O cansaço não lhe tirava o sorriso quando Rui Rio falou — pela terceira e última vez da noite — aos conselheiros, a quinze minutos das quatro da manhã de sexta-feira. Vem aí um Rio 2.0, em modo campanha eleitoral, que só não é um Rio totalmente novo porque era este o plano inicial: um Rio a duas velocidades. Foi o próprio presidente do PSD que o disse na madrugada de sexta-feira, explicando aos conselheiros que vão passar a ver um novo Rio, mais emotivo a atacar o Governo e indisponível para acordos com o PS até às legislativas. Mais duro para fora, mas mais humilde para dentro, na resposta ao cartão alaranjado que o partido lhe deu. Repetiu a palavra “humildade” mais do que uma vez durante a noite.

No discurso final de um Conselho Nacional que decorreu durante onze horas à porta fechada, Rui Rio admitiu absorver as críticas que considerou mais justas para a sua estratégia.

Há coisas que eu ouvi e que meto no parâmetro da equação que tenho na minha cabeça para levar avante. Ter alguma humildade é um ato de inteligência, manter é um ato de estupidez. Tenho também de tirar o devido partido do que aqui ouvi”, admitiu.

Rio fez, no entanto, questão de dizer aos conselheiros que vai mudar a sua forma de atuação sobretudo porque se aproxima a campanha eleitoral, e não tanto por causa dos efeitos deste Conselho Nacional, que foi o culminar de uma guerra interna que se arrastava há meses. Mas deixou um pré-aviso: “Vou dizer-vos uma coisa que espero que percebam, principalmente aqueles que ainda não perceberam ou que têm dificuldade de perceber ao fim de tantos anos: a estratégia vai continuar a ser a mesma, mas não é por teimosia, nem é porque está na moção, é porque a estratégia foi desenhada no tempo conforme deve ser”.

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Ou seja, há tempo para dar a mão e tempo para largar. Para Rio, quando ainda faltava mais de um ano para as eleições não se devia criticar o Governo por tudo e por nada.  “Uma coisa é o comportamento que devemos ter a quatro anos de eleições, a três anos de eleições, a dois anos de eleições, a um ano de eleições, a quatro meses de eleições. Tudo isto tem uma lógica no tempo”, explica. Tudo isto, garante, já estava previsto: “Não preciso de mudar a estratégia porque, dentro da estratégia, os comportamentos e a evolução mudam no tempo. Agora, fazer oposição a quatro anos de eleições não é a mesma coisa que em cima do ato eleitoral”. Agora é que vai ser.

O tempo de acordos com o PS acabou, já que “obviamente que não se fazem acordos a três, a quatro ou a cinco meses de eleições”, mas fê-los antes (na descentralização e nos fundos europeus) porque “podem fazer-se a uma distância maior”. Além disso, lembra Rio, nas intervenções críticas que fez ao governo não houve ninguém dentro do partido que criticasse propriamente “o conteúdo” da mensagem de oposição. O que criticavam era o tom, a forma, o timing, a maior ou menor habilidade. “Se pensarem bem”, disse Rio aos conselheiros tentando que pusessem a mão na consciência, “aquilo de que gostam menos não é tanto do conteúdo, o que criticam mais é a forma”. Mas também isso vai mudar: vem aí um Rio mais agressivo. “Vos garanto que a forma é a cada momento adequada às circunstâncias”. E agora é o tempo da agressividade, porque, antes, o “país” (ao contrário do “partido”) não quereria ver um líder da oposição a criticar o governo por tudo e por nada, quando o que o governo lhe vendia era um mar de rosas.

Rio insiste que é uma estratégia errada, “a uma distância grande das eleições”, o partido estar “permanentemente no bota-a-baixo e num tom comicieiro permanente”, já que, além de não ser o seu “estilo”, as “pessoas lá fora não gostam disso”. O que não significa que não vá subir o tom e carregar nas tintas nos próximos meses, na reta final: “Coisa diferente é estarmos já mais próximos de eleições em que aí é natural que cresça um pouco mais a emotividade“. E puxou dos galões da experiência política: “Já cá ando há muitos anos. Já fiz muito disto. Não sei se vou ter sucesso, mas sei o que faço. Sei o que estou a fazer.” Aqui houve aplausos apoteóticos e gritos de apoio: “PSD! PSD! PSD!”.

O presidente do PSD criticou depois aqueles que o acusam de ter um objetivo oculto de ser vice-primeiro-ministro só porque apoia alguma medida do governo que considera correta (“isso é destrutivo, isso é mau”). E disse ainda que também saberia ser eleitoralista, também saberia jogar o jogo da trica política, mas não o quer fazer: “Quando faço qualquer coisa é porque acredito mesmo. Não é por falta de jeito para isto. Eu sei como é que se faz à la carte, sei como é que se diz o que as pessoas querem ouvir, mas não é o meu estilo. Eu não estou aqui para dizer aquilo que as pessoas querem ouvir”. Se assim fosse, atira, “mandava fazer sondagens das bem feitas. E perguntava: ‘O que é que eles querem que eu diga?’ E eu repetia. Mas isso não é forma de fazer política”.

“Temos de chegar ao poder. É muito importante”

Apesar de garantir que não é o seu estilo dizer às pessoas aquilo que elas querem ouvir, naquele último discurso de vitória aos conselheiros Rui Rio escolheu as palavras para lhes dizer precisamente o que queriam ouvir: “Temos de chegar ao poder e isto é muito, muito importante”. Nesta fase, voltou ao discurso já conhecido do velho presidente do PSD. O líder da oposição quer “chegar ao poder em condições de valer a pena chegar ao poder”, rejeitando que o PSD chegue “ao poder a prometer o que não pode prometer ou a ter um comportamento que, não prometendo nada, cria a ilusão de que vai fazer diferente sem fazer diferente, que é o que está a acontecer a este Governo”.

E veio então a primeira referência ao primeiro-ministro, que é, de resto, um dos pilares dos argumentos dos críticos (que notam que, nas intervenções de Rio, mesmo que haja ataques ao governo não há nunca ataques diretos a António Cosa). Desta vez veio com o nome próprio: “António Costa também é habilidoso na forma de explicar as coisas” e, com essa manha política, “pode sempre dizer: ‘eu não disse’, mas comporta-se de forma tal que as pessoas pensam que ele disse”.

Rui Rio quer chegar ao poder com o mínimo de “amarras” possíveis, para ter mais liberdade na governação, fazendo uso de mais uma metáfora: “Namora mal, prometeu tudo à noiva e depois casou com a noiva, não deu nada, o casamento falhou. Aqui é a mesma coisa. Durante todo este período temos de nos dar a conhecer pela forma como somos para quando lá chegarmos, estarem à espera e saberem o que vamos fazer.” O presidente do PSD admitiu que nunca chegará ao poder como Marcelo Rebelo de Sousa, que conseguiu fazê-lo “totalmente sem amarras”, mas “esse é um caso absolutamente único.”

“Há males que vêm por bem”

Entre aplausos, Rio lembrou ainda que “há dois anos era difícil prever que o PS estivesse já tão em baixo como verdadeiramente está”, mas hoje “todos nós acreditamos que o PS pode perder as eleições” — mensagem que repetiria depois na curta declaração que fez aos jornalistas quando saiu da sala do hotel, já vitorioso. O ponto é: metade do caminho já foi percorrido, com o PS a colocar-se em condições de perder, agora falta a outra metade. “Compete ao PSD ser capaz de as ganhar”. Mas para isso, adverte, tem de acabar a guerrilha interna. “Não vamos ser hipócritas, não vale a pena ser hipócritas. Um ponto fundamental para a mensagem passar é não haver dentro do próprio partido, de forma permanente, os boicotes que têm havido”.

Rio espera que o Conselho Nacional seja um ponto de viragem nesse sentido. Espera que, “como diz o povo, há males que vêm por bem. Um Conselho Nacional que à partida era mau, porque há turbulência, pode ser um mal que vem por bem”. Para isso basta que os sociais-democratas sejam “capazes amanhã de começar uma nova etapa”. Rio não quer “unanimismo, mas que haja unidade”. E voltou a atirar farpas indiretamente a Montenegro, voltando ao velho Rio de 2018: “Eu aceito todas as divergências, que sejam sinceras e genuínas, não posso aceitar as que são taticamente fabricadas para parecer que se diverge”.

Rio quer “lealdade”. Mais do que “fidelidade”, disse, numa alusão à intervenção de Miguel Albuquerque, que destacou que “a fidelidade é uma coisa mais canina”. E aí concordaria com o que viria a dizer depois Luís Montenegro, no discurso do virar de página: que a batalha desta semana se transforme numa arma para ganhar a derradeira guerra. “Que possamos ganhar as eleições, não só as Europeias, mas também as legislativas”.