Há processos parados porque não há elementos na Polícia Judiciária suficientes para investigar, há suspeitos que não são detidos por falta de meios, há perícias, sobretudo informáticas, que se arrastam no tempo por não existirem especialistas para as fazer. E o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que concentra os maiores processos de corrupção do País, conta cada vez menos com a colaboração desta polícia.

No dia em que o primeiro-ministro, António Costa, fez um balanço dos três anos de Governo e assumiu que faltam meios na investigação aos crimes de corrupção, o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da PJ traçou ao Observador o estado em que aquela polícia se encontra. Um estado que, em parte, o próprio diretor do DCIAP, Amadeu Guerra, descreveu numa conferência em que participou na última quinta-feira e que tem tido consequências: aquele departamento delega cada vez menos investigações na PJ porque não existem meios humanos e técnicos à altura da investigação.

“Creio que o que falta em Portugal são meios para combater a corrupção e uma consciência cada vez mais alargada para esse fenómeno”, disse o primeiro-ministro em resposta a uma aluna que tocou no tema. Mas sem avançar uma solução.

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Na última quinta-feira, na conferência “Integridade e Responsabilidade Empresarial”, Amadeu Guerra foi desafiado a falar sobre os desafios da investigação da criminalidade económica-financeira, no auditório do Instituto Miguel Galvão Teles. O magistrado lembrou as dificuldades na investigação de crimes que, atualmente, passam fronteiras e que se ocultam no ciberespaço. Mas também falou nas estratégias que o DCIAP usa para contornar essas dificuldades. E que, na maior parte dos casos, não passam por contar com a polícia de elite na investigação deste tipo de crimes.

Para atacar as investigações o mais rapidamente possível, de preferência quando “os factos estão a ocorrer”, Amadeu Guerra admitiu que o DCIAP abandonou o modelo tradicional de delegar a investigação na PJ e passou a recorrer a magistrados de outras jurisdições e departamentos. “Há falta de recursos humanos, neste momento, na Polícia Judiciária, e eu já o referi, e também de recursos técnicos. É fundamental haver perícias informáticas, financeiras, laboratoriais, digitalização da prova, porque hoje a investigação não se faz com a leitura de toda a documentação, faz-se com pesquisas informáticas, com tecnologias preparadas para isso e nós, neste momento, temos no DCIAP”, disse.

Pouco depois, quando confrontado com a questão dos mega-processos que se arrastam no tempo e em que os arguidos são investigados ao longo de anos, Amadeu Guerra afirmou que têm tentado combater essa tendência. No entanto, nem sempre é possível “partir” os processos. Mesmo que fosse, o magistrado não acredita que tal se traduzisse em menos anos de investigação. E voltou a tocar na questão da falta de meios na Judiciária.

“O que eu acho, desde logo, é que, para evitarmos que durem este tempo todo, haja meios ao nível da investigação. A PJ nesta altura não tem meios. Há pessoas que estão a investigar os processos e ou mudam de sitio, ou passam para inspetores-chefes. Depois é preciso uma perícia informática e demora imenso tempo. Eu, no DCIAP, vou sempre tentar buscar soluções alternativas. Neste momento, em termos tecnológicos, temos uma sala forense onde, se calhar, tenho mais meios que a PJ, o que é um contrassenso”, admite.

Guerra lembrou que essa sala custou 700 mil euros e que Portugal só pagou 20%, graças aos fundos comunitários. Acresce a licença de software paga anualmente. E lembra que recorre também a assessorias “específicas”, de consultoras por exemplo, que nem a PJ nem, por exemplo, o Núcleo de Assessoria Técnica do Ministério Público conseguem responder. Recorde-se que, por exemplo, na investigação que levou à Operação Marquês e à detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, o DCIAP contou com a Autoridade Tributária na investigação e não com a PJ.

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Falta de meios humanos afeta investigação de todos os crimes

Há cinco anos que não entra um único novo elemento para a Polícia Judiciária e, nos últimos anos, esta polícia perdeu duas centenas de homens. Para a reforma, para serviços do Ministério Público e, também, para o setor privado. Há polícias formados pelo Estado e que são especialistas em determinadas áreas a pedirem a exoneração para entrarem nos quadros de bancos e empresas privadas — onde encontram melhores condições de trabalho.

Atualmente, denuncia mesmo o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, Ricardo Valadas, a idade média dos inspetores é 49 anos. E os novos 120 elementos, que concorreram ainda no governo de Passos Coelho, estão a ser formados e só começam a prestar serviço em 2020.

A estrutura da Polícia Judiciária está cada vez mais pequena e, aos olhos do dirigente sindical, mais enfraquecida. “A PJ começou a investigar criminalidade informática em 1995 e a experiência está a ser deitada fora por não haver pessoas”, refere. Sendo uma polícia que recupera milhões de euros em operações e que consegue ser rentável, Valadas não percebe porque ninguém parece olhar para ela. “Leva-nos a pensar se não há intenção de manter uma estrutura independente para investigar”, diz.

Além de crimes económico-financeiros, a investigação a outros tipos de crime está também a ser posta em causa com a falta de meios. Recentemente o suspeito de uma perigosa organização criminosa não foi detido porque não havia meios para fazer a detenção. Noutro caso, numa investigação de um homicídio, não havia no Laboratório de Polícia Cientifica kit de reagentes para fazer uma comparação de ADN “por falta de dinheiro”, denuncia o dirigente sindical. Pior, “há processos parados”, cuja investigação não avança também por falta de meios.

Esta segunda-feira, António Costa reconheceu o problema da falta de meios e afirmou existir um maior investimento nos meios de combate à corrupção. O Observador apurou que na PJ, onde os computadores não era mudados há já dez anos, o parque informático está a ser reposto gradualmente. Recentemente chegaram 900 novos computadores, espera-se uma segunda tranche de igual número e, depois, uma terceira que permitirá substituir tudo a nível nacional. Mas quanto a admissões, mesmo depois dos alertas do próprio diretor nacional da PJ, Luís Neves, no dia do aniversário da PJ, nada se diz.

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Para agravar a situação, a ASFIC lembra que falta ainda discutir a nova lei orgânica (a que está em vigor tem 20 anos) da PJ e os estatutos. “Tivemos meia centena de reuniões com um grupo de trabalho criado no Ministério da Justiça, mas nunca vimos sequer o documento que de lá saiu. Não estão a colocar pessoas, mas também não se estão a cuidar as pessoas que cá estão”, resume Ricardo Valadas.