Dúvidas legais sobre a exigência de devolução dos apoios concedidos no passado aos produtores de energia eólica e o regresso a mecanismos com tarifas fixas para pagar a energia produzida de fontes renováveis, foram explicações que marcaram a audição do secretário de Estado da Energia no Parlamento. João Galamba foi ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas, sendo que uma das “rendas” que tem estado sob escrutínio dos deputados são os sobrecustos (preços acima de mercado) pagos aos produtores renováveis e que carregam os preços da eletricidade em centenas de milhões de euros anuais — 1.2 mil milhões de euros nos preços de 2018. E foi confrontado com algumas mexidas na política da pasta da energia com a sua chegada ao cargo em outubro do ano passado e com a passagem do setor para o Ministério do Ambiente e Transição Energética.

Para João Galamba não houve uma clara violação do direito com a acumulação de tarifas garantidas (feed-in) e os apoios públicos concedidos aos produtores eólicos. Confrontado com a decisão do seu antecessor de impor um corte de 140 milhões de euros às receitas do operador do serviço universal de eletricidade — a EDP — com impacto positivo nos preços da eletricidade de 2017, o secretário de Estado não atacou a legalidade da medida introduzida por Jorge Seguro Sanches. A portaria foi publicada em 2016 antes dos serviços terem apurado qual o valor em concreto da duplo financiamento atribuído a cada um  destes produtores. A situação causou um défice no sistema elétrico que pode ter de ser compensado novamente pelos consumidores de eletricidade e o atual secretário de Estado reconhece que houve dificuldades em operacionalizar a medida.

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O responsável pela pasta da energia afirmou ter dúvidas sobre o momento a partir do qual se pode considerar que existiu um duplo apoio aos produtores eólicos que são compensados pelas tarifas da eletricidade. Para esclarecer essas dúvidas, o secretário de Estado aguarda o relatório final da Inspeção-Geral de Finanças sobre o tema, explicou em resposta ao deputado do PSD, Duarte Marques. A versão preliminar do documento divulgada pelo Observador apontava para um valor de 300 milhões de euros. O relatório final, bem como a dúvida jurídica, serão remetidos ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Só depois desse parecer, é que haverá uma decisão política sobre a operacionalização da medida decidida por Jorge Seguro Sanches. E a dúvida de João Galamba sobre o tempo em que a acumulação de apoios pode ser considerada contrária ao quadro legal, sinaliza já que o valor a exigir aos produtores renováveis deverá ser bastante inferior. Os 300 milhões de euros apontados pela IGF resultavam do cálculo de todos os apoios públicos, incluindo fundos comunitários — que aliás constituem a maior fatia — concedidos desde a década de 1980 aos produtores de eólicas. Só em 2017, numa norma do Orçamento do Estado ficou explicitado que a acumulação dos apoios públicos com as tarifas subsidiadas (feed-in) contrariavam o quadro legal.

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Mas não obstante ter evitado criticar medidas do seu antecessor, João Galamba recorre agora a uma via seguida por Jorge Seguro Sanches para fundamentar dúvidas legais ou jurídicas sobre medidas herdadas do passado, nomeadamente do antecessor. Só que Artur Trindade era secretário de Estado de um outro Governo, formado pelo PSD/CDS e João Galamba dá a cara pelo mesmo Executivo e pela continuidade de políticas na área da energia. No entanto, a audição do atual secretário de Estado esta quarta-feira foi marcada por temas onde são sinalizadas mudanças ou opções diferentes face ao que estava a ser desenvolvido na área da energia, nomeadamente no que diz respeito às renováveis.

E outros temas onde foram assinaladas mudanças são o sobreequipamento, um mecanismo que permite aos produtores renováveis com contratos de preços fixos reforçarem a sua capacidade de produção (com equipamentos mais eficientes), continuando a beneficiar de um preço protegido, e o leilão para a atribuir potência solar, também com um preço fixo. João Galamba recusou a tese de que estas medidas representam um regresso a uma política de rendas aos produtores de energia elétrica, fazendo o esclarecimento em resposta a Bruno Dias do PCP: “É um erro achar que uma tarifa fixa é um subsídio”. Essa avaliação dependerá da diferença em relação ao preço do mercado e o mecanismo até pode ser favorável ao sistema elétrico aos consumidores, defendeu.

O secretário de Estado de Energia reconheceu ainda que o processo de atribuição de licenças a centrais solares — decididas no tempo do seu antecessor — , que depois não são desenvolvidas, não era o mais adequado. E o que correu mal? O procedimento administrativo é complexo, moroso e exige elevados custos aos produtores e muito recursos à Direção-Geral da Energia e Geologia. Uma das razões apontadas é a circunstância de se atribuir a licença para produzir antes de estar assegurado o ponto de ligação à rede. João Galamba considerou ainda que não ter uma tarifa fixa, ou seja, ficar exposto ao risco de mercado como defendeu o antecessor, representa um “entrave ao financiamento” do investimento na central. Daí a decisão agora de avançar com o lançamento de leilões para nova potência eólica com tarifas fixas e assegurando previamente a ligação à rede elétrica que pode até vir a ser financiada pelos próprios concorrentes.

Para esta mudança de regime de atribuição, contribuiu também, segundo Galamba, o facto de existir agora um plano nacional de energia e clima com metas mais apertas e ambiciosas — em termos de descarbonização — representou uma mudança de contexto que levou também a decidir mexer no licenciamento do solar, sublinhou.

O secretário de Estado da Energia anunciou ainda a intenção de eliminar o monopólio da EDP na compra da produção em regime especial, onde estão os produtores renováveis, criando a figura dos agregadores, o que permitirá criar concorrência na oferta de serviços de sistema atualmente dominada pela elétrica.