“Pois, é que houve 9 mil pessoas que não votaram…”. O desabafo ouviu-se na entrada da Associação Empresarial da Região de Lisboa, em Oeiras, onde Luís Montenegro se preparava para, dali a uns minutos, fazer uma intervenção aos militantes social-democratas. Enquanto chegavam e não chegavam os mais ou menos ilustres apoiantes para competir no friso de personalidades que estão de um lado e de outro (já lá vamos), faziam-se contas à vida para sábado: é a “última oportunidade” para mudar, diria Montenegro. Por um voto se ganha, por um voto se perde. Ambos sabem disso, e Rio até pede muito mais do que apenas um voto a mais. Tudo para calar de vez aqueles que lhe “infernizaram a vida”. São 21h e é tempo de dramatizar o apelo ao voto.

Vinte minutos antes, pelas 20h40, Rui Rio acabava de falar para um outro grupo de militantes num hotel no centro de Lisboa, a 23 quilómetros de Oeiras, onde tinha apresentado as “seis razões” para votar nele e, pelo caminho, tinha atirado em cheio às “histórias esquisitas” que tem ouvido vindas do lado de Luís Montenegro sobre a suposta oferta de lugares em troca de votos. Mas não concretizou: “Oiço histórias esquisitas que nem vou aqui dizer (…) Não tenho a certeza que esteja a acontecer, mas se olhar para o estilo de muitos apoiantes [de Luís Montenegro] não me admirava nada que isso acontecesse”. A resposta não tardaria, com Montenegro a garantir que não tem lugares para oferecer, apenas “esperança” e “mudança”, e que as histórias de lugares prometidos vêm é do lado de Rui Rio. Novamente, sem concretizar.

A verdade é que, a dois dias da derradeira ida às urnas, a corrida à liderança do PSD aqueceu finalmente com o bate-boca sobre quem oferece lugares a quem em troca de votos. “Ele não é mais sério do que eu”, atiraria Luís Montenegro, recusando lições de seriedade de Rui Rio, depois de, minutos antes, este ter dito que se “lhe serviu a carapuça” foi por algum motivo… Eis o debate a dois que nunca aconteceu (pelo menos nos moldes habituais, na televisão).

A carapuça e as pedras atiradas com as mãos escondidas

Na noite eleitoral do passado sábado, Rui Rio disse que todos os votos que obteve foram votos “por convicção” e não por ter andado a “prometer lugares” a ninguém. As antenas soaram na sede de campanha de Luís Montenegro que, dois dias depois, convocou os jornalistas para reagir. As “insinuações” têm “limites”. Não só negou andar a oferecer lugares em troca de votos como virou a agulha dizendo que sabia de casos de membros da direção de Rio que efetivamente andavam a oferecer lugares em troca de votos. Quem? Não disse.

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Estava lançada a polémica. Esta quarta-feira, ambos tinham eventos de campanha na grande Lisboa, mas era Rui Rio quem começava (um estava marcado para as 18h30, o outro para as 21h). Foi certinho. Não só Rio chegou ao hotel lisboeta a negar tais práticas (tanto suas como dos seus “mais próximos”) como levantou a lebre: “Fico admirado com isto, porque no sábado eu só disse que ‘eu’ não oferecia lugares a ninguém, não disse mais do que isto. Não estava lá nenhuma indireta, eles saberão porque é que enfiaram a carapuça…”. Minutos depois, a 23 quilómetros de distância, as “insinuações” de Rui Rio ecoavam com estrondo.

Quem é mais sério do que quem? “Não vale a pena o dr. Rui Rio andar a atirar pedras e depois a esconder as mãos. Rui Rio faz permanentes insinuações sobre a seriedade dos seus companheiros de partido e eu quero dizer-lhe, olhos nos olhos, que não aceito lições de seriedade de Rui Rio, ele não é mais sério do que eu. Eu não convidei ninguém a troco de lugares, e sei de pessoas da direção dele que andam a ter conversas dessas com militantes por estes dias”. O máximo que disse foi que bastava olhar para o que aconteceu durante o ano, nas listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu ou até para as eleições realizadas na Assembleia da República para órgãos externos onde, diz, “há a condição de que só é escolhido quem é apoiante de Rui Rio”. Não foi bem “olhos nos olhos”, mas foi o debate possível.

As (seis) razões para votar e o drama do apelo ao voto

No sprint final para a ida às urnas, ambos dramatizam o apelo ao voto. Mas enquanto Rui Rio o faz de forma sistemática, em seis pontos que explicam porque é que os militantes devem votar nele e não em Luís Montenegro, Luís Montenegro opta pelo discurso corrido e por centrar a sua intervenção em António Costa.

As razões de Rui Rio são as que tem vindo a repetir desde o discurso de “vitória” na noite de sábado passado: desde a ideia de que o PSD não pode andar a trocar de líder como quem “troca de camisa”, só porque o atual líder não teve mais 3 ou 4% do que devia ter tido; passando pelo argumento, já dito na noite eleitoral, de que “a unidade faz-se mais rapidamente em torno do mais forte”, já que “reforçar o mais forte é dar mais força ao PSD e dar mais força ao PSD é dificultar o tempo de vida útil da geringonça”, e culminando na ideia de que “não faz sentido o PSD votar de forma contrária àquele que é o sentimento da sociedade lá fora”. Ou seja, se a ideia do líder do PSD, seja ele qual for, é voltar a ser primeiro-ministro, e se a maioria dos portugueses “lá fora” prefere Rio a Montenegro, então Rio diz que não faz sentido os militantes contrariarem esta tendência.

Mas há uma outra, a “quarta razão”, que é a mais “politicamente incorreta”, que leva a crer que Rui Rio está nestes dois últimos dias a dramatizar o apelo ao voto em toda a linha. E é esta: apesar de valer a velha máxima de que ‘por um voto se ganha, por um voto se perde’, se Rui Rio ganhar apenas com 51% dos votos, contra 49% de Montenegro, isso não garante que “aqueles que andaram a infernizar a vida do líder” nestes dois últimos anos não o continuem a fazer. Ou seja, apela Rio: se querem estabilidade no PSD, a margem de vitória tem de ser maior. É o tudo ou nada.

Minutos depois, na sede da Associação Empresarial da Região de Lisboa, Carlos Carreiras e Luís Montenegro faziam dupla para explicar as suas próprias razões para porem a cruz no seu quadrado. Ao autarca de Cascais coube a parte do ataque interno: foi ele quem fez a defesa da seriedade de Montenegro no capítulo da oferta de lugares, dizendo que esse tipo de “insinuações fica mal a quem as faz e fica muito mal ao PSD”, como também foi ele quem acusou Rui Rio de “traição” ao PSD. “Não vi apoiantes de Luís Montenegro participarem em sessões com a extrema-esquerda na Aula Magna”, atirou, acrescentando depois que também não viu comentadores de “extrema-esquerda”, como Daniel Oliveira, a elogiarem Luís Montenegro (mas viu, sim, a elogiar Rui Rio). “Se nem Roma pagou aos traidores porque é que há de agora o PSD pagar aos traidores?”, acusou Carreiras num dos momentos altos da noite em Oeiras.

Já Luís Montenegro dramatizou o apelo ao voto dizendo que esta é a “última oportunidade” para quem quer mudar, mas manteve-se fiel à sua estratégia: o seu adversário não é Rui Rio, mas sim António Costa e o combate ao “socialistão”. “Se são os mesmos e querem continuar a fazer tudo na mesma, de forma igual, o que é que podemos esperar como resultados? Os mesmos resultados, mas nós não estamos aqui para tornar a ter o pior resultado de sempre em eleições europeias e um dos piores de sempre em legislativas”, disse naquele que foi o único momento em que falou concretamente para os militantes, e não tanto para o país.

A luta de galos e um anúncio já depois do cair do pano

Mas na corrida às urnas, tudo conta. Do apoio escrito de Pinto Balsemão (a Rui Rio), lido em voz alta pelo deputado Ricardo Batista Leite, passando pela ostentação de apoiantes que viraram de Pinto Luz para um e para outro, até à jovem Luana, de 16 anos, que venceu a presidência da associação de estudantes da sua escola secundária em Marvila e que “mostrou interesse em inscrever-se na JSD”. Também ela estava ali na sala do hotel de Entrecampos para Rui Rio assinar, ele próprio, a sua ficha de militante.

Se, em Lisboa, Rui Rio exibiu o “engenheiro” Luís Mira Amaral, que na primeira volta tinha estado com o vice-presidente de Cascais, Luís Montenegro não só exibiu Carlos Carreiras, autarca de Cascais que também tinha apoiado o seu vice, como também exibiu os líderes da distrital de Lisboa e de Setúbal e fez ainda questão de, ao cair do pano, voltar ao microfone para dizer que se tinha esquecido de agradecer a Alexandre Poço, vice-presidente da JSD nacional que também tinha estado com Miguel Pinto Luz e que agora estava ali. Já o hino nacional tinha tocado, o que costuma ser o sinal de que o evento teria acabado. Mas não, tudo conta. E, lá está, por um voto se ganha por um voto se perde.

“Estou aqui a olhar para a primeira fila e vejo três ex-ministros [Mira Amaral, David Justino e Pedro Roseta], espero que não me esteja a escapar nenhum”, diria Rui Rio na sala do hotel lisboeta. Na verdade estava: Pedro Lince estava algures na plateia, mas a referência ainda foi feita a tempo. De todo o modo, o ponto não era esse. “Todos nós gostamos de ter nos apoiantes alguém que foi ministro, claro, mas nestes casos tenho aqui pessoas que foram muito bons ministros”, disse Rui Rio depois de já ter sublinhando a importância de Francisco Pinto Balsemão, militante número 1 e fundador do partido, ter enviado uma declaração escrita a reiterar o seu apoio a Rui Rio na segunda volta das diretas.

O desfile de apoiantes foi evidente tanto em Lisboa como em Oeiras. Não é só isso que conta, mas também. “As eleições [também] não se ganham com sessões destas, que são boas, fazem bem ao coração”, diria Carlos Carreiras depois de ter atirado feio à forma de Rio fazer política através de “ataques pessoais” à “seriedade” dos companheiros de partido. As eleições ganham-se com a ida massiva às urnas. Mas aí, os dois estão de acordo: é preciso convencer os 9 mil militantes inscritos que não votaram na primeira volta a irem votar e, mais, é preciso convencer os que estiveram com Pinto Luz e que agora têm a oportunidade de votar noutro candidato.

O apelo é igualzinho. Senão vejamos. “É preciso saírem de casa e irem votar, é preciso falar aos amigos, é preciso convencer os militantes que não foram votar ou que votaram no candidato que já não está na corrida”, disse Paulo Mota Pinto em nome de Rui Rio. Duas horas depois, era o próprio Montenegro quem repetia o mesmo apelo: “Faço um apelo muito grande aos 9 mil militantes do PSD que pagaram as suas quotas e que não foram votar, peço a todos que participem e peço que ajudem os outros a participar também”. Já desabafava o militante à entrada para o evento de Luís Montenegro: “Pois, é que houve 9 mil que não votaram…”. E se forem votar no próximo sábado?