaboração com a comunidade local. Por cá, a APAC Portugal tem consciência que o conceito, a aplicar-se, teria que ser adaptado, mas aproveita as lições de reinserção para ajudar a recuperar reclusos.

Ao Observador, o presidente desta associação sem fins lucrativos, Duarte Fonseca, lembra que estas cadeias reúnem o melhor de dois mundos. “É uma metodologia que tem um processo muito próprio, tanto é progressiva como regressiva”, disse à margem da primeira conferência que associação portuguesa promoveu. É que nestes estabelecimentos prisionais os reclusos têm uma “rotina completamente diferente”, trabalham e estudam e não podem ficar o dia inteiro enfiados numa cela, se for essa a sua vontade. Mais. Alguns deles integram o conselho de reclusos, que é tido em conta pela direção prisional. Apesar de não haver guardas e de os reclusos se autoresponsabilizarem pelos seus problemas sociais, há voluntários e técnicos que trabalham com eles.

A APAC entende que só atribuindo responsabilidades àqueles que cometeram crimes, eles poderão ser reabilitados e reinseridos na sociedade. No estado brasileiro de Minas Gerais, onde existem mais de 200 cadeias, existem já 40 APAC e 50 outras estão a ser implementadas. O modelo não tenciona sobrepor-se ao que já existe, mas complementá-lo. E “há critérios de admissibilidade”, explica. Não pode ser um recluso que se encontre em prisão preventiva, mas sim condenado, para se poder fazer um plano de reinserção social; tem que ter cometido um crime na comarca onde fica a prisão, ou ter qualquer laço familiar que o ligue a essa comunidade; e tem que estar preso há mais de um ano sem qualquer falha disciplinar. O crime que cometeu não entra nos critérios. Por outro lado, este modelo prisional só pode ser instalado em locais onde a comunidade concorde com ele, uma vez que essa mesma comunidade é considerada fundamental no trabalho que é feito com os reclusos. Estas exigências mostram, por outro lado, como este sistema é complementar ao convencional e não o pode substituir.

Os números mostram que, neste sistema, a reincidência é de 20% contra 75% no sistema comum. No entanto, em Portugal, defende Duarte Fonseca, dificilmente se poderia mimetizá-lo. E a principal razão prende-se, precisamente, com as características da população prisional.

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“A realidade portuguesa é muito diferente da brasileira, têm realidades legais muito diferentes, um tipo de violência nas prisões que não temos. Em Portugal, a necessidade de reinserção continua a existir, mas talvez o ideal fosse o sistema norueguês, com guardas que são formados e não armados”, explica.

O sistema norueguês, onde existe aquela que foi considerada a Prisão Mais Humana no Mundo, foi também um dos exemplos dados na conferência que decorreu na manhã desta quinta-feira no auditório da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, em Lisboa, onde a ideia foi mostrar bons exemplos do que se faz com os reclusos. E Duarte Fonseca considera que há, em Portugal, exemplos que quase trabalham como na Noruega. “O estabelecimento prisional de Torres Novas faz um trabalho extraordinário na reinserção, mas o trabalho que tem que ser feito passa mais por uma questão de consciencialização da sociedade. Enquanto não percebermos que a pessoa não é irrecuperável, o método em si não seria aplicável. As pessoas e as empresas têm que olhar de outra forma para a população prisional”, defende.

Reclusos em Portugal vão poder falar com as família por Skype

O diretor geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, ouviu atentamente todos este conceitos. Mas, ao Observador, lembra que é preciso olhá-los com “latitude e longitude”. Quando o juiz brasileiro Luís Carlos Resende, defensor das APAC, mostrou uma fotografia de uma cela com mais de 20 presos e um guarda prisional fortemente armado e com um cão, Manata até respirou de alívio. “Se esse é o sistema convencional, então todas as nossas prisões portuguesas são APAC”, contou ao Observador, lembrando que este regime de guarda prisional não existe em Portugal e que nem “quando havia sobrelotação” havia tantos reclusos por cela. “Há casos de camaratas com muitos reclusos, mas com dimensões maiores”, ressalvou.

O diretor geral lembrou que é preciso “cautela” ao analisar estes sistemas, porque as características são diferentes. “Mesmo o modelo da prisão norueguesa que foi falado tem 110 presos, com tempo de permanência de 18 meses, por crimes menores”, alertou. Logo, “é uma gestão diferente”. E dificilmente seria possível implementar em Portugal um sistema em que alguns reclusos participam nas decisões de gestão, até porque isso é proibido pelas regras impostas pelo Conselho da Europa. “Partimos de pressupostos diferentes”, diz.

Ainda assim, o responsável aproveitou a conferência para falar de alguns bons exemplos em Portugal, que também visam contribuir para a ressocialização de quem foi condenado por um crime. É o caso do já anunciado Espaço Cidadão Recluso, que já está a ser testado nas cadeias de Tires e de Lisboa e que deverá ser implementado no resto do país. Aqui os reclusos podem consultar sites de emprego e tratar de questões burocráticas no site das Finanças ou, até, no do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Por outro lado, têm acesso ao Skype para poderem falar com famílias que residam distantes e que não os possam visitar.

E, como bons exemplos de reinserção, do Reino Unido veio a responsável pelo negócio social, Behind Bras, que procura formar reclusas no mundo da moda para depois, em liberdade, criarem o seu próprio emprego ou encontrarem uma ocupação profissional na área. É esse, também, o objetivo da APAC Portugal, no protocolo que assinou com a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais: encontrar postos de trabalho para os reclusos que saem em liberdade.