894kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Lota Digital. A app portuguesa que põe os pescadores a vender peixe em alto-mar

Este artigo tem mais de 5 anos

Depois de olhar para a pesca portuguesa, a Bitcliq criou a Lota Digital, a app que permite aos pescadores vender peixe acabado de capturar em alto-mar. Tecnologia foi financiada em 600 mil euros.

Além da equipa fundadora -- cinco engenheiros informáticos que se mantém desde o início na Bitcliq -- a empresa conta também com mais oito pessoas
i

Além da equipa fundadora -- cinco engenheiros informáticos que se mantém desde o início na Bitcliq -- a empresa conta também com mais oito pessoas

Carlos Barroso

Além da equipa fundadora -- cinco engenheiros informáticos que se mantém desde o início na Bitcliq -- a empresa conta também com mais oito pessoas

Carlos Barroso

Pedro Manuel sempre teve uma ligação ao mar, fruto do que viveu durante a infância. Mais tarde, e inspirado pelo trabalho do pai com telexes na indústria de conservas, seguiu o caminho da engenharia de telecomunicações, mas nunca deixou o mar e a pesca para trás. Prova disso está na Bitcliq, a startup tecnológica que fundou e que desenvolve tecnologias para gestão de frotas de pesca industrial. O mais recente projeto da empresa, a Lota Digital, quer ligar os pescadores aos clientes e permitir a venda digital do pescado ainda em alto-mar e, ao mesmo tempo, assegurar uma maior rastreabilidade e um maior controlo do mesmo.

A ideia para este projeto surgiu em 2017, depois de o maior operador mundial de satélites a nível marítimo, a Inmarsat, ter convidado a Bitcliq para participar numa conferência. “Disseram-nos: ‘Vocês são uma startup portuguesa, com certeza que devem ter clientes aí em Portugal que possam servir de estudo de caso para apresentarmos'”, explicou Pedro Manuel ao Observador. O mote estava dado. E seguiu-se a questão: “Como é que a nossa tecnologia poderia ser aplicada na pesca aqui em Portugal?”. A partir daí, a Bitcliq começou a olhar para dentro da pesca portuguesa, falou com armadores e percebeu que havia várias diferenças relativamente à pesca industrial: a pesca portuguesa é mais tradicional, mais artesanal e os barcos e tripulações são mais pequenos. “Aqui, a realidade era diferente”, explicou o fundador da startup.

Pedro e a equipa perceberam que, para muitos dos pescadores portugueses, a gestão de frotas, ideia com que a empresa trabalhava, não era o mais importante porque os barcos e a operação eram mais pequenos. “A venda era o que mais ansiavam por mudar”, acrescenta. E foi assim que a Bitcliq aproveitou a tecnologia que já tinha desenvolvido numa nova plataforma de venda do pescado.

“Criamos aqui valor para as duas partes: para quem compra e quer saber o que está a comprar e para quem vende, que passa a ter mais controlo do preço de venda, por exemplo”, acrescentou.

Mas, afinal, o que é a Lota Digital? É uma plataforma de comercialização digital — um marketplace — que liga pescadores e compradores. Na prática, é uma app na qual o pescador coloca à venda o pescado mal acabe de o capturar. Por outro lado, o comprador – como hotéis, restaurantes, lojas e hipermercados — pode adquiri-lo de imediato, apesar de o pesacador ainda estar em alto mar. Além disso, também pode criar uma lista de compras e, de forma automática, a plataforma encontra as soluções disponíveis no mercado para os produtos que o consumidor procura. Mais tarde, e depois de comprar o pescado, o cliente tem também assegurado o embalamento e o transporte do peixe. Já os consumidores vão ter a oportunidade, graças à rastreabilidade, de saber todos os detalhes sobre a origem e proveniência do peixe que vão comer.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O pescador tem uma aplicação e um kit que desenvolvemos e tem também uma ligação de dados com cobertura até 15 milhas náuticas, ou seja, consegue andar no mar com este telemóvel e estar contactável até 15 milhas náuticas [equivalente a cerca de 28 km]”, explica ainda Pedro Manuel. Depois de uma captura, os pescadores fazem o registo desse peixe na aplicação onde colocam informações como a espécie, a hora a que foi pescado, o tamanho, quando é que o peixe vai estar disponível na lota, bem como uma fotografia. De seguida, os clientes recebem uma notificação sobre o tipo de pescado que foi colocado à venda e, a partir desse momento, podem fazer a sua negociação com o barco.

Na app da Lota Digital é possível obter várias infrormações sobre o peixe e comprá-lo de imediato

Na fase da compra, há dois métodos de negociação: um é o botão para comprar na hora, onde o cliente compra imediatamente o lote de pescado pelo preço a que o pescador o põe, e o outro é um leilão, ou seja, não há um preço definido à partida e a decisão recai sobre o valor mais elevado que o cliente oferecer, dos vários que concorrem. Tudo isto é feito e otimizado por algoritmos de inteligência artificial. O pescado, garante a empresa, é acompanhado desde a origem até à entrega.

Para que a Bitcliq pudesse desenvolver esta ideia, a empresa precisou de investimento. Foi por isso que em fevereiro deste ano fechou uma ronda de investimento de 600 mil euros, liderada pela Indico Partners e com a participação da LC Ventures. “O investimento desta ronda é para canalizar em exclusivo para o desenvolvimento da Lota Digital”, garantiu o fundador da startup sediada nas Caldas da Rainha.

Portuguesa Bitcliq capta 600 mil euros em investimento

Ainda antes deste projeto surgir, e para criar a Bitcliq, Pedro Manuel conta que o investimento inicial da empresa veio de capital próprio e “foram algumas centenas de milhares de euros”.

Uma equipa ligada ao mar: “Há pessoas na equipa que são engenheiros e filhos de pescadores”

Além da equipa fundadora — cinco engenheiros informáticos que se mantém desde o início na Bitcliq — a empresa conta com mais oito pessoas, de biólogos marinhos a engenheiros de qualidade alimentar e especialistas da área comercial e financeira. Grande parte tem uma referência comum: estão ligados ao setor da pesca. “Havia uma afinidade, não éramos uns estranhos no setor quando iniciamos este desafio”, acrescenta Pedro Manuel.

Quando era criança, saía da escola e ia ter com o meu pai ao trabalho. Ele trabalhava muito com a indústria conserveira aqui na região e muitas vezes ia com ele às fábricas de conservas de Peniche para ele arranjar os telex [tecnologia que permitia a comunicação entre as empresas]”, começa por contar Pedro ao Observador.

Foi o trabalho do pai na área das telecomunicações que inspirou Pedro a seguir o caminho na área da tecnologia. Mas, acrescenta, “o contacto em Peniche com os barcos e a realidade das fábricas não era estranho”. “Há pessoas na equipa que são engenheiros de software e filhos de pescadores da zona”, atira ainda. Tudo isso, nas suas palavras, ajuda a ter um sentimento que vai para além da parte prática: “Havia aqui também uma ligação emocional ao setor, de perceber que podíamos, com o nosso talento, ajudar a melhorar a vida destas pessoas. Pelo menos, é essa a nossa expectativa. Acreditamos e vamos além dos desafios, porque temos essa ligação emocional”.

O processo que garante a qualidade do peixe

Uma ideia como esta no mundo digital pode levantar questões quanto à qualidade do peixe que é pescado e vendido na app da Lota Digital. Foi por isso que a Bitcliq definiu a qualidade como uma das suas prioridades. “Este projeto está em uso oficial e legal em Portugal porque propusemos à Docapesca a sua implementação”, garantiu Pedro. A Docapesca é sempre quem gere a primeira venda do pescado, ou seja, os barcos, legalmente, não podem vender o peixe a não ser na Docapesca.

Depois de o peixe ser pescado, o processo funciona da seguinte forma: quando o barco chega a terra, o pescado vai diretamente para o posto de controlo de qualidade da Lota Digital. Cada vez que há uma transação feita ainda no mar, a equipa da BitCliq recebe uma notificação e sabe que vai existir este controlo de qualidade. “A equipa está a postos e quando o pescador chega leva o pescado que já foi vendido à nossa balança”, acrescenta Pedro.

Depois de ser pesado e calculado o preço justo para a venda desse peixe, a equipa faz ainda a validação dos critérios standards europeus a todas as características do pescado, bem como a avaliação do seu grau de frescura.

A equipa faz a avaliação do olho, do muco da pele, etc. Há uma série de critérios, dependendo da espécie, que são avaliados. O pescado é classificado de forma objetiva e é-lhe atribuída uma categoria — se é categoria extra, frescura extra, categoria A ou A+. etc. O cliente é notificado quando o pescado já tiver chegado e sido validada a sua qualidade”, acrescentou o fundador da Bitcliq.

Segue-se a fase do embalamento: a empresa criou uma plataforma com vários parceiros que permite implementar e prestar serviços dentro dela, ou seja, há parceiros locais em Peniche que fazem a recolha do pescado para o cliente, preparam-no e embalam-no para poder ser transportado até ao comprador. Para o transporte, há também um parceiro que trata desse serviço.

Atualmente, e apesar de ainda ter apenas um projeto piloto em Peniche, a Lota Digital conta com cerca de 20 barcos de pescadores e mais de 20 clientes registados. “Estamos com estes números e agora a escalar, a crescer”, assegura Pedro. Dentro dos barcos com quem trabalham, acrescenta, há vários tipos de pesca: “Desde a pesca do anzol, pesca de redes em malha, temos pequenos barcos de arraste, etc. Todas as artes estão, no fundo, cobertas para também validarmos a tecnologia com todos os tipos de pesca que existem”.

Em relação ao modelo de negócio da empresa com este projeto, a transação é cobrada, em parte, a partir do valor que o comprador paga pelo pescado, através de uma comissão incluída nesse valor. O objetivo, explica Pedro, é não impor demasiados custos ao pescador, uma vez que “neste momento, nem sempre quem corre o maior risco [os pescadores] é quem tem o maior benefício”.

Todos os elementos de uma cadeia de valor têm importância: o peixe tem de ser preparado, tem de ser transportado, tudo isso tem custos e tem valor. Mas, neste momento, há situações em que o pescador, que é quem correu o maior risco, é quem ganha menos em toda a cadeia. O consumidor paga 10 e o pescador ganha 1 ou 2. O que também estamos a tentar fazer é eliminar um pouco isso e trazer maior ganho para o lado do pescador, por isso, decidimos que o pescador não tem de suportar o custo da tecnologia”, explica Pedro.

Uma história que começou sempre com um desafio

Apesar de a Lota Digital ter começado em 2017, a história da Bitcliq começa em 2013, quando a equipa ainda estava a analisar qual seria a área de enfoque da sua tecnologia e foi desafiada pela indústria ligada ao setor da pesca para entrar no mundo da gestão de frotas de pesca industrial. “Abraçamos esse desafio e começamos a entrar nesse setor e a conhecê-lo cada vez mais e a perceber que havia aqui uma oportunidade de escala global daquilo que poderíamos fazer com novas tecnologias para um setor tradicional e que não estava assim tão desenvolvido na altura em que começamos”, conta Pedro Manuel.

De seguida, e depois de despertarem o interesse do maior processador mundial de atum, nasceu também outro projeto da Bitcliq: o Big Eye Smart Fishing, uuma plataforma que permite a gestão das frotas de pesca em tempo real. As ideias da Bitcliq já valeram prémios como o concurso Elevator Pitch, a 10.ª edição dos Green Project Awards, na categoria Indústria 4.0, e mais recentemente os Prémios Empreendedor XXI, um prémio ibérico.

Por agora, a Lota Digital já tem um parceiro no Peru e no Chile e tem também outro desafio na Europa que está a avaliar. Um dos mercados em que está interessada é também o mercado espanhol, uma vez que Espanha “é um país com uma forte componente ligada à pesca e onde muitas realidades serão equivalentes ou parecidas com Portugal”. Mas nem tudo é um caminho fácil a percorrer. Um dos desafios nesta área é o facto de se tratar de um mercado ainda muito tradicional, que “não muda de um dia para a noite”.

“Há muito hábito enraizado: como é que se faz a compra, ser aquele parceiro de confiança a quem eu telefono e me desenrasca para o dia a seguir e algumas pessoas ainda olham com alguma dificuldade em perceber o que fazemos, mas acho que isso é natural”, acrscentou.

Agora, e enquanto a Lota Digital não chega ao resto do país, Pedro Manuel assegura que o trabalho vai continuar a ser feito. Passo a passo. “Ainda ontem estivemos a trabalhar até às 3h da manhã na nova parte de software para o parceiro de embalamento. As pessoas não estão a olhar para o relógio, estão ali para que as coisas funcionem e para que, no dia a seguir, se tenha avançado mais uma etapa”, conclui.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.