O resultado das eleições europeias poderá forçar a Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker a permanecer em funções além da data de final do seu mandato, 31 de outubro, face às previsíveis dificuldades na formação do novo executivo comunitário.
A mais que provável reconfiguração da assembleia europeia, que deverá passar a conhecer um novo equilíbrio de forças em função dos resultados dos sufrágios que se realizarão nos 28 Estados-membros entre 23 e 26 de maio, poderá dificultar a indispensável aprovação, pelo Parlamento Europeu, do sucessor de Juncker e restante equipa, mas outros fatores alimentam um cenário que é encarado por muitos como provável, o de a atual Comissão não cessar funções no final de outubro.
Também as dúvidas em torno da real aplicação do modelo “Spitzenkandidaten”, o processo de designação do futuro presidente da Comissão entre os candidatos principais apresentados pelas famílias políticas europeias, que o Conselho Europeu (Estados-membros) parece estar tentado a deixar “cair”, e a nova data indicativa para o ‘Brexit’, precisamente 31 de outubro — que poderá sempre vir a conhecer terceira extensão — contribuem para a forte possibilidade de a futura Comissão não estar pronta a assumir funções em 01 de novembro de 2019.
Os Tratados que estipulam o funcionamento da UE determinam que o colégio da Comissão deve permanecer em funções e continuar a gerir os assuntos correntes até à sua substituição, e foi isso que aconteceu, por exemplo, em 2004, por ocasião do primeiro mandato de José Manuel Durão Barroso.
Face à ameaça de um iminente e inédito chumbo do Parlamento Europeu à sua equipa de comissários — na sequência de polémicas declarações do comissário indigitado italiano Rocco Buttiglione -, Durão Barroso, no próprio dia da votação na assembleia, em Estrasburgo, em 27 de outubro, decidiu “recuar” e proceder a uma pequena remodelação da sua equipa, o que levou a que o seu primeiro mandato começasse com três semanas de atraso, a 22 de novembro e não 01 de novembro, tendo o anterior executivo ficado em gestão nesse período.
Desta feita, as probabilidades de o nome do futuro presidente da Comissão e de os comissários designados pelo próprio (com base em recomendações dos governos nacionais) conhecer dificuldades para alcançar a maioria no futuro Parlamento Europeu parecem ainda maiores, já que as sondagens apontam para a hipótese de as duas maiores famílias políticas, os conservadores do Partido Popular Europeu (PPE) e os Socialistas Europeus, deixarem de ter a maioria na assembleia, face à ascensão de outras forças políticas.
Preponderante na assembleia europeia desde 1999, o PPE ocupou, nesta legislatura, a maior bancada do hemiciclo, com os seus 217 eurodeputados a representarem 28,9% do Parlamento Europeu e a serem diretamente ‘responsáveis’ pela escolha do presidente da instituição, o italiano Antonio Tajani, mas também pelo da Comissão Europeia, o conservador luxemburguês Juncker.
Na correlação de forças no hemiciclo há muito que a bancada socialista é a ‘parceira’ habitual do PPE, com as decisões maioritárias, designadamente sobre os lugares de topo na arquitetura da UE, a serem tomadas pelas duas grandes famílias políticas europeias, sem necessidade de recorrer a terceiros — atualmente o Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) tem 186 eurodeputados e os dois atingem uma maioria de 403 em 751.
O nome do presidente da Comissão — proposto pelo Conselho tendo em conta os resultados das eleições europeias, mas, segundo os Tratados, não forçosamente entre os “Spitzenkandidaten” — tem de ser aprovado por uma maioria absoluta do Parlamento Europeu (metade dos eurodeputados mais um), e, após designados os comissários (e respetivas audições perante as comissões parlamentares competentes), a Comissão como um todo também tem de merecer o aval da assembleia.
Também o adiamento do ‘Brexit’, que se deveria ter concretizado em 29 de março passado, vai certamente “baralhar” as contas do futuro Parlamento Europeu, até porque, se se confirmar a consumação da saída do Reino Unido do bloco europeu em 31 de outubro, tal significará uma mudança no equilíbrio de forças na assembleia três meses após o início da legislatura, já que os 73 eurodeputados britânicos eleitos abandonariam o Parlamento.
Com todos estes cenários hipotéticos em cima da mesa, a Comissão Europeia rejeita para já pronunciar-se sobre a possibilidade de ter de ficar em funções além de 31 de outubro, tendo o principal porta-voz do executivo, Margaritis Schinas, afirmado à Lusa que essa é a data legal do final do mandato da “Comissão Juncker”, pelo que não comenta “especulações ou outras hipóteses e cenários alternativos”.
No entanto, várias fontes europeias contactadas pela Lusa dão como bastante provável o “cenário alternativo” de a Comissão Juncker não concluir o seu mandato em 31 de outubro próximo.