É o gesto internacional usado para comunicar a ideia de “OK”. O Movimento Zero, que se manifestou esta quinta-feira em frente ao Parlamento, adotou-o como símbolo do seu grupo, pela sua proximidade com o algarismo zero. Nas redes sociais, porém, várias pessoas começaram a alegar que o símbolo é também usado, como uma espécie de código, por membros da extrema-direita, nomeadamente do movimento alt right norte-americano.
O facto ganha especial relevância pela acusação que tem sido levantada de que o Movimento Zero poderá estar associado à extrema-direita. Isso mesmo disse em comunicado um grupo que se auto-intitulou “Comissão de Polícias pela dignidade e dignificação da Polícia”, na semana passada, falando numa ligação “indisfarçável” à extrema-direita e ao Partido Chega, de André Ventura — que discursou na manifestação desta quinta-feira. Membros do Movimento, ouvidos pelo Observador na ação no Terreiro do Paço, esta quinta-feira, rejeitaram liminarmente a ideia de que o gesto com os dedos usado pelo Movimento Zero prove essa ligação.
Movimento associado a extrema-direita junta-se a manifestação de polícias na Assembleia
Mas qual é então a ligação entre o famoso gesto que parece dizer “OK” e a extrema-direita internacional? A sugestão foi levantada em setembro pela organização norte-americana Liga de Anti-Difamação (ADL na sigla original), de combate ao anti-semitismo e a crimes de ódio. Nessa altura, a ADL decidiu incluir o gesto na sua base de dados intitulada “Ódio em exposição”, que funciona como uma espécie de catálogo de gestos e imagens associados à extrema-direita. Inclui símbolos como a suástica e as vestes brancas dos membros do KKK.
Em setembro, a organização justificou a decisão explicando que o gesto começou a ser promovido como uma espécie de piada, em meados de 2017, dizendo que o símbolo representaria as letras WP, iniciais para White Power (Supremacia Branca), para tentar perceber se os media tradicionais levariam isso a sério. A “piada”, difundida no fórum 4chan, ganhou tração e começou a ser usada de facto por supremacistas brancos como uma espécie de código, difundido no 8chan (conhecido pelo seu conteúdo habitualmente racista e ligado à alt right), no Reddit e mais tarde no Facebook e no Twitter. Começou como embuste propositado, mas rapidamente passou a gesto mais sério.
“A piada foi tão bem sucedida que o símbolo se tornou uma tática de trolling popular por parte de indivíduos com inclinações para a extrema-direita”, afirma a ADL. De tal forma que, já em 2019, o suspeito de ter levado a cabo os atentados nas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, foi fotografado em tribunal a fazer o gesto.
Terror suspect in New Zealand Christchurch mosques attack appears in court with heightened security #NewZealandShooting https://t.co/zbHFVz3MeU pic.twitter.com/KC5EhjFnxJ
— China Daily (@ChinaDaily) March 16, 2019
Gesto banal ou código entre extremistas? “O contexto é sempre fulcral”
É a própria ADL, porém, que pede cautela em classificar a utilização do gesto como sendo um sinal claro de ligações à extrema-direita.
Oren Segal, diretor do Centro sobre o Extremismo da ADL, disse na mesma altura à National Public Radio, que “o contexto é sempre fulcral”. “Há mais gente a usar o símbolo de OK como sendo simplesmente um OK do que outra coisa. Mas nos casos em que há um significado subjacente, penso que é importante as pessoas compreenderem que também está a ser usado para o ódio.”
No seu site, a organização relembra que “uma pessoa que use o símbolo não pode automaticamente ser identificada como sendo um troll ou, sobretudo, um supremacista branco, a não ser que haja outras provas de contexto que suportem essa acusação”.
Ora, essa é a grande dúvida face ao Movimento Zero, devido às suspeitas de ligações à extrema-direita. À Rádio Observador, o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) falou na semana passada sobre a possibilidade de um Movimento como este, que é inorgânico, ser infiltrado por elementos extremistas: “A constituição destes grupos, que são mais ou menos organizados nas redes sociais sem um enquadramento tradicional, estão suscetíveis de serem infiltrados por elementos extremistas que não querem levar por diante um processo reivindicativo, mas sim fazer uma alteração de ordem pública. E esta é que é a preocupação maior que se deve ter com este tipo de movimentos”, afirmou.
O Observador questionou diretamente membros do Movimento Zero que participavam na ação de protesto no Terreiro do Paço — local onde aconteceu a famosa manifestação dos “Secos e Molhados”, em que polícias defrontaram polícias —, após a manifestação principal, perguntando-lhes se estavam conscientes desta associação à extrema-direita e se ela é propositada. “O Movimento Zero surgiu em maio e isso já existia antes”, reagiu um dos participantes, que preferiu não se identificar. “Rejeitamos completamente a ligação”, sublinharam vários membros do movimento.
Alguns, que também preferiram manter o anonimato, chegaram mesmo a mostrar ao Observador imagens de políticos e partidos que não são de extrema-direita a utilizar o gesto, como o ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita numa fotografia captada pela Revista Visão, e um porta-chaves do Bloco de Esquerda (ver imagem) em que o gesto era utilizado.
“Isto não é extrema-direita, é extrema-esquerda, e eles também usam o símbolo”, afirmaram, como justificação.