Durante quatro dias, Paris, a inquestionável capital da alta-costura, é a montra dos grandes ateliers para o mundo. A segunda semana da moda do ano (depois da de pronto-a-vestir masculino) arrancou na última segunda-feira, com propostas das principais maisons, mas também de marcas estrangeiras, para a próxima primavera-verão. O calendário começou em força com os desfiles da Schiaparelli, da Dior, de Iris van Herpen, Geroges Hobeika e Ralph & Russo, entre outros, mas ainda com grandes nomes da moda pela frente — Chanel, Armani e Valentino incluídos.
A agenda fica marcada por aquele que será o último desfile de Jean Paul Gaultier, depois de o criador ter anunciado que se vai retirar da alta-costura. Mas a moda é um universo em trânsito e, na última segunda-feira, a Balenciaga anunciou o seu regresso à alta-costura, já na próxima temporada, em julho deste ano. A maison, fundada por Cristóbal Balenciaga e atualmente sob a direção criativa do georgiano Demna Gvasalia, não produz uma coleção de atelier desde 1968.
Schiaparelli, uma arte com mais de 90 anos
Exuberância e uma mestria absoluta na manipulação dos materiais continuam a ser as assinaturas da histórica maison fundada por Elsa Schiaparelli em 1927. Depois de ter brilhado na passadeira vermelha dos SAG Awards, com o vestido usado pela atriz Cynthia Erivo, para não falar no visual de Beyoncé nos últimos Globos de Ouro, coube à marca (quase centenária) inaugurar o calendário de desfiles em Paris. Uma honra mais do que merecida, sobretudo quando falamos de um nome que se confunde com a história da própria alta-costura francesa.
Daniel Roseberry é, há quase um ano, o maestro de um atelier onde não há volumes, materiais ou construções impossíveis e a coleção apresentada na última segunda-feira é o melhor exemplo disso, embora prove ainda a versatilidade de uma marca que teve, necessariamente, de se adaptar a novos códigos. Com blazers, trench coats, mas também com vestidos extravagantes, volumes gritantes e notas de surrealismo, o designer construiu uma coleção tão eclética quanto os apetites do novo século. O ponto de partida, segundo revelou, foi um conjunto de imagens da manequim australiana Elle Macpherson em fato de banho.
Através das joias — longos brincos, pérolas, cristais e pregadeiras sobre os tecidos, pulseiras que trepam braço acima e até óculos usados como meros adornos — trouxeram a herança surrealista de Elsa Schiaparelli para a passerelle. A discrição não faz certamente parte do léxico da marca francesa. Em vez disso, é o sonho e a arte que a aproximam tanto da linguagem da alta-costura.
“E se as mulheres dominassem o mundo?”
Um desfile de alta-costura de Maria Grazia Chiuri para a Dior raramente é só mais um desfile. Em quase quatro anos à frente de uma das mais emblemáticas casas de alta-costura francesas, a designer italiana convocou artistas, cenógrafos, artesãos, escritores e pensadores, sempre para proporcionar algo mais, para induzir uma reflexão. A par disso, Chiuri ergueu a bandeira feminista desde o primeiro dia — alargou cinturas há décadas espartilhadas, estampou palavras de ordem em t-shirts brancas e aludiu, através da moda, à muitas vezes opressiva e castradora condição feminina.
“E se as mulheres dominassem o mundo?” — a pergunta surgiu bordada num grande estandarte de seda, ao fundo da passerelle. Ao início da tarde de segunda-feira, a Dior montou a sua própria sala de desfiles no jardim do Museu Rodin, um pavilhão insuflável que estará aberto ao público durante uma semana, com todos os estandartes criados para a apresentação. Chiuri colaborou com Judy Chicago, a artista feminista que, nos anos 70, desenhou a silhueta agora reproduzida pela grande estrutura branca. Em vez de sala de desfiles, a designer optou por chamar-lhe galeria. “Posso ter uma galeria com arte lá dentro e que também tem manequins a desfilar”, referiu, citada pelo The Guardian.
Para a coleção, Chiuri convocou uma série de referências greco-romanas, das sandálias rasas e dos drapeados, aos vestidos de alças e capas. Completou o arranjo com uma linha de fatos sofisticados — alguns alinhados com a alfaiataria masculina, outros compostos por blazer e saia ao estilo new look. Os bronzes e dourados predominaram.
Valli e a alta-costura aberta ao público
Em vez de um desfile à porta fechada, Giambattista Valli, que no passado mês de novembro lançou uma coleção em parceria com a H&M, montou uma exposição no Jeu de Paume, em Paris. As portas estão abertas a clientes, jornalistas e críticos, mas também a todos os curiosos que queriam espreitar as propostas de atelier do criador italiano para a próxima primavera. “Por vezes, o mundo da moda pode ser demasiado exclusivo, é bom torná-lo mais inclusivo. Acho que é bom poder ter as portas abertas às pessoas de Paris e poder partilhar a minha ideia de beleza italiana e de onde venho — especialmente numa altura como esta”, explicou Valli à revista Vogue.
A coleção em causa mais parece um sonho harmonioso de detalhes, técnica, cor e forma. O perfecionismo que trouxe Valli para Paris e o levou a aventurar-se no mundo da alta-costura está presente em cada um dos 34 coordenados expostos na Place de la Concorde, no centro da capital francesa, na forma de bordados, da aplicação de pedras, plumas e transparências, no balanço de padrões florais exuberantes e cores sólidas e na manipulação tecidos ricos e volumes.
Uma coleção com origem da paisagem da costa amalfitana, mas também nos grandes ícones de estilo das décadas de 60 e 70, entre eles Marella Agnelli, Lee Radziwill e Jackie Onassis. Antes de montar a exposição, Valli fotografou a coleção em estúdio. Os mestres Richard Avedon e Irving Penn influenciaram-no — ângulos, profundidade e uma lente olho de peixe. As imagens estão agora a correr as redes sociais.
Na fotogaleria, veja imagens das principais coleções apresentadas neste primeiro dia da semana de alta-costura, em Paris.