Apesar das palavras de Angela Merkel, que na semana passada não descartou a possibilidade de a União Europeia avançar para os “coronabonds”, este mecanismo — que permitiria emitir dívida conjunta entre os estados-membros para fazer face à nova crise — não passa ainda de uma miragem.

Vários países, como França, Itália ou Portugal, têm pedido que esta solução seja adotada para combater os efeitos devastadores da pandemia, mas diplomatas ouvidos pelo Financial Times dizem que este mecanismo “não foi discutido em profundidade” na reunião do Eurogrupo desta terça-feira, que juntou por videoconferência os ministros das Finanças da zona Euro. O que está em cima da mesa, para já, é a utilização do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o fundo que resgatou estados-membros, como Portugal, durante a crise do Euro.

No final da reunião, Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, escreveu na página do Conselho Europeu que “há um grande apoio para considerar uma rede de segurança para a crise pandémica com base num instrumento já existente do Mecanismo Europeu de Estabilidade”.

Esse mecanismo, o ECCL, que tem disponíveis 410 mil milhões de euros, permitiria emprestar aos países do Euro o equivalente a cerca de 2% do PIB de cada país. O recurso a esse mecanismo serviria como uma espécie de proteção face aos “humores” do mercado. Ou seja, os investidores, em princípio, cobrariam um valor aceitável pelos empréstimos aos estados-membros, porque saberiam que estes têm disponível uma alternativa a valores baixos.

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Sobre os “coronabonds”, no entanto, nem uma palavra de Mário Centeno neste texto. O ministros das Finanças português deixou claro, no entanto, que os estados-membros “estão comprometidos em explorar todas as possibilidades necessárias” para ajudar as economias europeias a ultrapassar “estes tempos difíceis”.

As fontes ouvidas pelo Financial Times dizem que a discussão dos “coronabonds” — como foram apelidados pela Bloomberg — tiveram vida curta na reunião depois de o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, ter avisado que não estaria disponível para um debate polarizado em torno da mutualização da dívida. O jornal britânico diz que não houve propostas concretas para a criação dos eurobonds e que a maior parte dos ministros centrou-se no Mecanismo de Estabilidade Europeu.

Em conferência de imprensa por videoconferência, após a reunião, Mário Centeno e o comissário europeu para os Assuntos Económicos, Paolo Gentiloni, não descartaram, contudo, a criação desse mecanismo. O comissário, citado pelo Financial Times, garante que essa ainda é uma possibilidade “entre várias ferramentas em cima da mesa” e que a discussão sobre o tema continuaria.

A posição do Governo português foi mais uma vez vincada, esta terça-feira, no Parlamento por António Costa. O primeiro-ministro disse que seria “simbolicamente muito importante poder haver uma emissão conjunta de dívida titulada por ‘eurobonds’ ou ‘coronabonds’, ou como lhe queiram chamar“ para “apoiar as necessidades de financiamento, mas também porque era uma mensagem política fortíssima que a Europa dava no seu conjunto a todo o mundo”.

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Esta hesitação em avançar para os “coronabonds” ocorre depois de Angela Merkel — que está em final de mandato — ter admitido como possível a emissão conjunta de dívida europeia para ultrapassar a crise. As surpreendentes palavras da chanceler alemã foram proferidas na reunião do Conselho Europeu extraordinário da semana passada, segundo a Bloomberg, depois de uma sugestão do primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Merkel diria depois aos jornalistas que pediu ao ministro das Finanças, Olaf Scholz, para estudar essa possibilidade. Para já, no entanto, não foi esse o caminho apontado na reunião do Eurogrupo desta terça-feira.

Até aqui, esta possibilidade, inspirada nos famosos “eurobonds” — que ganharam alguma força durante a crise do euro, mas que nunca passaram pelo crivo dos países do norte da Europa — sempre foram liminarmente rejeitados pela chanceler alemã.

A resposta europeia à crise do coronavírus tem sido dada em várias frentes. A Comissão Europeia já flexibilizou as regras fiscais do pacto de Estabilidade e admite agora, de forma temporária, ajudas de Estado a empresas em dificuldade. Lançou ainda um pacote de investimentos para ajudar os sistemas de saúde, as pequenas e médias empresas e o mercado de trabalho.

O BCE, por sua vez, pôs em cima da mesa uma “bazuca” de 750 mil milhões de euros para compra de ativos do setor público e privado.

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