No número 55 da avenida Gago Coutinho, em Rio de Mouro, Elvira, de 70 anos, tem a companhia da tia, Palmira, de 83 anos. A televisão está sintonizada na SIC Notícias e passam as imagens do dia de campanha das várias caravanas. Elvira estava debruçada no parapeito da janela, a aproveitar a atuação musical antes do protagonista da noite subir ao palco instalado frente à panificadora ‘Aliança’: “Não costuma haver aqui nada, vim para a janela ver”.
Sentada no sofá, Palmira vai comentando as caravanas dos outros partidos acompanhando as notícias: “Olha a Marisa (Matias, eurodeputada do BE) e a Catarina! Ai, este Rio não!” A animação desta noite é bem-vinda, sobretudo agora que nunca acontece nada. Mas naquela mesma rua, já houve eventos inesquecíveis: “Ai o 25 de abril (de 1974) aqui foi um dia tão bonito, fiquei tão feliz, tudo enfeitado, os carros cheios de flores”, conta.
Jerónimo de Sousa também falou desse dia, até porque esta terça-feira assinalavam-se os 49 anos da CGTP que, como o secretário-geral do PCP lembrou, existe “mesmo antes do 25 de abril quando era proibido haver manifestações”.
Mesmo que não fosse dia de aniversário, o papel da central sindical nas lutas dos trabalhadores dificilmente escaparia ao discurso da CDU. As leis do trabalho têm sido um tema incontornável na campanha, mas esta terça-feira, em particular, com a entrada em vigor das alterações ao diploma. A CDU não esquece que o PS a quem permitiu governar nesta legislatura, se colou ao PSD e CDS para fazer aprovar as alterações “de direita”. E em dia de muitas efemérides, Jerónimo de Sousa encontrou outra: feitas as contas, com o alargamento do período experimental para os 180 dias, se um jovem fosse contratado esta terça-feira poderia ser despedido até 28 de março, o dia nacional da juventude.
É um assunto que preocupa as duas mulheres que, no entretanto, apagaram as luzes dentro de casa para “ver melhor” o que se passa lá fora. Uma delas tem um neto de 14 anos, a idade que o filho tinha quando emigraram para o Canadá. Os 10 anos passados em Montreal deixaram em Elvira algumas marcas que, muitas décadas mais tarde ainda não desapareceram: “Ainda estamos muito longe deles, nunca chegaremos lá”, disse em jeito de crítica aos políticos que desfilam por estes dias nas caravanas.
Jerónimo tinha ali uma eleitora indecisa, ao contrário da tia que vota “sempre no mesmo”. Sobre os últimos anos de “geringonça”, Elvira não sentiu “grandes melhorias”, entende que se “eles (políticos) não têm, não podem dar” e isso não ajuda nada a “assentar ideias”. Ao jeito das “contas certas”, Elvira ainda aconselha: “É preciso é fazer contas à vida e nunca dar um passo maior que a perna” (expressão amplamente utilizada por António Costa).
Lá fora, o secretário-geral do PCP continua o discurso, onde cola os socialistas à direita para “demonstrar” que PS, PSD e CDS “não estiveram de boa-fé” quando aprovaram as alterações à lei do trabalho. Criticou a “pressa para fazer a lei” e a “dificuldade em definir o grau de precariedade”.
Em causa, uma das medidas que tinha entrado hoje em vigor no âmbito da revisão do Código do Trabalho, a chamada taxa de rotatividade para a Segurança Social a ser paga pelas empresas que recorram a mais contratos a prazo do que a média do setor que se inserem. Jerónimo olha com desconfiança: “Basta lembrar que esta taxa vai ser medida em cada setor para encontrar uma média. Não sabemos bem como é que eles vão fazer isto. Vai ser a Autoridade para as Condições do Trabalho? Eles não têm mãos a medir”, disse Jerónimo, acrescentando que ainda não há nenhuma média definida nos “diversos setores que existem” e que, considerando a complexidade do trabalho “só em 2021 se permitirá que entre em vigor o pagamento da taxa”.
Entretanto, na televisão surgem notícias sobre a aproximação do furacão aos Açores e a atenção com que estava a ser escutado o discurso de Jerónimo é canalizada para as pessoas que vivem na região autónoma. E, logo depois, o regresso à campanha. Elvira reconhece o valor a Jerónimo e a de quem luta para tirar poder ao PS e PSD: “Eles bem fazem por isso, mas ainda têm de pedalar muito”.
É isso que, do palco, Jerónimo de Sousa continua a fazer. Faltam poucos dias para convencer os eleitores, e é preciso que não se enganem. O voto é “na foice e no martelo com o girassol ao lado”, os símbolos da coligação PCP-PEV, antes que a carvalhesa volte a soar nos altifalantes do palco. Palmira queria mesmo “ver o Jerónimo mais perto”. Debruça-se um pouco mais no parapeito da janela, procura-o com o olhar, mas o secretário-geral comunista foi mais rápido a entrar na carrinha que o tem transportado. Ainda há muita estrada pela frente.