A maioria das instituições públicas está a censurar nomes, assinaturas e outros dados pessoais em contratos assinados com o Estado, dizem esta quinta-feira a TSF  e o Jornal de Negócios. A prática tem-se estendido a vários setores públicos, desde ministérios (como é o caso do da Justiça), câmaras municipais (como Lisboa ou Porto) e outras atarquias, empresas públicas (como as Infraestruturas de Portugal), direções-gerais ou mesmo tribunais. Esta situação não é comum, o que leva a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) a estranhar a situação. Em declarações à TSF, o organismo diz que esta prática “não faz sentido”.

Mas vamos por partes: em primeiro lugar, porque é que os dados têm de estar visíveis? A Comissão Nacional de Proteção de Dados diz que, “em nome da transparência”, os contratos têm de ser “obrigatoriamente publicados na internet”. Imaginemos que um político ou dirigente público queria adjudicar um contrato público ou prestar um serviço a alguém da sua família ou a um amigo. Com os dados divulgados publicamente, estas situações eram dificultadas, coisa que não tem acontecido desde meados de 2018.

Mas porque é que desde essa altura as entidades começaram a tapar os dados? A CNPD disse à TSF que, provavelmente, o motivo passa pelo novo Regulamento Geral de Proteção de Dados, regulamento esse que parece algo dúbio, que oferece várias interpretações, e que na verdade ainda está em fase de processo legislativo. A adaptação do regulamento está presente no portal Base, onde são publicados todos os contratos com cunho público. Basta uma pesquisa rápida pelo site como a que o Observador fez em cinco minutos, para verificar essa diferença de interpretações e constatar a omissão dos dados.

Contrato da Câmara Municipal de Sintra

No caso da imagem acima, por exemplo, a Câmara Municipal de Sintra, num contrato com a empresa A. M. Rato Varanda, Lda., tapa os nomes dos representantes dos dois outorgantes, mas deixa visíveis as assinaturas dos dois representantes. Pelo contrário, na imagem abaixo, a Infraestruturas de Portugal censura os dados e até as assinaturas de um contrato de uma empreitada na Linha do Norte com o valor de mais de 1 milhão de euros. 

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As Infraestruturas de Portugal, neste contrato, tapam não só os dados pessoais, mas também as assinaturas.

O Jornal de Negócios analisou igualmente a situação e foi mais longe: dos 100 maiores contratos públicos presentes no Portal Base, mais de um terço (37 contratos) têm os dados rasurados. Uma situação que desagrada à Comissão Nacional de Proteção de Dados, para quem nem mesmo a “desculpa” — termo usado pela CNPD — da mudança do Regulamento Geral de Proteção de Dados servirá como argumento: “A aplicação do regulamento não mudou em nada o regime de proteção de dados pessoais que tem vigorado nos últimos 20 anos”, acrescentando que “é óbvio que as partes dos contratos têm de estar identificadas no portal dos contratos públicos, caso contrário, pouca utilidade teria”, disse Clara Guerra, porta-voz do CNPD ao Negócios.

Só que a entidade responsável pelo tal portal BASE, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), diz que realmente as alterações no regulamento importam e que, na verdade, quem não censurar os dados dos contratos é que está a agir erradamente: “As entidades adjudicantes, antes de submeterem os contratos no Portal, devem expurgar todos os dados pessoais neles constantes”, disse o instituto ao Negócios.

Uma questão de interpretação, mas que está a ser cada vez mais utilizada pelas empresas e pelo Estado desde maio de 2018, altura em que o novo Regulamento Geral de Proteção de Dados entrou em vigor. Contudo, a proposta de lei do Governo que transpõe a diretiva comunitária ainda está em fase de processo legislativo.