Swissleaks, Panamá Papers, Malta Files. São nomes de dossiês de investigação jornalística que resultaram na divulgação de milhares ou até milhões de dados protegidos por sigilo fiscal ou bancário sobre as operações “secretas” feitas por contribuintes com muitos recursos financeiros, normalmente com passagem por paraísos fiscais.
No entanto, e apesar de cerca de três centenas de investigações ou análises desencadeadas pela Autoridade Tributária portuguesa, os resultados não foram expressivos, conforme reconhece a AT no relatório de combate à fraude e evasão fiscal de 2018. Entre os culpados por esta situação estão os perdões fiscais, os ditos “regimes de regularização extraordinária” promovidos por vários governos para atrair capital tributável que estava guardado no estrangeiro, em troca de taxas de imposto favoráveis. O montante mais significativo de imposto adicional cobrado, mais de oito milhões de euros, veio de Malta.
Na sequência das investigações internacionais a operações em offshores, as autoridades tributárias portuguesas deram início a “ações especiais” para apurar situações de incumprimento de obrigações fiscais. O relatório do combate à fraude e evasão fiscal de 2018, divulgado esta semana, indica que estas ações resultaram em “regularizações voluntárias e na elaboração de proposta de inspeção” remetidas para as direções de finanças.
No entanto, os resultados até agora obtidos no que diz respeito à cobrança de impostos parecem ter desapontado a hierarquia fiscal portuguesa. A Autoridade Tributária fala mesmo em “resultados insignificantes” face aos meios mobilizados, em particular na investigação ao caso Suissleaks, que resultou da revelação de dados sobre clientes do Banco HSBC na Suíça em 2015.
A investigação ao Swissleaks até à data abrangeu 99 sujeitos passivos, houve notícias de que um dos clientes portugueses visados seria um quadro da Inspeção-Geral de Finanças, tendo ficado concluída em 93 casos. Mas “com este número de processos concluídos já é possível constatar que os resultados das ações efetuadas foram insignificantes face ao dispêndio de recursos necessários, tendo resultado apenas em propostas de correção ao rendimento em sede de IRS, no montante de 680,7 mil euros e regularizações voluntárias, também em sede de acréscimo ao rendimento de IRS, no montante de 271, 7 mil euros”.
Uma das razões para os resultados tão fracos foi a promoção de regimes de perdão fiscal, ou de regularização extraordinária de impostos, designação preferida pelas autoridades, nomeadamente o RERT que permitiu a legalização, do ponto de vista fiscal, de muitos milhões de euros que estavam parqueados fora de Portugal. Isso mesmo reconhece a Autoridade Tributária:
“As ações efetuadas permitem constatar que a maior parte dos indivíduos identificados já tinha encerrado as contas, tendo aderido aos sucessivos regimes excecionais de regularização tributária, repatriando os montantes para Portugal. Foram ainda detetadas situações designadas como falsos residentes, ou seja, situações em que embora constem no cadastro da AT, como residentes, não são na realidade, residentes em território nacional”.
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Foi através do Regime Especial de Regularização Tributária (RERT) aplicado pelos governos de Sócrates, e também de Passos Coelho, que algumas personalidades do mundo financeiro português — Ricardo Salgado, Zeinal Bava — trouxeram dinheiro que estava fora de Portugal e cuja origem foi investigada em processos criminais.
O documento acrescenta que estão em investigação seis contribuintes, mas estes processos aguardam informações ou do banco suíço em causa ou de outras entidades, admitindo grande dificuldade na obtenção dessa informação devido ao tempo que passou.
Panama Papers. 111 sujeitos analisados e mais 4,6 milhões de rendimento tributável no IRS
O caso Panama Papers, revelado em 2016 por um consórcio internacional de jornalistas, trouxe à luz do dia milhares de operações e transferências tratadas por um dos principais escritórios de advogados do Panamá, país cujo regime fiscal é considerado por muitos como uma offshore. Nesta lista, havia vários clientes portugueses ou com ligações a Portugal, revelaram o Expresso e a TVI. Alguns dos casos que vieram a público terão tido repercussões em investigações criminais como aconteceu com pagamentos feitos através da ES Enterprise, sociedade chamada de “saco azul” do Grupo Espírito Santo.
Até ao final do ano passado, o fisco analisou 111 sujeitos passivos e abriu 23 investigações administrativas. Os processos que foram investigados pela Inspeção Tributária e Aduaneira deram origem “somente”,— esta é expressão usada no relatório — a acréscimos ao rendimento coletável em sede de IRS de 4,6 milhões de euros. Em relação aos outros, o fisco está também à espera de respostas a pedidos de informação remetidos a jurisdições estrangeiras.
Estes dados contrastam com a dimensão do valor de capital ou impostos recuperados por outros países graças à informação divulgada pelos Panama Papers.
Papéis do Panamá: recuperados 1,7 mil milhões de euros em três anos
O fisco está também a analisar as notícias relacionadas com o caso Malta Files, apontado como um esquema para aproveitar de forma abusiva o regime fiscal daquele país da União Europeia e que será usado por várias empresas e indivíduos com a finalidade de pagarem menos impostos sobre lucros ou rendimento do que pagaria no seu país de residência, por via da “participation exemption”, mecanismo de incentivo fiscal ao investimento.
O processo de investigação administrativa envolveu 100 sujeitos passivos, 51 particulares e 49 empresas. Estes processos regularizações voluntárias de 31,9 milhões de euros, que resultaram numa arrecadação efetiva de imposto de mais de oito milhões de euros e juros de quase um milhão de euros.
Estes dados são divulgados poucos dias de serem conhecidos os valores das transferências para offshores comunicadas pelos bancos relativas a operações feitas no ano passado. Os números apontam para quase nove mil milhões de euros, menos 1,4 mil milhões de euros que no anterior, com a Suíça e Hong Kong a continuarem a ser os destinos mais procurados.
Sobre estas operações, o relatório da AT indica que foram feitas no ano passado quatro investigações ao reporte efetuado pelos bancos que deram origem à correção de de 269 mil euros.
O relatório de combate à fraude revela ainda a atenção especial dada pelo fisco aos milhões do futebol profissional, com a abertura de 30 processos de investigação administrativa no qual foram identificados indícios de prática de operações fraudulentas que se encontram abrangidas pelo segredo de justiça — presume-se que terão sido reportadas ao Ministério Público. Nestas ações no mundo de futebol foram adicionados 3,5 milhões de euros ao lucro tributável.