Uma especialista internacional em direito das migrações defendeu este domingo que os vistos humanitários podem garantir um acesso seguro às fronteiras europeias e proteger os refugiados, que são atualmente tratados como imigrantes ilegais.
“[A Europa] está a construir um sistema para refugiados, mas sem refugiados”, criticou Violeta Moreno-Lax, uma das responsáveis pelo trabalho que esteve na base de uma iniciativa do Parlamento Europeu sobre a criação dos vistos humanitários.
A investigadora e professora da Queen Mary University of London sublinhou que um dos problemas das migrações para a Europa é precisamente a impossibilidade de aceder ao território europeu de forma segura e legal.
“Não existe um mecanismo para que as pessoas que fogem do Iraque, Afeganistão ou Síria venham legalmente para a Europa e submetam um pedido de asilo. Por isso, embora reconheçamos o direito de asilo e estejamos a construir um sistema de asilo comum, esse sistema não é acessível a quem dele supostamente deve beneficiar”, destacou, salientando que “a falta deste mecanismo converte os refugiados em imigrantes ilegais”, sujeitando-os a processos de dissuasão e violência.
“O acesso à proteção a que teriam legalmente direito está a ser bloqueado e os refugiados estão a ser criminalizados, pois devido à falta de acesso são automaticamente considerados imigrantes ilegais e tratados como tal”, denunciou a também assessora jurídica da GLAN, uma rede de apoio legal de defesa dos direitos humanos.
Violeta Moreno-Lax, que trabalhou como consultora do Parlamento Europeu na proposta de criação de vistos humanitários, garantiu que este mecanismo poderia ser “adotado já amanhã”, caso as instituições europeias dessem o seu acordo.
A proposta da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (LIBE) do Parlamento Europeu foi submetida e aprovada no plenário e deu origem, em dezembro de 2019, a uma resolução “convidando a Comissão Europeia [CE] a agir e apresentar uma proposta legislativa”.
Mas a resposta da Comissão que só chegou em março deste ano, no limite do prazo para este tipo de solicitações, desapontou: “Foi uma resposta insatisfatória. A CE optou por apoiar a recolocação e reinstalação”, lamentou a académica.
Para Violeta Moreno-Lax, a reinstalação não resolve o problema pois não cria um mecanismo de acesso direto que permita deixar de considerar os refugiados como imigrantes ilegais e funciona numa base voluntária, pelo que espera que quando a nova Comissão tomar posse — a 01 de novembro de 2019 — o Parlamento Europeu volte a pegar no dossiê.
Segundo explicou, para aceder a um visto humanitário bastaria que a pessoa (por exemplo, um sírio fugindo da violência) abordasse uma embaixada europeia e cumprisse um conjunto de critérios que seriam comuns aos Estados-membros e acordados a nível europeu.
“Isto não significa automaticamente a concessão de asilo, significa apenas que as pessoas poderiam alcançar a fronteira do país emissor do visto, através de meios legais, sem que tivessem de arriscar as suas vidas”, explicou.
À chegada, o visto permitiria apresentar então um pedido de asilo que seguiria “os procedimentos normais, como se a pessoa tivesse chegado ao país de qualquer outra forma, geralmente de forma irregular”.
A consultora lamentou o que considerou a atitude “passiva” da CE desde o início da crise dos refugiados, em 2015, considerando que as propostas apresentadas como os ‘hotspots’ (conhecidos como centros operacionais) e a reinstalação foram “um fracasso” e lembrando que está ainda em curso a reforma do sistema europeu comum de asilo.
“Para evitar o mesmo fracasso e evitar a fricção, [a Comissão] começou uma discussão política que não leva a lado nenhum”, criticou, sugerindo que o Parlamento Europeu volte a suscitar o assunto e pressione a Comissão para adotar soluções.