A maior prova de que foi Michael Bloomberg, antigo mayor de Nova Iorque, o grande derrotado do debate democrata desta quarta-feira, em Las Vegas e a três dias das eleições no Nevada, não serão as dezenas de notícias publicadas nos Estados Unidos a dar conta disso; nem o tweet de Donald Trump a declarar a prestação como “provavelmente a pior da história dos debates”; nem sequer a súplica por mais tempo de antena que, a dada altura, o próprio multimilionário soltou, na direção dos moderadores: “Mas eu sou o quê, fígado de galinha?!”.
A maior prova de que Michael Bloomberg foi o grande derrotado deste que foi o seu primeiro debate, na corrida à nomeação democrata para as eleições presidenciais de novembro, saiu nada menos do que do seu gabinete, uma hora após a contenda, e em forma de declaração oficial à imprensa assinada pelo seu diretor de campanha. “Ele hoje estava só a aquecer. Esperamos que o Mike continue a desenvolver o desempenho desta noite”, escreveu Kevin Sheekey, à laia de “para a próxima corre melhor”.
Mini Mike Bloomberg’s debate performance tonight was perhaps the worst in the history of debates, and there have been some really bad ones. He was stumbling, bumbling and grossly incompetent. If this doesn’t knock him out of the race, nothing will. Not so easy to do what I did!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) February 20, 2020
Durante duas horas, o multimilionário, que já gastou 339 dos seus próprios milhões para financiar a campanha, foi atacado em todas as frentes pelos cinco adversários presentes no debate — a senadora do Massachusetts Elizabeth Warren; Bernie Sanders, senador do Vermont; o ex-vice-presidente de Barack Obama, Joe Biden; o também ex-mayor (mas de South Bend, pequena cidade no Indiana) Pete Buttigieg, e Amy Klobuchar, senadora do Minnesota.
Acusado de tentar “comprar a festa”, de acumular uma riqueza maior do que a dos 120 milhões de americanos mais pobres, de ter abusado da “abominável” política que em Nova Iorque dá carta branca aos agentes da autoridade para deterem, interrogarem e revistarem civis sem causa provável (o “stop and frisk”), e de maltratar e assediar as mulheres que trabalham para si, Michael Bloomberg foi tentando defender-se, muitas vezes sob ruidosas vaias do público presente e de forma muito pouco consequente.
“Não vamos acabar com esses acordos porque foram feitos consensualmente”, foi como respondeu a Elizabeth Warren depois de ela o ter descrito como “um bilionário que chama às mulheres gajas gordas e lésbicas com cara de cavalo” e de o ter desafiado a desobrigar as mulheres que para ele trabalharam dos acordos de confidencialidade que assinaram no âmbito de processos de assédio. “Vejam uma coisa, eu vou apoiar quem quer que seja o candidato democrata. Mas têm de compreender: nós, Democratas, vamos correr um risco enorme se nos limitarmos a substituir um multimilionário arrogante por outro“, rematou a senadora, em estilo “finish him“.
Já Pete Buttigieg, vencedor inesperado das primárias democratas no Iowa, cavalgou a mesma onda e aproveitou para atacar também Bernie Sanders, neste momento a encabeçar as sondagens, pelo caminho: “Podemos acordar daqui a duas semanas e a escolha ser entre um socialista que pensa que o capitalismo é a raiz de todos os males e um multimilionário que acha que o dinheiro deve ser a raiz de todo o poder”.
Questionado sobre a sua saúde e eventual capacidade para liderar a Casa Branca, três meses depois da cirurgia cardíaca a que foi submetido, Sanders, que antes das eleições de novembro completará 79 anos, deu o dito por não dito e, ao contrário do que tinha prometido, disse que afinal não vai divulgar novos registos médicos.
A verdade é que, por ter sido uma noite péssima para o magnata, proprietário da gigante Bloomberg LP (que já garantiu que vai vender se for eleito presidente), não significa que tenha sido um passeio no parque para os outro cinco candidatos à nomeação democrata. A imprensa americana descreve, aliás, o debate de Las Vegas como uma espécie de “salve-se quem puder” em que todos gritaram com todos, falaram para lá do estipulado pelo relógio e desobedeceram às regras dos moderadores. Joe Biden, salienta o Washington Post, foi apenas um dos que recorrentemente gritou “Deixe-me acabar!”.
Elizabeth Warren, que apesar de ir em terceiro na ainda longa corrida à nomeação tem caído nas sondagens, foi a mais combativa — ridicularizou o plano de saúde de Buttigieg, “Não é um plano, é um PowerPoint”; ainda mais o de Klobuchar, que reduziu à qualidade de “post-it”; e acusou a campanha de Sanders de “atacar toda a gente que faz uma pergunta ou tenta perceber os detalhes sobre como ele tenciona mesmo fazer as coisas”. Uma hora depois de o debate acabar, o seu gabinete fez saber que tinha valido a pena: nunca desde o início da campanha, a senadora do estado do Massachusetts tinha angariado tanto dinheiro.