Ostras Portuguesas

Crassotrea angulata. A chamada ostra portuguesa tem direito a nome científico próprio e, ao contrário do que reza a lenda, não terá vindo parar aos estuários do Sado e do Tejo agarrada ao fundo das caravelas que atravessavam o mundo nos séculos XV e XVI. Célia Rodrigues, da Neptun Pearl, que tem dedicado os últimos anos à recuperação da espécie, garante que há fósseis que vêm da Era Jurássica, uns milhões de anos antes dessa época, portanto. A sua quase extinção deveu-se à poluição que começou a surgir em meados da década de 60 do século passado em ambos os estuários, devido à instalação de diversas indústrias pesadas naquelas zonas. As ostras adoecerem, quase desapareceram e foi preciso um trabalho árduo para recuperar les portugaise, como eram conhecidas em França, para onde se exportava a quase totalidade da produção. Hoje em dia — também graças à melhoria da qualidade das águas — já começam a renascer os bancos naturais de ostras nacionais e é possível encontrá-las, cada vez com mais facilidade, em toda a sua glória, com o miolo branco e sabor a mar intactos.

© Gonçalo F. Santos

Bruxas

Reza a lenda que lhes chamam bruxas porque não devem grande coisa à beleza. Conceito esse que, diga-se, é muitíssimo discutível: quando estes pequenos crustáceos chegam à mesa já cozidos, prontos a comer, é impossível não lhes reconhecer algum encanto. Terão sido os pescadores da zona de Cascais — onde se apanhavam em abundância, sobretudo para os lados do Guincho — a batizá-los. A abundância era tal noutros tempos que havia restaurantes da região (como o clássico Mar do Inferno) onde eram oferecidos em travessas, juntamente com as navalheiras, outro produto local. Pese essa companhia, as semelhanças evidentes são com outra espécie, os cavacos. São, no entanto, bastante mais pequenos: nos Açores chamam-lhes, inclusive, cavacos-anões. Já noutras zonas do país são conhecidos como grilos, borboletas ou ferreirinhas. O sabor é, também ele, semelhante ao dos cavacos. Ou seja, próximo da lagosta, mas ligeiramente mais suave e doce. Nada como experimentar.

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© Gonçalo F. Santos

Camarões de Quarteira

Também há quem lhes chame gambas do Algarve. O tamanho, neste caso, interessa: a palavra gamba servia originalmente para designar um camarão de porte superior, como é o caso — sendo que o hábito de importar marisco do Índico acabou com essa lógica lexical. É de Quarteira, diz-se habitualmente, por habitar as águas em frente a esta cidade algarvia. Mas existe em toda a costa do Sotavento da região. Não se distingue das demais gambas ou camarões pela proveniência, antes pelo aspeto: são as listas ou manchas visíveis no corpo que tornam esta espécie única e lhe dão outras alcunhas conhecidas, como gamba-manchada ou listada. Há quem goste de comer este tipo de marisco cru, pese o sabor adocicado, mas a maioria dos seus adeptos não dispensa a cozedura — que se quer ligeira e, de preferência, a vapor. Em condições ideais, o camarão de Quarteira não deve ser consumido de junho a outubro, já que é a respetiva época de reprodução —  e é muito fácil de perceber quando estão carregados de ovas —, essencial para a renovação da espécie.

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Camarões de Espinho

Aconselha a sabedoria popular a que não se meçam os homens — nem as mulheres, já agora — aos palmos. Ora bem, acrescentemos os camarões à lista. A prova está numa das mais apetecíveis espécies nacionais, o camarão de Espinho: o seu tamanho diminuto, à volta dos seis centímetros de comprimento, não lhe retira sabor nem qualidade, muito pelo contrário. É uma variedade que deve o nome à zona da costa portuguesa onde era capturado com maior frequência, precisamente nas águas entre Espinho e o Porto. Hoje em dia, porém, quando chega às mesas e mercados, é possível que venha de outras paragens, bem mais a norte da Europa, como a Irlanda — para evitar comer camarão de Dublin, em vez de Espinho, procure sempre saber a origem do produto, dica válida para este e todos os tipos de marisco. Para honrar o respetivo sabor, a cozedura deve ser o mais leve possível, de modo a preservar a textura. Atenção: também há quem lhe chame apenas camarão da costa e não deve, jamais, ser confundido com outra espécie, o camarão-espinho, hifenizado, que é assim conhecido (no Brasil, sobretudo), pelo espinho que tem no corpo.

© Gonçalo F. Santos

Percebes

Não são uma espécie exclusiva da costa nacional. Aliás, é possível encontrá-los em boa parte da Costa Atlântica, da Bretanha ao Senegal. A verdade, porém, é que apenas em Portugal — e na Galiza, o que é quase um pleonasmo geográfico — se dá aos percebes o devido valor gastronómico. Existem de Norte a Sul do país, bem agarrados às rochas, em zonas de mar de picado: para ser apanhador de percebes o requisito essencial é uma dose generosa de coragem (leia-se loucura). Estes da fotografia vêm das Berlengas, onde chegam a atingir medidas impressionantes, quase a fazer lembrar patas de galinha. Mas atenção: o tamanho nem sempre é garantia de qualidade, já que podem vir cheios de água e com pouca carne. Para cozê-los, dizem as receitas clássicas que se deve fazê-lo na água do mar (ou água com sal), mas nas tascas e cafés de zonas férteis no bicho, como Vila do Bispo ou Peniche, há quem se limite a passá-los pelo vapor da máquina do café, antes de servi-los tépidos. E não é que resulta?

© Gonçalo F. Santos

Cavacos

Se esta espécie falasse, seria imediatamente reconhecida pelo sotaque: os cavacos existem sobretudo em águas açorianas e é de lá que chegam para a grande maioria das marisqueiras e cervejarias do país. São muito semelhantes à lagosta na textura e sabor do miolo, se bem que ligeiramente mais adocicados. Essa semelhança nota-se ainda na sua designação alternativa: lagosta da pedra. Tal como as lagostas, podem ser consumidos cozidos ou grelhados, ao  natural, com molho verde ou, até, em maionese. Os maiores exemplares podem chegar a atingir perto de meio metro de comprimento, mas é raríssimo encontrá-los desse tamanho. A sua captura é proibida no pico do verão, entre junho e agosto, pelo que nesta época costumam ser importados de outras paragens, como, por exemplo, o Senegal. Mas atenção: não há cavacos como os açorianos.

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Santolas

Os ingleses chamam-lhes spider crabs, designação compreensível: à primeira vista, assemelham-se, de facto, a enormes aranhas marítimas — espinhosas, aparentemente peludas devido à cobertura de algas, e com dez patas compridas que remetem para aracnídeos dignos de pesadelo ou filme de terror. Mas se o aspeto assusta, o sabor encanta: as santolas não passam, na verdade, de crustáceos deliciosos, sem a fama de lagostas ou sapateiras, mas com qualidades de sobra para vingarem em qualquer mesa. De preferência ao natural ou sem grandes invenções, já que o hábito de recheá-las como sapateiras abafa-lhes o sabor da carne. Se é verdade que não são um exclusivo nacional, as grandes marisqueiras só trabalham com as da nossa costa. “Vê-se logo a diferença: a nossa tem um casco mais rijo, vermelho escuro. A francesa não tem nada a ver, tem as pernas mais compridas mas não tem tanto miolo”, conta Maria de Lourdes Tirano, do Mar do Inferno. Devem consumir-se de inícios de abril a finais de dezembro. E porquê? Porque o período de interdição de captura de fêmeas vai de janeiro a março. E as fêmeas, de corpo arredondado, têm muito mais para oferecer que os machos, sobretudo quando estão ovadas.

© Gonçalo F. Santos

Lapas

Já foi bem mais difícil encontrá-las em Portugal Continental — não há muitos anos eram, por si só, razão suficiente para uma escapadinha gastronómica aos Açores ou à Madeira, onde são, desde tempos imemoriais, petisco tradicional e muito apreciado. Mas a sua fama galgou o oceano, e ainda bem. Até porque nem sequer é necessário importar a matéria prima das ilhas: também há lapas no Continente — referência ao território, não ao hipermercado — de Norte a Sul, com destaque para as da Costa Vicentina. Convém apenas ter algum cuidado com as frequentes interdições à sua apanha, devido a toxinas. A melhor forma de as consumir é, tal como se tornou hábito nas ilhas, grelhadas com molho de manteiga e alho, regadas a limão. O facto de, na mesma travessa, se encontrarem umas com o miolo claro e outras com o miolo escuro nada tem a ver com a sua qualidade nem confeção: são, na verdade, espécies diferentes capturadas e consumidas em conjunto, a lapa branca (patella aspera) e a lapa preta (patella candei).

© Gonçalo F. Santos

Agradecimentos: Louças Bordallo Pinheiro e restaurantes O Mariscador (Praça de Touros do Campo Pequeno, loja 606. 968 444 126). Mar do Inferno (Avenida Rei Humberto II de Itália, Cascais. 214 832 218) e Hífen (Avenida Dom Carlos I, 48, Cascais. 915 546 537).

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº 2 (novembro de 2018).