Os números oficiais ainda não são conhecidos, mas todos antecipam um regresso em força do desemprego, na sequência da paragem forçada de parte da economia a partir da segunda quinzena de março. O Governo já aprovou várias medidas de apoio ao emprego, que, inclusivamente, foi alterando para responder às falhas das primeiras respostas — ainda esta segunda-feira o recurso ao lay-off simplificado foi alargado a sócios-gerentes e a trabalhadores independentes que tenham sofrido uma redução de mais de 40% do rendimento.

Já a situação dos advogados que não descontam para a Segurança Social e que, por isso, não têm acesso a apoio do Estado, ainda está por acautelar.

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Não obstante a preocupação do Governo em evitar perdas de emprego, já há muitas denúncias sobre despedimentos, corte de postos de trabalho e não renovação de contratos por parte de várias empresas, que chegaram ao Bloco de Esquerda. O partido decidiu criar um site para recolher e divulgar estes casos: o despedimentos.pt.

O dirigente do BE, José Soeiro, fez esta terça-feira um balanço das situações que foram reportadas a este site através de uma intervenção em direto por vídeo, que pode ser consultada no site esquerda.net.

Desde 25 de março e até hoje, em três semanas, foram recebidas 800 denúncias de eventuais abusos nas relações laborais por parte de empresas que terão afetado cerca de 80 mil pessoas, de acordo com o relatório divulgado esta terça-feira no site esquerda.net. As situações denunciadas, muitas noticiadas, foram validadas pela equipa que coordena este levantamento, referiu ao Observador José Soeiro. Algumas das respostas remetidas pelas empresas, acrescenta, não confirmam a visão apontada pelo colaborador quando está em causa, por exemplo, um acordo de rescisão forçado.

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Quase metade, 45%, dos casos reportados têm a ver com a perda do posto de trabalho, mas há outras situações denunciadas como as férias forçadas, a falta de condições de segurança e higiene no trabalho, a recusa do teletrabalho, e até casos de empresas que dizem ter entrado em lay-off e que isso significa não pagar salário ou exigir a prestação laboral normal. 40% das queixas vieram do distrito de Lisboa e 15% do Porto.

Cerca de 25% das denúncias recebidas dizem respeito a trabalhadores em situação precária.

Dispensa dos trabalhadores em período experimental do contrato, o que não necessita de fundamentação, nem dá direito a compensação. Esta foi a primeira estratégia seguida por várias empresas na primeira “vaga” da pandemia, algumas delas, aliás, foram notícia, como a TAP. Mas segundo José Soeiro a situação também se verificou em outras empresas, como o call center da Altice, as lojas Zara, FNAC, Lacoste e a produtora Endemol, no caso da equipa técnica que ia trabalhar no programa Big Brother para a TVI, entretanto adiado.

José Soeiro recorda que uma das medidas contestadas pelo Bloco na última revisão do Código do Trabalho foi precisamente o prolongamento deste período à experiência para trabalhadores à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração.

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Fazer caducar contratos a prazo. Trabalhadores que não viram os seus contratos a prazo renovados. Esta situação também foi notícia na TAP, terá afetado mais de 100 pessoas, mas chegaram denúncias de outras empresas de um leque muito variado da atividades, desde a indústria [Continental Mabor, Cabelte, Tyco Eletronics] aos serviços [SIBS, Cetelem, Teleperformance], retalho [são referidas várias cadeias do grupo Inditex que fechou as mais de 300 lojas no país], turismo e restauração e transportes.

Trabalhadores temporários e em regime de outsourcing. Também foram das primeiras “vítimas” da perda de trabalho na paragem da atividade. O relatório refere os casos de uma fábrica da Roca em Leiria que dispensou cerca de 300 trabalhadores que tinham sido contratados às empresas Adecco e Manpower, que oferecem serviços de trabalho temporário. Os contratos foram dispensados na sequência de a empresa ter recorrido ao mecanismo de lay-off para os efetivos. O outro caso destacado é o da empresa de handling Groundforce que terá dispensado quase mil trabalhadores que prestaram serviço regular antes de recorrer ao lay-off para os cerca de 2.400 funcionários.

São casos de empresas que depois de despedirem os trabalhadores em situação precária vão recorrer aos apoios do Estado para financiar os empregados que têm vínculo.

José Soeiro recorda que a disposição no regime do lay-off que impede as empresas beneficiárias de despedir não se aplica aos trabalhadores precários, nem aqueles que já perderam o emprego e defende que o Governo deveria ir mais longe nas medidas de proteção ao emprego que são financiadas pelo Estado. Reconhece também contudo as dificuldades financeiras das empresas neste momento, assinalando que o seu partido defende transferências financeiras diretas do Estado para as PME (Pequenas e Médias Empresas).

Recibos verdes e “falsos recibos verdes”. Mais de cem mil trabalhadores independentes pediram apoios por quebra de atividade, mas o apoio a que terão direito será muito mais baixo e alguns destas pessoas podem não cumprir as regras exigíveis, como o período mínimo de descontos exigível. O Governo já alterou as regras no sentido de permitir um apoio financeiro até ao salário mínimo e que contemple também trabalhadores que tendo tido quebra forte da atividade mantenham algum rendimento. Nesta situação, o relatório destaca dois casos: os trabalhadores dos serviço educativo da Fundação Serralves e os formadores do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), uma instituição pública que deveria dar o exemplo, sublinha José Soeiro.

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Cerca de 20% das denúncias que chegaram ao site despedimentos.net apontam para despedimentos de trabalhadores com vínculo que terão sido confrontados com encerramentos das empresas ou com acordos “forçados” de rescisão do contrato. As situações relatadas ocorreram nos setores de restauração e hotelaria, mas também na área da comunicação e indústria.

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Neste quadro é destacada a situação do Porto de Lisboa, no qual a pandemia apanhou um conflito laboral, uma greve que veio a dar origem a uma requisição civil, que os trabalhadores dizem não poder cumprir por causa da insolvência, que alegam ser fraudulenta, da empresa de trabalho portuário.

Entre as denúncias recebidas estão ainda o gozo forçado dos dias de férias, situação que se terá verificado numa multiplicidade de empresas desde o setor da indústria, até aos serviços e transportes públicos. A lista é longa e inclui por exemplo, a cadeia McDonalds, o grupo Transdev, Trofa Saúde, Renault de Cacia e a Bosh Car de Braga. Outro aspeto que suscita preocupação é a ausência de condições de segurança e saúde pública, nomeadamente de proteção individual em setores como a construção civil ou os call centers, onde também foram reportadas resistências em colocar os trabalhadores em situação de tele-trabalho.

O dirigente do Bloco alerta ainda para a falta de meios da Autoridade das Condições do Trabalho para fiscalizar toda esta situação, não obstante o reforço de poderes legais e de meios humanos consagrado recentemente na legislação de resposta às medidas de combate ao Covid-19. E recorda os 80 novos inspetores anunciados no ano passado ainda não entraram nesta entidade.