Um piloto alegadamente português terá sido capturado e detido pelo autodenominado Exército Nacional da Líbia — que apoia o general Khalifa Haftar, antigo aliado de Kadhafi, na ofensiva que lançou este ano para tentar tomar o controlo do país.

Neste momento, circulam duas versões sobre o que estaria o piloto a fazer na Líbia. Inicialmente, foi avançado que estaria a combater na Líbia como mercenário ao serviço das forças que apoiam o governo. O próprio, num vídeo registado por elementos do autodenominado Exército Nacional da Líbia, afirmou estar no país para “destruir estradas e pontes”, ser português, chamar-se “Jimmy Reis” e ter 29 anos.  Um porta-voz do grupo rebelde, Khaled al-Mahjoub, corroborou a versão dizendo que “o piloto português será bem tratado de acordo com a ética militar de tratamento de prisioneiros e de acordo com a Lei Humana Internacional” e que “foi recrutado pelo governo Sarraj como mercenário para bombardear a Líbia em troca de dinheiro”. A queda do piloto ter-lhe-á provocado “ferimentos ligeiros”, adiantou al-Mahjoub.

Uma outra versão chegou a apontar para que o piloto estivesse na Líbia ao serviço de uma operação militar da União Europeia (operação Sophia) para ajudar a combater o tráfico de migrantes no Mediterrâneo. Numa declaração de Ahmed Al-Mismari citada pela estação saudita Al Arabiya, este porta-voz do autodenominado Exército Nacional da Líbia (LNA) dizia que o piloto seria enviado “imediatamente para o seu país”, depois do “tratamento das suas feridas”. Al-Mismari dizia ainda: “Importamo-nos com a segurança do piloto português e estamos a tratá-lo como um convidado e não como um prisioneiro. O que aconteceu foi um erro que decorreu do estado de guerra em que estamos. Vamos entregá-lo”.

Nos últimos minutos, porém, o próprio porta-voz do Exército Nacional da Líbia terá desmentido essa informação, dizendo que não prestou quaisquer declarações. Nenhuma das versões foi confirmada por fontes independentes, tendo sido veiculadas apenas pelo grupo militar rebelde que se opõe ao atual governo líbio.

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Governo português (“ainda”) não confirma nacionalidade do piloto

Contactada pelo Observador, a Força Aérea Portuguesa garantiu que Portugal não tem aviões de combate naquela zona, afastando, assim, a possibilidade de se tratar de um piloto português ao serviço da União Europeia. Fonte da FAP explicou que, na Operação Sophia, as forças portuguesas estão representadas apenas com aeronaves e tripulações de busca e vigilância — como um avião P3 ou um C295 — e não um caça F1 Mirage como o que terá sido abatido.

https://twitter.com/LNASpox/status/1125755542587179009

O capitão Antonello de Renzis Sonnino, porta-voz da Operação Sophia — que tem sede em Itália — também desmentiu ao Observador que tenha sido abatido um dos seus aparelhos em território líbio. Disse, aliás, que a Operação Sophia não tem aviões do género (caças Mirage F-1) a operar naquela zona: “Não é um dos nossos aviões”.

Também o Ministério da Defesa português confirmou ao Observador que não tem registo de qualquer piloto português pertencente à Força Aérea com o nome que foi identificado pelos rebeldes e pelo próprio homem capturado, repetindo a informação da FAP: Portugal não tem aeronaves F1 Mirage. Já ao final da noite, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, respondeu à agência Lusa sobre a alegada nacionalidade portuguesa do piloto, dizendo que “esse facto ainda não está confirmado”.

Ao jornal britânico The Independent, um porta-voz não identificado do exército de oposição ao governo líbio afirmou apenas: “Neutralizámos um caça Mirage F1 e o piloto vinha de Portugal. Ele está seguro [e a ser] tratado devido a feridas causadas pela colisão”. O Governo de Acordo Nacional (GNA) da Líbia recusou comentar para já as notícias do alegado abate e captura do presumível piloto português, avança a Agenzia Nova.

[Imagens do piloto português capturado na Líbia:]

Inicialmente, um comunicado das forças leais a Khalifa Haftar citado pela agência de notícias estatal turca Anadolu detalhava apenas que “o piloto do avião, de origem portuguesa”, tinha sido “detido”.

As selfies, os vídeos e o caso de um português na Líbia em 2016

Foi através do Twitter que foram divulgadas fotografias e vídeo do alegado piloto capturado. Nos vídeos, era possível ver o prisioneiro com a cara ensanguentada enquanto os militares gritam com ele. Foram também divulgadas selfies tiradas por militares sorridentes com o homem no meio. Outras fotos divulgadas estão cortadas para não se ver o rosto do piloto, como fez correspondente do The Independent para o Médio Oriente, que publicou fotos enviadas pelas forças de Haftar.

Segundo relatos locais, o piloto terá partido esta manhã de avião da cidade de Misrata, que tem servido de base às forças que apoiam o primeiro-ministro Fayez al Serraj, reconhecido internacionalmente como líder do governo do país. O avião terá sido abatido pelos apoiantes de Haftar na região de al-Hira, perto da cidade de Gharian. Tratava-se alegadamente de um caça Mirage F1, propriedade do governo de Al Sarraj.

[Neste vídeo pode ver os destroços do avião] 

https://twitter.com/LibyanAddressJo/status/1125755747403431936

Líbia. O que se passa no país onde se diz que foi capturado um “mercenário português”?

Quando foi transferido para o quartel das forças para receber tratamento médico, o homem terá afirmado ser um cidadão português. Se for confirmada a nacionalidade, este não será o primeiro português na milícia líbia que apoia o governo de Tripoli, de acordo com a versão do autodenominado Exército Nacional da Líbia. Em 3 de junho de 2016, um português que pilotava um outro caça Mirage terá tido um problema técnico com o avião. Ainda se se terá ejetado, mas acabou por morrer por causa dos ferimentos. Esta foi, pelo menos, a versão das forças rebeldes locais, parcialmente confirmada mais tarde num relatório da ONU, que identificava a identidade do piloto que morreu por essa altura: era “de Portugal” e tinha “residência permanente na Alemanha”. As Nações Unidas só não conseguiram identificar, à data, quem tinha “requisitado os seus serviços” para pilotar este avião de combate no país.

Um país por democratizar

Oito anos depois da guerra civil líbia e da morte de Muammar Kadhafi, a Líbia tem visto falhar as tentativas de democratização do país coordenadas pelas Nações Unidas.

No início deste ano, Haftar, ex-aliado de Kadhafi, lançou uma ofensiva para tomar o controlo da capital, Tripoli, a partir do leste, onde tem as suas forças leais — o autodenominado Exército Nacional da Líbia.

As forças leais a Haftar têm encontrado resistência de alguns grupos que permanecem leais ao governo apoiado pelas Nações Unidas e reconhecido internacionalmente, como este baseado na cidade de Misrata.

No final do mês de abril, o autodenominado Exército Nacional da Líbia garantiu ter capturado um piloto mercenário equatoriano que alegadamente trabalharia para o governo líbio, noticiou à data o jornal de Abu Dhabi The National. Este piloto chamar-se-ia Borys Reyes.