Foi na Puerta del Sol que se concentraram este sábado milhares de adeptos do River Plate, num ambiente de festa e perfeita loucura na antecâmara da final da Taça Libertadores entre os millonarios e o rival Boca Juniors. À noite, a multidão foi rumando a outros lados e ficaram apenas umas dezenas de hinchas, que se cruzariam com um grupo de apoiantes dos xeneizes. Houve cânticos e algumas “bocas” mas o ambiente de tensão ficou por ali, sempre com a polícia a controlar tudo de perto. Para quem pensava que Madrid poderia receber mais um round dos episódios de violência que tiraram o jogo das decisões da Argentina, a realidade tem sido praticamente oposta e muitos argentinos que em condições normais queriam apenas passar as horas antes do apito inicial junto dos fãs do seu clube fazem questão de parar para tirar fotografias com adeptos contrários. Cada imagem dessas é como que um grito de indignação perante tudo o que se tem passado no futebol do seu país. Mas é também nesta antecâmara que se ficam a conhecer as histórias mais incríveis da paixão dos sul-americanos pelo seu clube.

Santiago é um bom exemplo: nascido em Mar del Plata, trabalha em Málaga há um ano mas o futuro tornou-se agora um ponto de interrogação: faltou aos dois últimos dias de trabalho. “Sou empregado num pub, estava muito bem mas esta paixão é maior que tudo. Há coisas que o dinheiro não pode pagar, tive de faltar de forma voluntária ao meu trabalho mas pelo River é o que for preciso”, contou à reportagem do Olé, que marca presença em massa na capital espanhola. Cristian, que veio da Argentina, fez uma mudança mais radical. “No mesmo dia em que o Bernabéu foi oficial, comprei a minha passagem para Madrid. Separei-me da minha namorada, deixei a casa onde estava a viver e também o trabalho”, disse ao As.

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Loucura pelo River, loucura pelo Boca, considerado de forma unânime como o clube com mais adeptos na Argentina e não só dispostos a tudo. “Conheço pessoas que se divorciaram por causa do Boca. Disseram que era o Boca ou ela e escolheram o Boca”, contou à EFE Nicolas Mattera, dirigente da peña dos xeneizes em Madrid. “Há quem ofereça o seu carro em troca da viagem de avião e um bilhete para a final. Há muitas pessoas que estão a deixar os seus trabalhos para virem para Espanha, porque disseram que não lhes podiam dar os dias e preferiram despedir-se ou serem despedidos. Há quem venha para Madrid e depois peça um canto para dormir porque não têm nada marcado”, acrescentou. Mas também ele tem a sua “história”: “Tanto eu como o meu irmão tínhamos uma insuficiência renal crónica desde nascença. Aos 18 anos, fui operado, o meu pai deu-me essa possibilidade de fazer um transplante e combinámos que sairíamos dali para um na Bombonera. Quando chegou o dia, não me queriam deixar ir porque não se deve ter contacto com pessoas. Discutimos e acabámos por chegar a um acordo: fui ao estádio acompanhado por enfermeiro e de máscara. Foi a nossa primeira saída depois da intervenção”.

Há também uma outra história caricata por parte de um adepto do Boca Juniors que chegou do Texas: antes de viajar, foi vendo as notícias para perceber em que hotel ficaria a comitiva xeneize e marcou quarto para essa unidade. Chegou de manhã, subiu à sua habitação, deixou as malas, ia vestir a camisola azul e amarela mas percebeu não só que a sua equipa não estava ali como teria de conviver com o plantel e todo o staff do rival River. “Se estou dececionado? Não, não, estou cá. Mas não foi bem isto que tinha sonhado mas por alguma razão o destino trouxe-me para aqui”, comentou num vídeo apresentado pelo As.

Existe também um ponto percetível neste ambiente de festa: ao contrário de outras ocasiões, a prioridade das forças policiais passa sobretudo pela monitorização dos adeptos para evitar cruzamentos nas ruas de Madrid e o controlo dos hinchas mais perigosos desde a entrada em Espanha. Por isso, as dezenas e dezenas de potes de fumo que têm sido abertas não levantam grande celeuma, assim como, e para já, a revenda de bilhetes a preços astronómicos nas imediações do estádio, a valores acima dos 300 euros (valor mínimo). Na internet, e para evitar maiores problemas, chegou a surgir o anúncio que dizia o seguinte: “Vendo duas canetas e como oferta por cada uma um bilhete para a final da Taça Libertadores”. E quanto custava cada “caneta”? Entre 160 e 225 euros, como conta o Mundo Deportivo. Mas isto já foi a meio da semana…

Por fim, a história contada pela Marca de uma premonição que acertou em cheio até este momento: ainda antes do segundo jogo da final da Taça Libertadores, Tobias, um adepto do River que vive em Córdoba, escreveu no Twitter que tinha sonhado com o triunfo dos millonarios frente ao Boca por 1-0 com golo de Piti Martínez… no Santiago Bernabéu. Metade do sonho, talvez a parte mais complicada, está concretizada e o jogo será mesmo em Madrid. O resto, só no final se verá. Mas já houve uma vitória para todas as partes e de goleada: não se registou qualquer problema entre rivais antes do jogo nas imediações do estádio, ficando assim como única nota um adepto que sofreu um enfarte perto doBernabéu e seguiu para o hospital.