Não restam dúvidas ao presidente turco sobre quem está envolvido na morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi nem sobre onde o colaborador do The Washington Post foi morto. “Temos certeza de que Khashoggi foi assassinado no consulado saudita”, revelou Recep Tayyip Erdogan que esta terça-feira de manhã se dirigiu ao parlamento em Ancara para revelar as conclusões do inquérito à morte do jornalista saudita. Envolvidos no crime estão duas equipas sauditas, das quais fazem parte generais. O crime foi premeditado e selvagem, garante o presidente turco, que se referiu a ele como um “assassinato político”.
Na véspera, Erdogan tinha prometido contar “toda a verdade sobre o caso”, apesar da sabida necessidade de preservar as relações diplomáticas entre Ancara e Riade. Esta terça-feira, três semanas depois do desaparecimento do jornalista do consulado saudita em Istambul, não há como negar que aquele foi o local do assassinato. Aliás, as autoridades de Riade já tinham admitido, durante a passada semana, que o jornalista crítico do regime foi morto no interior da missão diplomática na Turquia, na sequência de uma troca de murros.
Sobre a autoria do crime, Erdogan fez também algumas revelações. O planeamento começou vários dias antes e estiveram envolvidas no assassinato de Jamal Khashoggi duas equipas sauditas, uma delas constituída por nove pessoas. Essa equipa, da qual faziam parte generais, terá viajado para a Turquia a partir da Arábia Saudita no final de setembro, explicou Erdogan no parlamento.
Novas revelações implicam príncipe herdeiro saudita na morte do jornalista Jamal Khashoggi
Crime “selvagem” e “planeado”
A investigação levada a cabo pelas autoridades turcas demonstram que a morte de Jamal Khashoggi foi um crime premeditado e, nas palavras de Erdogan, “selvagem”. Para chegar a estas conclusões, Ancara baseia-se no trabalho dos seus investigadores e nas gravações obtidas pelas câmaras situadas na proximidade da missão diplomática. No interior do consulado, alega a Arábia Saudita, as câmaras não estavam a funcionar no dia 2 de outubro.
“Havia um plano que começou a ser delineado a 28 de setembro, durante a primeira visita de Khashoggi ao consulado”, sublinhou o presidente turco. Já depois dessa data, a 1 de outubro, véspera do desaparecimento do jornalista, as duas equipas sauditas levaram a cabo explorações no bosque de Belgrado e na cidade de Yalova.
Lembrando que as autoridades sauditas anunciaram a detenção de 18 pessoas, 15 das quais estarão envolvidas no crime, o chefe de Estado turco deixou no ar várias questões.
“Por que chegaram a Istambul estas 15 pessoas no dia do crime? De quem receberam ordens para se deslocar aqui? Por que é que o consulado só deu ordem para investigar vários dias depois? Por que é que não aparece o cadáver de alguém que já se sabe ter sido assassinado?”, interrogou-se Erdogan.
As respostas que o presidente turco tem para dar são outras. “As provas indicam que Khashoggi foi assassinado de maneira selvagem e que trataram de encobrir o crime. As provas indicam, sem lugar para dúvidas, que o crime foi premeditado”, sublinhou o presidente turco.
Pelo caminho deixou um apelo ao monarca do país de origem do jornalista assassinado. “Apelo à Arábia Saudita, ao rei Salman, guardião das duas mesquitas. O crime foi cometido em Istambul. Peço-lhe que envie esses 18 detidos para serem julgados em Istambul. A decisão é sua, mas esta é minha proposta, o meu pedido”, pediu o presidente turco. Embora sublinhando não duvidar da sinceridade do rei saudita, defendeu que deve “realizar-se uma investigação independente”, já que “este é um assassinato político”.
O assassinato pode ter acontecido num edifício diplomático que é considerado território saudita, mas foi dentro das fronteiras da Turquia. A Convenção de Viena não pode permitir que a investigação a este assassinato seja blindada pela armadura da imunidade”, continuou Erdogan.
O cadáver desaparecido
Uma das pontas soltas da investigação é o desaparecimento do corpo de Khashoggi. A autópsia poderia revelar novas pistas, numa altura em que há duas versões diferentes de como terá ocorrido a morte. A Arábia Saudita afirma que o jornalista morreu durante uma troca de murros, a Turquia fala em desmembramento. Erdogan não deixou passar o desaparecimento do cadáver em branco.
“Foi-nos dito que o corpo foi entregue a um interlocutor local. E eu pergunto: quem é essa pessoa? Eles [Arábia Saudita] têm de explicar a quem se referem, quem é essa pessoa. Todas estas perguntas precisam de uma resposta para sabermos a verdade. O que queremos saber é quem deu as ordens, desde cima até a baixo. O rei Salman é uma pessoa muito sincera, mas o que precisamos é de uma investigação imparcial, porque isto é um assassinato político”, sustentou Erdogan.
“Nós sabemos que Jamal foi assassinado dentro do consulado e isso já foi reconhecido. Dizem-nos que morreu durante uma discussão. Já falámos com o rei saudita, ele reconhece o assassinato e disse-me que os 18 suspeitos estão detidos — são os mesmos identificados pela polícia. Estes eventos são muito significativos porque são o reconhecimento oficial do assassinato que foi realizado no edifício do consulado, ou seja, em solo da Arábia Saudita, mas dentro das fronteiras turcas”, concluiu.
Na segunda-feira, o jornal turco Aydinlik avançava que os restos mortais do jornalista já teriam sido descobertos no jardim de um general que trabalha no consulado saudita em Istambul. A informação era avançada pelo político nacionalista Doğu Perinçek, do Partido Patriótico. Na altura, Perinçek disse esperar que Erdogan falasse sobre o assunto no parlamento, o que não se verificou. Pelo contrário, o presidente turco insistiu que era urgente recuperar os restos mortais de Khashoggi.
Jamal Khashoggi, 59 anos, entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, no dia 02 de outubro, para obter um documento para casar com uma cidadã turca e nunca mais foi visto. Jornalista saudita residente nos Estados Unidos desde 2017, Khashoggi era apontado como uma das vozes mais críticas da monarquia saudita.
Entretanto, a Arábia Saudita reconheceu já que o jornalista foi morto no seu consulado em Istambul durante uma luta, referindo que 18 sauditas estão detidos como suspeitos, anunciou a agência oficial de notícias SPA. A agência estatal de notícias saudita SPA revelou também que um conselheiro próximo do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, foi demitido, juntamente com três líderes dos serviços de inteligência do reino e oficiais.
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