O cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, deu esta segunda-feira início à primeira reunião plenária dos bispos portugueses após a cimeira do Vaticano sobre os abusos sexuais sem falar sobre os planos da Igreja portuguesa para tratar o tema.

Perante quatro dezenas de bispos e mais de uma dezena de jornalistas, o patriarca de Lisboa dedicou apenas um parágrafo ao tema, logo no início do discurso (integralmente lido), na parte em que lembrou os acontecimentos da “vida da Igreja universal” que decorreram nos últimos tempos, referindo-se ao assunto nos seguintes termos:

“Em fevereiro, o encontro em Roma sobre ‘A proteção dos menores na Igreja’, em que participei como Presidente da CEP. Acolhemos inteiramente tudo quanto o Santo Padre decidiu e decida neste campo. Como aliás o vimos fazendo, também no seguimento do que estabelecemos em 2012.”

Depois, D. Manuel Clemente falou longamente sobre os outros assuntos que estarão em cima da mesa — nomeadamente sobre os trabalhos das várias comissões da conferência episcopal, as Jornadas Mundiais da Juventude que decorrem em Lisboa em 2022 ou a nova exortação apostólica do Papa Francisco sobre os jovens, Christus Vivit. Sobre os abusos sexuais, nem mais uma linha.

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O cardeal patriarca foi o primeiro a colocar em prática as indicações que saíram da cimeira que decorreu no Vaticano em fevereiro — que reuniu 190 líderes católicos de todo o mundo para discutir a resposta da Igreja Católica ao problema dos abusos sexuais. D. Manuel Clemente anunciou no início do mês a criação de uma comissão especializada no tema, com antigos polícias, magistrados, psiquiatras e juristas, para aconselhar o cardeal nos casos de abuso sexual.

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Mas os bispos portugueses parecem não estar de acordo sobre qual a melhor forma de lidar com o problema. O bispo do Porto, por exemplo, poucos dias depois do anúncio oficial de Lisboa, deu uma entrevista à TSF na qual foi questionado sobre se iria criar uma comissão semelhante na sua diocese. Em resposta, D. Manuel Linda disse que não e justificou: “Ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”.

Mais recentemente, outros bispos já vieram dar a sua opinião sobre o assunto. Em resposta ao Público, o bispo de Lamego, D. António Couto, também rejeitou criar uma comissão como a que foi criada em Lisboa. “Não sou daqueles que criam comissões que depois não terão nada para fazer”, disse o bispo.

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A diocese de Santarém também não está inclinada para uma opinião semelhante. Ao mesmo jornal, o vigário geral da diocese liderada por D. José Traquina afirmou que “o bispo considera que não é pertinente, tendo em conta as características e a história da diocese, nomear uma comissão de proteção de menores”, lembrando que já existem “há anos” na diocese “dois padres (um deles formado em direito canónico) nomeados pelo bispo e que contam com o apoio de um médico psiquiatra para acompanhamento dos padres, atendimento de denúncias e reclamações”.

Esta segunda-feira, à chegada à assembleia plenária, o bispo do Funchal, D. Nuno Brás, disse aos jornalistas que também não iria criar uma comissão porque “não existem casos que justifiquem” tal decisão na diocese. Apesar de se encontrar, neste momento, a braços com uma investigação ao padre Anastácio Alves, afastado de funções no verão passado após uma denúncia a um alegado caso de abuso sexual.

Apenas a diocese de Setúbal — que tem neste momento um caso de alegados abusos numa creche paroquial sob investigação, como noticiou o Observador no início do mês — confirmou que já avançou para a criação de uma comissão semelhante.

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Num contexto em que ainda é incerto o que os bispos portugueses vão decidir sobre o tema que mais tem preocupado os fiéis católicos — e em que mesmo entre os bispos não há consenso sobre o caminho a seguir —, D. Manuel Clemente preferiu dedicar o único momento da assembleia plenária que é aberto aos jornalistas às Jornadas Mundiais da Juventude e aos jovens na Igreja, mas também aos modelos de preparação dos jovens para o matrimónio e ainda ao “olhar sobre Portugal e a Europa à luz da Doutrina Social da Igreja”.

Ainda assim, tudo indica que a resposta institucional à crise dos abusos sexuais será o tema dominante na reunião dos bispos portugueses — uma vez que desde a cimeira de fevereiro que todos os bispos, quando questionados sobre o que pretendem fazer, têm remetido qualquer decisão para o final desta assembleia plenária. É nesta reunião que D. Manuel Clemente (que foi o representante português na cimeira) deverá apresentar aos restantes bispos portugueses o que foi discutido naquela semana e quais são as indicações a seguir em Portugal.