“A manter-se esta diretiva dificilmente a Senhora Procuradora-Geral da República terá condições para exercer o seu mandato”. E é por isso que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) quer “impugnar judicialmente” a diretiva de Lucília Gago que legitima a intervenção da hierarquia em processos concretos. O anúncio foi feito esta quinta-feira num comunicado em que o sindicato adianta que vai “recolher assinaturas junto de todos os magistrados do Ministério Público (MP)” para que a diretiva em causa “seja revogada”.

E estas não são as únicas medidas que o sindicato quer tomar. No comunicado, os magistrados solicitam também à presidente do Conselho Superior do MP — a própria PGR — o “agendamento da discussão do parecer” que deu origem a esta diretiva. Mais: o sindicato convoca ainda uma assembleia de Delegados Sindicais para avaliar o documento e pede ao presidente da mesa que realize uma assembleia-geral “com vista à adoção de formas de luta adequadas à gravidade da situação”.

Sem dúvida, a diretiva representa o maior ataque à autonomia dos magistrados alguma vez efetuado no regime democrático, entrando para a história do Ministério Público pelas piores razões. É a morte do Ministério Público democrático!”

A diretiva da procuradora-geral Lucília Gago — que surge da aplicação de um parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre a matéria — atribui aos superiores hierárquicos o direito de emitir “diretivas, ordens e instruções” concretas sobre determinadas diligências processuais, sendo que os procuradores titulares dos inquéritos apenas têm o direito de desobedecer no caso de uma “ordem ilegal” ou de “grave violação da consciência jurídica” — que terá de ser devidamente fundamentada pelo magistrado em causa, sob pena de sanção disciplinar.

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Ministério Público em guerra com diretiva de Lucília Gago que limita autonomia de magistrados

Desde logo, o sindicato diz que vê “com muita preocupação” o facto de o “Conselho Consultivo chancelar posições indefensáveis” — que, lê-se no comunicado, “neste caso se trata de um fato à medida de Tancos”.  O SMMP considera que esta diretiva entra “para a história do Ministério Público pelas piores razões” e “transforma os magistrados em marionetas”. “É a morte do Ministério Público”, lê-se ainda.

No comunicado, o sindicato considera que, na sua perspetiva e até agora, o inquérito conduzido pelo MP é “caracterizado por uma total transparência” e teme que isso venha a mudar. Isto porque, atualmente, em todas as investigações, “sabe-se quem dá as ordens ou as cumpre e quem pode ser responsabilizado pelo rumo ou resultado da investigação” uma vez que “as ordens hierárquicas no processo penal ficavam documentadas”.

O que a diretiva vem agora dizer é que não só os superiores hierárquicos podem interferir no rumo das investigações como devem fazê-lo de forma oculta e fora do processo próprio, o que é manifestamente ilegal”, defende o sindicato.

Os magistrados temem que, com esta diretiva, ninguém saiba “o que realmente se passará nas investigações criminais, pois algumas das decisões mais importantes serão tomadas num processo paralelo que ficará oculto algures num cofre”. “Noutros tempos ficaram bem conhecidos os célebres despachos referentes ao processo Face Oculta que foram escondidos na Procuradoria-Geral da República”, aponta.

A diretiva pretende instituir um sistema maquiavélico e cobarde em que quem dá as ordens fica na sombra e não as assume, deixando que o aparente titular da investigação acarrete com tal responsabilidade”, lê-se ainda.

O sindicato considera “gravíssimo” que a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, defenda “um sistema deste género”, que transforma o conceito de magistrado num “funcionário que se limite a cumprir ordens”. “Nem o Dr. Pinto Monteiro foi tão longe”, aponta, referindo-se ao antigo PGR, que exerceu funções entre 2006 e 2012.