Usar máscaras ou não usar? Esta que é uma das grandes questões da pandemia do novo coronavírus parece continuar sem ter resposta à vista. Esta segunda-feira, em conferência de imprensa, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou que serão publicadas novas indicações sobre a utilização generalizada destes equipamentos de proteção, mas isso não significa que a OMS esteja a mudar o discurso que defende desde o início: “As máscaras, só por si, não travam a pandemia. Não há preto e branco, não há ‘balas mágicas’.”
Nesse comunicado, Ghebreyesus afirmou que a OMS reconhece que “muitos países estão a recomendar a utilização”, mas avisa que é preciso ter cautela. Primeiro, porque a utilização na “população geral pode aumentar o risco de escassez de material” e isso faz com que se esteja a retirar máscaras a quem realmente precisa: “Em alguns sítios esta escassez já está a colocar profissionais de saúde em perigo.” Depois porque ainda “há poucos dados disponíveis” sobre a eficácia da utilização.
Ou seja, em poucas palavras, aquilo que a OMS está a querer dar a entender é que reconhece que alguns países possam querer instaurar a obrigatoriedade de uso de máscara mas que, se o fizerem, têm de estar conscientes dos perigos que isso acarreta — sendo a escassez de material para os profissionais de saúde, por exemplo, um dos maiores.
Em Portugal este debate também já dura há muito. Só nas últimas 24 horas já foram vários os avanços e recuos de autoridades governamentais e de saúde sobre este tema. Por muito que a tão falada “curva” portuguesa esteja a achatar, a pressão do público e de algumas autoridades parece começar a fazer com que a Direção-Geral de Saúde e o Ministério da Saúde comecem a repensar, no mínimo, a posição que defendem desde o início: máscaras só para infetados, suspeitos de estarem infetados, profissionais de saúde e pouco mais. Nada para a população geral. Foi assim o ramerrame das últimas horas.
Marta Temido, Ministra da Saúde; 5 de abril de 2020, 22h
No domingo, em entrevista em direto para a RTP, a ministra Marta Temido abriu um pouco mais o jogo sobre a política de utilização generalizada de máscaras. Quando questionada sobre a eficácia da utilização destes meios de proteção individual como forma de prevenir o contágio pelo coronavírus, Marta Temido explicou que é preciso “seguir aquilo que é a melhor recomendação do momento” e, à semelhança do que tem vindo a dizer, “nesta altura, para pessoas sem sintomas não é recomendável o uso da máscara.” Porém, algo mudou: a ministra da Saúde sublinhou que o Governo está “a equacionar uma alteração possível — possível — do contexto em que uma necessidade de uma maior circulação social possa ser adequadamente mais protegida de máscara“.
Também à semelhança do que tem vindo a defender, a ministra explicou ainda que as decisões devem ser tomadas consoante a evolução do conhecimento científico: “O que sabemos é que o que tomávamos por certo evolui, tudo acontece de forma dinâmica. O que decidimos hoje é com base na maior evidência que os técnicos nos dão mas temos de ter a adaptabilidade suficiente”, afirmou. Ou seja, parece estar a surgir um repensar dos critérios de utilização.
Ordem dos Médicos; 6 de abril de 2020, 9h
Uma nova semana acabara de começar quando a Ordem dos Médicos (OM) enviou um comunicado às redações no qual pedia à Direção-Geral de Saúde que revisse os critérios para uso universal das máscaras de proteção individual pelos profissionais de saúde e pela população em geral. Rever e operacionalizar, com urgência, “sobretudo nos espaços públicos onde a distância de segurança seja mais difícil de manter”, lê-se numa notícia da Agência Lusa sobre o assunto.
O gabinete de crise da OM dizia também que o Governo precisava de “assegurar o fornecimento ininterrupto “dos equipamentos de proteção individual indispensáveis à segurança de quem cuida dos portugueses, dos profissionais de saúde e outros profissionais expostos ao exercício das suas funções (forças de segurança, bombeiros e cuidadores)”.
Graça Freitas, Diretora-Geral de Saúde; 6 de abril de 2020, 13h
Na conferência de imprensa diária que serve de ponto de situação à evolução da pandemia em Portugal, Graça Freitas foi a pessoa que se seguiu na roda viva de declarações sobre as máscaras. Na noite anterior, Marta Temido tinha revelado o pedido que constava no tal parecer ao coordenador do Programa Nacional de Prevenção e Luta contra as Resistências Microbianas: equacionar “o uso mais amplo de máscaras”. Ou seja, sugeria a ideia de que a recomendação para uso de máscaras iria ser alargado a toda a população. Mas Graça Freitas tombou o balde de água fria.
“Continuamos alinhados, à data – sublinho, à data – com as recomendações da Organização Nacional de Saúde” e do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) que, como se tem percebido, não abona a favor da extensão dos critérios de utilização de máscara, devendo estas ser reservadas apenas para pessoas infetadas e profissionais de saúde. Não deixa de ser real o pedido de parecer pedido pela ministra e por isso, ainda durante esta semana, podem surgir novas orientações nesta temática.
Governo Regional da Madeira; 6 de abril de 2020, 18h
Depois de a ministra da Saúde ter mostrado abertura para uma eventual reavaliação dos critérios, da Ordem dos Médicos ter defendido o mesmo, a DGS carregou nos travões ao ressalvar que, por enquanto, tudo fica na mesma… Menos na Região Autónoma da Madeira.
“Estamos a preparar a região e a conceber numa primeira fase termos — o Governo da região — cerca de 250 mil máscaras para uso corrente da população“, revelou em conferência de imprensa Miguel Albuquerque, responsável máximo pela governação desta região autónoma. Ora o Governo da Madeira quer toda ter toda a sua população a usar máscara — contrariando as direções da DGS — e até admite vir a decretar o “uso obrigatório” deste equipamento de proteção individual no futuro, quando as restrições à circulação de pessoas forem suavizadas.
O presidente da Região Autónoma da Madeira, Miguel Albuquerque, disse que já foram investidos “cerca de oito milhões de euros” em material para o combate ao novo coronavírus e explicou que o objetivo passa mesmo por alargar rapidamente a utilização de máscaras faciais à população em geral.
Defende que estas “máscaras de uso corrente para a população” são “muito menos sofisticadas” do que as usadas por profissionais de saúde e doentes infetados, “mas são feitas segundo os padrões e recomendações da Direção Regional de Saúde, segundo um modelo adotado em termos internacionais” — e serão reutilizáveis. Esta parte do “reutilizáveis” pode ser problemática já que a maioria das máscaras não tem esta características (as cirúrgicas, por exemplo), garantiram ao Observador especialistas no assunto.
Nestes países europeus, usar máscaras de proteção tornou-se obrigatório
O Presidente da Região Autónoma da Madeira explicou que já “foram adquiridas cerca de 40 mil máscaras” para utilização por profissionais de saúde e doentes com Covid-19. Já sobre estas máscaras para “uso corrente”, explicou: “A maioria está a ser fabricada aqui na região. É um objetivo termos a população com cobertura quase total destas máscaras, que podem ser reutilizadas também. Algumas delas até vamos pedir [apoio] àqueles que possam fazer as máscaras em casa. Vamos distribuir um pequeno vídeo onde se ensina a fazer as máscaras, qual o material a ser utilizado e quais os padrões que estão em consonância com aquilo que é recomendado pela Direção e autoridades de saúde”.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República; 6 de abril de 2020, 19h
Marcelo Rebelo de Sousa, depois de já ter comentado que quando vai às comprar usa máscara e luvas, falou em conferência de imprensa esta segunda-feira para redirecionar a questão aos técnicos e cientistas. Quando questionado sobre qual seria a sua opinião sobre o tema, o Presidente da Republica disse apenas: “Não vou entrar naquilo que é uma decisão científica e técnica. Compete às autoridades sanitárias, nacionais e internacionais, decidirem em que casos e situações, e com que amplitude se deve efetuar esse tipo de decisão. Se houver obrigatoriedade de uso em forma generalizada, usarei, se não houver e for só em situações de risco, acederei com entendimento.”
Toda a situação das máscaras e este vai e volta parece não ter fim. Por mais desenvolvimento que vá havendo, no fim do dia — quase literalmente, neste caso — não há decisões concretas ou solidamente sustentadas. As entrelinhas desta indecisão parece demonstrar algum receio das autoridades responsáveis e tomar uma decisão: por um lado, decretar que todos devem usar máscara pode levar a uma escassez brutal que afetará as pessoas que realmente precisam delas; por outro, se não se incentivar esse tipo de uso pode-se estar a limitar a capacidade de contenção do vírus.