Londres é a segunda paragem no roteiro das principais semanas da moda mundiais. Depois de Nova Iorque, a bússola aponta para a Europa, onde as maiores marcas e designers do momento vão continuar a apresentar as propostas para o próximo outono-inverno. Durante seis dias, a capital britânica viu desfilar os seus grandes nomes — Burberry, Emilia Wickstead, Roksanda e Vivienne Westwood –, criadores que conquistaram um lugar ao sol nos últimos anos, como é o caso de Simone Rocha, Christopher Kane e, mais recentemente, Richard Quinn, e ilustres convidados.
E talvez tenha sido Tommy Hilfiger o que mais tinta fez correr. O veterano da moda norte-americana trocou o habitual desfile em Nova Iorque por uma escapadinha até terras de sua majestade. Encheu a Tate Modern e convidou estrelas como Naomi Campbell, Georgia May Jagger e Alessandra Ambrosio para desfilar. No desfile, o criador apresentou na íntegra o resultado da colaboração com o piloto de fórmula 1 Lewis Hamilton — não faltaram o fatos-de-macaco, entre outras referências de sportswear, as gangas nem os blazers e trench coats mais clássicos, tudo isto embalado num ambiente de festa.
Menos badalados do que outrora, os portugueses Marques’Almeida voltaram a estar de pedra e cal no calendário londrino. A dupla como que remisturou todas as referências visitadas ao longo dos últimos anos (e já vão quase cinco desde que foram reconhecidos pela LVMH), um freestyle libertador inspirado pela série “Euphoria”.
Há, naturalmente, detalhes cunhados e que já fazem parte de uma linguagem própria, caso das gangas a desfiar, dos vestidos e tops de folhos assimétricos e até mesmo do casting composto por M’A girls, mas Paulo Almeida e Marta Marques incluíram mensagens e elementos novos nesta coleção — os volumosos casacos de pelo de cabra, um padrão elaborado pelo artista Paul Anderson Morrow, responsável por abrir o desfile, e a frase “It’s actually really important too” (Isto também é mesmo importante) estampada nas peças, a assinalar mais uma parceria, desta vez com a autora Louise Gray. A questão da sustentabilidade bate a todas as portas. A Marques’Almeida tem agora saias e vestidos feitos a partir de plástico recolhido do mar.
Roksanda Ilincic é uma das presenças mais constantes na passerelle londrina. Após 15 anos de um trabalho de volumes e cor, a sagração é mais do que merecida. Na primeira fila do desfile, que teve lugar no passado domingo, sentaram-se figuras como Cate Blanchett, Vanessa Redgrave e Billy Porter, entre outras — trio suficientemente inesperado para fazer da apresentação notícia, porém Ilincic e o seu bom método providenciaram o seu próprio brilharete, sem dependerem dos encantos de terceiros.
A instalação “No. 976 Net”, da artista Rana Begum pairou sobre as cabeças das manequins — um conjunto de redes coloridas em total harmonia com os coordenados. Os plissados e as manchas de cor desabrocharam à medida que a apresentação se desenrolou. Sedas, cetins, veludos e tafetás sucederam-se, chegando mesmo a abrir espaço para um coordenado composto por retalhos de excedentes de tecidos. Roksanda debruçou-se ainda sobre o expressionismo abstrato de Lee Krasner, uma abordagem à dualidade de preto e branco, mas sem perder rasto ao seu próprio jogo de formas.
Richard Quinn é o nome de uma ascensão meteórica no panorama da moda britânica. A sua apresentação de estreia no calendário oficial, há precisamente dois anos, levou Isabel II a assistir pela primeira vez a um desfile da Semana da Moda de Londres. O jovem criador recebeu ainda o primeiro Queen Elizabeth II Award for British Design, prémio entregue na última terça-feira pela princesa Ana à designer de joias Rosh Mahtani. Para Quinn, o batismo extraordinário foi só começo de uma escalada de sucesso — já vestiu Kendall Jenner, Amal Clooney, Cardi B e, mais recentemente, até a diva JLo apareceu num dos seus exuberantes padrões florais, na passadeira vermelha do festival de Palm Springs.
No último desfile, voltou a trazer toda a sua extravagância ao de cima, acrescentando às flores e ao látex novas peças bordadas com pérolas e cristais. A partir das costas de um casaco, a frase “God Save the Quinn” contagiou o espírito de toda a coleção, dos vestidos de gala volumosos aos estampados que cobriram totalmente o corpo das manequins. O seu método de camuflagem são já conhecidos em todo o mundo. O designer continua a aproximar-se da alta-costura, ao mesmo tempo que aumenta a oferta da sua marca. Pela passerelle passaram rapazes e raparigas, sinal de que o clã Richard Quinn está a crescer e a diversificar-se.
Passado e presente estiveram na mira de dois outros nomes incontornáveis da moda britânica. Um deles é Victoria Beckham, cujo guarda-roupa chique e usável trouxe um banho de realidade à fashion week. Sem volumes nem silhuetas aparatosas, a sobriedade do seu próprio estilo, repleta de detalhes inteligentes, foi transportada para a coleção do próximo inverno. Malhas de uso quotidiano, saias pelo joelho, fatos e sobretudos, peças em xadrez, camisas e mangas balão — Victoria não inventou nada, mas mostrou como gere na perfeição o que a moda tem ao seu dispor.
Enquanto isso, Cecil Beaton fez Erdem Moralıoğlu recuar até aos anos 20 e 30 do século passado. O criador trabalhou na coleção com Robin Muir, curador da exposição da National Portrait Gallery (que inaugura a 12 de março) debruçada sobre os primeiros trabalhos do fotógrafo britânico. O resultado é tão glamoroso como decadente, composto por brocados prateado, pérolas aplicadas, folhos, plissados, transparências, fatos e casacos cocoon.
Na hora de desenhar a coleção para o próximo inverno, Riccardo Tisci teve um grande desafio pela frente — garantir o apelo comercial e, ao mesmo tempo, dar continuidade a uma sensualização da histórica marca britânica, que jamais se poderá afastar demasiado das suas referências mais clássicas. Pelo que mostrou na última segunda-feira, no Kensington Olympia, a missão foi cumprida com sucesso. O xadrez saltitou de coordenado em coordenado, os recortes, os modelos cropped e os elementos de corseterie ganharam expressão nos corpos de Joan Smalls e Kylie Jenner, enquanto os blusões acolchoados e sweatshirts piscaram o olho à face mais volátil e impulsiva do consumo de moda de luxo.
Para colar tudo isto, Tisci encontrou uma única referência: Londres. “Foi o lugar onde aprendi a ser eu próprio. A memória desses tempos especiais foi o que influenciou esta coleção – desde os locais que visitei, as pessoas de que me rodeei e a música que me inspirou. É o lado da minha jornada pessoal que quero misturar com os códigos e linguagem que comecei a definir aqui na Burberry”, explicou o criador italiano, por ocasião do seu quarto desfile como diretor criativo da marca.
Com 40% das receitas a vir de clientes chineses, a Burberry atravessa um momento financeiro decisivo. O coronavírus não tem ajudado — a marca já teve de fechar mais de um terço das 64 lojas que possui em território chinês e de adiar indeterminadamente o desfile (muito semelhante a este de Londres) que havia marcado para 23 de abril, em Xangai. A isto soma-se uma quebra de 50% nas vendas em Hong Kong , registada no último trimestre de 2019, devido aos protesto anti-governo. A verdade é que por muitas supermodelos que Tisci leve para a passerelle — houve ainda Bella e Gigi Hadid e, claro, Irina Shayk, a Burberry continua a precisar de um empurrão.
Na fotogaleria, veja imagens dos principais desfiles que marcaram esta edição da Semana da Moda Londres. Em Milão, o calendário já arrancou, estende-se até dia 24 de fevereiro, dia em que Alexandra Moura regressa às passerelles internacionais.