A História
Será possível existir alguém que não goste de pizza? Claro, o mundo é demasiado grande para se poder afirmar que sim. Mesmo assim, é com relativo conforto que se pode dizer que pelo menos 85% (se não 90%) da população mundial é fã destas rodelas de massa com toppings variados. Marcelo Parente e Duda Ferreira fazem parte dessa percentagem mas decidiram ir mais além e materializar essa paixão em algo de concreto: na nova pizzaria Lupita, para sermos mais específicos.
“Eu já estou cá há quatro anos, o Duda há uns três, mas já nos conhecíamos no Brasil”, conta Marcelo. Este antigo advogado paulista (antigo porque entretanto desistiu da advocacia para se dedicar à restauração) vem de uma família ligada à restauração de inspiração italiana, o seu pai “tem restaurantes italianos no Brasil há 30 anos”. O seu amigo e conterrâneo, Duda, o pizzaiolo de serviço nesta Lupita, conta com uma carreira de cozinha já quase com duas décadas e ao Observador conta, super bem-disposto, que a pizza é uma tradição de criança: “A minha família tinha uma fazenda no interior de São Paulo e o meu tio fazia pizza lá desde os meus três anos. Eu cresci com pizza, era uma coisa já de tradição”. Escusado será dizer que se juntou uma quase literal fome com vontade de comer e de repente fez sentido abrirem um negócio no país para onde se tinham mudado. Mas não foi assim de repente, calma.
“Tinha vontade de fazer alguma coisa, conhecer o mercado, ver o que seria interessante fazer, o que faltava em Lisboa. Decidi começar a fazer as minhas pizzas em casa, de uma forma bem caseira e quando percebi que tinha uma massa boa o suficiente e já tinha uma técnica mais ou menos sólida percebi que já não ia passar vergonha à frente dos outros. [risos] Criei um supper club chamado “Casa da Paz” porque morava na Travessa da Paz.” Na prática foi assim que tudo começou, foi este o patamar de onde partiram para esta Lupita que ainda agora acaba de abrir portas. O negócio no supper club começou a gerar um feedback tão positivo que o passo seguinte tornava-se óbvio: abrirem um restaurante que conseguisse replicar o estilo “bem descontraído” que reinava na tal Casa da Paz. Uns meses depois, surge o resultado.
O Espaço
“Ainda no outro dia estiveram a dar uns retoques finais”, conta Marcelo ao apresentar a sua Lupita. É fim de tarde e nesta esquina que fica no cruzamento da Rua de São Paulo com a Travessa Carvalho está-se muito bem com portas grandes e janelas de tamanho igual, luz é coisa que não falta neste paralelipípedo em tons neutros onde se destaca o teto todo trabalhado — “quisemos deixar tal e qual como estava, achamos que tem imensa personalidade” — e as mesas/bancos em azul bebé que dão lugar a no máximo 21 pessoas de cada vez. Seguindo uma lógica de decoração meio industrial que é bem visível na escolha dos candeeiros, por exemplo, nesta Lupita uma das coisas que mais salta à vista é o forno cor de bronze. “Ele veio de Nápoles numa carrinha, demorou quase uma semana a cá chegar”, conta Duda, entre risos. “O pior foi conseguir pô-lo aqui dentro”. Nova gargalhada.
O destaque visual deste gigante combina com o tamanho da sua importância — é ali que se faz tudo, da preparação dos toppings à cozedura da pizza em si, que demora pouco mais de um minuto. Capaz de atingir temperaturas de 500 graus, o forno é rei e ele sozinho consegue dar uma nova vida à esta antiga loja de azulejos. Esta casa ainda está em modo soft opening por isso há muito que ainda pode vir a mudar. No que ao espaço diz respeito isso pode traduzir-se, eventualmente, numa zona exterior muito simples — “uns bancos ou algo do género” — com direito a toldo.
A Comida
Agora sim, passando ao que realmente interessa: a pizza. São incontáveis os negócios que se dobram e desdobram de forma a garantir certificações e diplomas que provam que a sua pizza cumpre as regras napolitanas, romanas, de Chicago, etc. Projetos inteiros assentes na ambição de ter um autocolante na porta do restaurante que confirme um estatuto. Aqui não há nada disso — e é de propósito.
“As nossas pizzas são inspiradas no estilo napolitano mas não é de todo uma pizza napolitana. Não andamos atrás da certificação e do cumprimento de todos os requisitos das farinhas e isso. Não acreditamos muito na certificação napolitana porque isso, na minha opinião, é mais uma forma de venderes os produtos que te interessam. Nós quisemos ir para um lado diferente”, conta Duda. Se quase todos os grandes restaurantes de hoje prestam cada vez mais atenção ao produto local, ao trabalho de pequenos produtores e à noção de exprimir terroirs (identidades características, se preferirem), porque haveria ser diferente com as pizzas? É precisamente por causa disto que a Lupita preferiu fazer algo que pegasse na óbvia base italiana mas que “tivesse a identidade de Lisboa, de Portugal”.
Isto traduz-se, por exemplo, na utilização exclusiva de farinhas portuguesas do já famoso Paulino Horta na receita das bases de fermentação lenta (48 horas) e natural. “Cada vez se fala mais do pão de fermentação natural e sobre o bom que é, daí pensarmos em fazer o mesmo com a massa — muito pouca gente o faz”, afirma Duda. De forma geral, as poucas coisas italianas que usam resumem-se aos queijos mozzarella, parmesão, taleggio e grana padano bem como os famosos tomates San Marzano. Tudo o resto é português, do ananás (sim, servem pizza de ananás) dos Açores ao queijo de mistura “Três Igrejas” e muito mais. No geral, aquilo que dizem ser mais importante é “criar algo gostoso”, sem amarras limitativas e que siga os mesmos princípios de um outro prato de comida qualquer: é preciso equilíbrio entre os ingredientes, saber conjugar “texturas, elementos ácidos, doces, gordurosos, salgados,…” Para ajudá-los a atingir este objetivo contaram com a ajuda de Anthony Falco, rapaz norte-americano de ascendência italiana que por culpa do sucesso estrondoso que garantiu na famosa pizzaria Roberta’s, em Brooklyn, tornou-se “consultor internacional de pizza”. Duda conta que lhe ligaram e ele ficou logo “super animado por este ser o primeiro projeto dele na Europa.” Falco veio a Lisboa, passou cá uma semana a testar um sem fim de receitas e massas (só estas foram 12) com o pessoal da Lupita e foi dando “umas afinações na massa e nas receitas.”
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Na carta vai encontrar então uma oferta curta mas variada de sete pizzas, para consumir no local ou levar para casa. Há a clássica margherita, que leva tomate, mozzarella, grana padano, manjericão e azeite (9€); a de cogumelos (12€) que tem como base “uma espécie de creme tipo beurre blanc com limão, vinagre e vinho branco”, depois leva os fungos em si (da variedade marron e pleurotus), e uma combinação de queijo mozzarella, taleggio e grana padano, sendo finalmente terminada com uma camada de raspa de limão “que dá algum aroma e frescura”. Impossível será fugir também da de pepperoni (12€), combinação viciante com tomate, mozzarella, o tal queijo de Três Igrejas, o pepperoni em si, pickles de malagueta e… mel, cuja utilização é justificada pela forma como ele consegue complementar “a acidez dos pickles” que, por sua vez, estão lá para cortar a gordura do pepperoni. O exemplo final tinha de ser a de ananás (11€), esse ingrediente polémico no universo da pizza que neste caso é aplicado de forma diferente: ” Inspirámo-nos no taco al pastor (que tem a cebola, o abacaxi, o porco…) Nunca iríamos simplesmente cortar uns cubos de ananás e espalhar por cima por isso pegamos em ananases dos Açores e assamo-los no forno, com casca e tudo. Depois retiramos a polpa, fazemos um puré com isso e daí extraímos um concentrado. É uma bomba de ananás. Complementamos com o quejio Três Igrejas, que leva três tipos de leite (de cabra, vaca e ovelha), e finalizamos com pickles de cebola roxa e coentros.”
A fermentação natural da base das pizzas combina com os vinhos ditos naturais (de mínima intervenção química) que se encontram na carta feita pela norte-americana Jennifer Duke, entusiasta deste tipo de néctares que se mudou para Lisboa e por cá estabeleceu um negócio de importação e exportação deste vinhos chamado Rebel Rebel. Isto tudo somado resulta num sítio muito cool e descontraído onde — e isto é o mais importante — se come muito bem. Quando questionados sobre o porquê de escolherem “Lupita” para o nome desta casa Duda e Marcelo responderam apenas que era um nome de que gostavam, “não tem grande história”. Só por isto já se percebe que não há barreiras nem dogmas nesta casa, há liberdade e, acima de tudo, muita diversão — não há garfos nem facas, por exemplo. “A pizza é divertida e tem de ser divertida. Muitas vezes as pessoas preocupam-se tanto com tanta coisa que acabam por tirar-lhe isso”, afirma Duda. Esta frase que facilmente podia ser um mantra de vida resume em duas linhas aquilo que seguramente se tornará num caso de sucesso. É de aproveitar enquanto as filas ainda não existem.
O que interessa saber
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Nome: Lupita Pizzaria
Abriu em: Outubro de 2019
Onde fica: Rua de São Paulo, 79 , Lisboa
O que é: É a nova pizzaria de capital que aposta num estilo descontraído, fermentações naturais e ingredientes de topo.
Quem manda: Marcelo Parente e Duda Ferreira
Quanto custa: Preço médio entre os 15 e os 20 euros
Uma dica: A combinação “pizza + cerveja/refrigerante” costuma ser regra vigente mas aqui é altamente recomendável apostar nos vinhos, todos naturais e feitos com a curadoria da Rebel. Rebel.
Contacto: 213 460 139
Horário: Das 19h às 23h30, encerrando à segunda-feira. Isto pelo menos por agora, quando terminar o registo de soft opening o horário passará a ser das 18h às 00h. No futuro poderá abrir ao almoço.
Links importantes: Facebook, Instagram
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos restaurantes.