Foi uma audição relâmpago — se compararmos com outras anteriores no Parlamento — com Graça Freitas a sentar-se um hora e meia com os deputados da comissão parlamentar de Saúde para responder a perguntas de forma direta e resumida, para que pudesse sair rapidamente para uma reunião no Ministério da Saúde. Em plena crise do Covid-19, a diretora-geral de Saúde foi até à Assembleia da República garantir que haverá reforços da linha de todas as críticas — a SNS24 — e para avisar que 80% dos casos vão ser ligeiros e, por isso, “muitas das situações têm de ser tratadas em casa”.

Já a preparar o futuro, fora da fase de contenção (agora os casos de infetados no país estão em internamento), Graça Freitas aponta para a necessidade de o ambulatório ser feito em casa e não nos hospitais, libertando-os dos casos mais ligeiros. E esses vão ser a maioria, disse na audição parlamentar, enquanto recomendava que cada um fosse o seu “próprio ambulatório. Muitas das situações têm de ser tratadas em casa. Cerca de 80% das pessoas têm infeção ligeira que pode ser resolvida em casa”, explicou aos deputados referindo-se aos dados que já se conhecem dos infetados pelo vírus SARS-CoV-2 que provoca a doença conhecida como Covid-19.

Sobre o sistema, Graça Freitas garante que a “adaptação é constante, é à hora, é ao dia” e também admite ser verdade que o país “tem de trabalhar para expandir os recursos. Mas os que temos hoje duplicaram ou triplicaram as suas horas de trabalho”, garante na mesma frase. Faz o mesmo sobre o caso mais crítico em Portugal desde que a epidemia provocou o primeiro caso em Portugal: a capacidade de resposta da Linha SNS-24. Foi assunto transversal a todos os partidos, que concentraram todas as questões numa única ronda para encurtar a audição.

No CDS, a deputada Ana Rita Bessa questionou Graça Freitas sobre os problemas registados no atendimento de chamadas, quando é para esta linha que o Governo e as autoridades de saúde tem reencaminhados os casos suspeitos e todas as dúvidas das pessoas. Paula Santos, do PCP, levantou o mesmo problema e também o deputado do BE Moisés Ferreira: “A linha de saúde 24 tem capacidade para 10 mil chamadas diárias, o que está a ser feito para aumentar essa capacidade e linha de apoio ao médico?”.

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A diretora-geral de Saúde acabou por responder na sua intervenção primeiro com elogios à linha que, garante, já ultrapassou o contrato de 10 mil chamadas por dia, indo além do contrato que estabelece essa meta: “Haja capacidade de resposta, depois logo se veem as questões contratuais”.

“O contrato era até 10 mil, mas foi possível acomodar mais”, disse aos deputados admitindo que num dia (ontem) a linha já chegou a ter cerca de 28 mil chamadas, um pico, tendo a linha conseguido atender 11 mil e que nos últimos dias “já houve melhorias”, disse admitindo os problemas. “Normalmente recebe 200 chamadas em simultâneo, ontem conseguiu atender 500 e hoje atingiu as 1200 em simultâneo, quer dizer que estão feitos grandes esforços”. Isto no dia em que se conheceu uma quebra no serviço, precisamente neste pico, segunda-feira, dia em que foram perdidas 15.693 chamadas — 621 desistiram nos primeiros 15 segundos; 15.072 desligaram após este período — valor acima das 10.940 chamadas atendidas.

Na segunda-feira, a linha SNS24 não atendeu mais de metade das chamadas

Além disso, Graça Freitas disse também que foi feito “um algoritmo mais rápido para o Covid-19. Mas tem de se ter cuidado com algoritmos que não podem ser feitos sem ciência”, avisou: “Para mudar um algoritmo temos de consultar muitos médicos e literatura”. Também haverá um “novo IVR [atendimento automático] que vai permitir a implementação de prioridades para a triagem do Covid. Assim, as pessoas que só precisam de informação podem ir à net. Quem só tiver dúvidas será canalizado para outro sítio”. Já os casos críticos serão reencaminhados para a linha de apoio.

Mas no final de tudo assumiu o reforço do número de enfermeiros envolvidos no trabalho desta linha, quando fez referência aos quatro call centers que “estiveram ativos em 1800 horas de produção e com 144 enfermeiros a trabalhar”.

Infarmed a gerir reserva de equipamentos de proteção individual

Moisés Ferreira, do BE, questinou-a sobre a reserva de medicamentos e sobre a sua utilização, mas foi sobre a reserva de equipamentos de proteção individual que Graça Freitas falou para garantir que está a ser gerida pelo Infarmed e que “só pode ser ativada em circunstâncias absolutamente extraordinárias e pontuais”.

No país, diz que há apenas um caso mais preocupante, entre os 41 infetados que se registam nesta terça-feira. E que há apenas dois sem “link”, ou seja, sem se perceber de onde veio a cadeia de infeção. Mas estão a fazer-se esforços para essa identificação. É uma tarefa de “detetive”, como descreveu, que está a ser cumprida pelos delegados de saúde regionais, como aconteceu, por exemplo, em Coimbra, onde “um senhor que estava infetado andou por vários eventos e o delegado de saúde regional de Coimbra fez esse apelo através da linha regional improvisada para responder a esta situação e identificar quem esteve em contacto com ele. Um serviço de detetive que também passa por isto. E temos de respeitar a identidade para também não se criar o estigma”, detalhou sobre o trabalho que é feito para identificar todos os que estiveram ligado à pessoa infetada.

“Não houve tempo para formação” de profissionais de saúde

Outra questão levantada pelos deputados foi a falta de formação dos profissionais de saúde para lidarem com um vírus específico. No CDS até foi apontado um “delay entre o primeiro caso conhecido do surto e a existência de um plano nacional de contingência”, um período em que se podia ter aproveitado para a tal formação, questionou Ana Rita Bessa.

Na resposta conjunta, Graça Freitas explicou que não houve tempo como aconteceu na Gripe A. “Foi possível formação, agora o que se orienta é que a partir das guidelines e dos mecanismos que já existem, localmente existam planos de contingência que privilegiem treino e formação de profissionais. Que seja feito a esse nível”, reforçou.

Ainda assim, existirão indicações gerais sobre o que se fazer no ramo da hotelaria e também nos lares de idosos. E a DGS está ainda “a pensar recorrer aos serviços da GNR, que tem excelentes serviços de proximidade com os idosos para continuarem a fazer esse trabalho junto da população de idosos que vivem sozinhos e que estão bem identificados”.

Além disso estão também, disse Graça Freitas, a “desenvolver planos de apoio personalizado em todos os distritos para os bombeiros, com o mesmo formato. Na sexta-feira vai haver ação específica concertada para os bombeiros”. Vão ser criadas orientações gerais também para a hotelaria e para os lares.

Por fim, uma recomendação fora da sua área, mas para as muitas perguntas que lhe chegam sobre a mesma situação: ” Devo pôr comida em casa?”. “Não devemos chegar a este ponto. Que cada um de nós recorra à horta de um amigo. Não açambarquem”, aconselha a diretora-geral de Saúde.