O primeiro-ministro foi esta manhã (sexta-feira) entrevistado por Manuel Luís Goucha, no programa “Você na TV”. António Costa projetou o futuro do país, do impacto do surto na economia portuguesa a uma eventual segunda vaga de Covid-19, mas não sem antes deixar bem claro que é cedo para falar em levantar o estado de emergência.
“Seria um sinal errado para o país levantar o estado de emergência. É o momento mais difícil, em que os sinais da fadiga e os custos das restrições se começam a sentir de forma mais dura”, assinalou o primeiro-ministro durante a entrevista. Em prática, a proibição de circulação entre concelhos é a única medida que perde efeito após a época pascal, tudo o resto permanece em vigência, pelo menos, até dia 17 de abril.
“Não há um consenso na comunidade cientifica e isso dificulta a vida a que tem de tomar decisões”, comentou Costa. “O otimismo não prescinde do realismo. Temos de percorrer este túnel e quanto mais disciplinados formos agora mais depressa chegamos ao fundo do túnel”, continuou.
Quanto às incertezas em relação ao timing do pico (ou do planalto) da curva da pandemia em Portugal, António Costa voltou a reforçar o papel dos cidadãos no cumprimento generalizado das normas de distanciamento social.
“Temos tido um aumento de 6% nos últimos dias, é momento de perceber se já chegámos ao planalto. Mas também é um período crítico, não podemos estragar o que já conseguimos. Quanto tempo falta? Não sei dizer, ainda não vi um consenso entre os epidemiologistas”, concluiu.
Uma entrevista que terminou com votos de uma Páscoa diferente do habitual e chutou as perspetivas de total regresso à normalidade para daqui a dois anos. No que toca às restrições impostas, Costa reforçou que “se o fizermos bem, a próxima Páscoa vai ser já seguramente diferente e a Páscoa do ano a seguir, onde até lá havemos de contar com vacina e com terapia, já será a Páscoa de sempre”.
Costa pessimista: nova vaga pode chegar em setembro
O primeiro-ministro afirmou ainda estar pessimista quanto à possibilidade de uma nova vaga de Covid-19 em setembro, em consequência do gradual levantamento das medidas de restrição. Nesse sentido, os reforços do Serviço Nacional de Saúde parecem, no discurso de Costa, não ter abrandamento à vista. “Estamos a duplicar o número de ventiladores”, indicou.
António Costa revelou não ter sido ainda testado ao novo coronavírus. Confrontado com a afirmação que de Portugal não dispõe de testes suficientes, o primeiro-ministro respondeu: “É verdade, porque à escala global esses testes falham”. Porém acrescentou: “O Instituto de Medicina Molecular [IMM] da Universidade de Lisboa conseguiu criar um mecanismo de teste alternativo e fizemos uma parceria com eles para poder estabelecer uma rede com as universidades e politécnicos de todo o país e poder multiplicar essa capacidade pelo país. O IMM sozinho só consegue fazer 300 testes por dia”.
Sobre outras falhas no que toca aos materiais de diagnóstico, António Costa indicou que já estão a ser produzidas zaragatoas em solo nacional, porém ainda não existe em Portugal fora de fabricar os reagentes para os testes, os elementos em maior falta por estes dias. Nesse aspeto, o país continua a procurar fornecimento pela via internacional.
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Questionado, em direto, sobre uma possível revisão das carreiras dos enfermeiros, Costa indica que foi feita uma revisão na anterior legislatura. “Restabelecemos a essência de três níveis diferentes — enfermeiro, enfermeiro especialista e enfermeiro coordenador. Fizemos essa revisão”, explicou.
Uma outra questão que veio de fora do estúdio foi a de uma familiar de uma doente oncológica em relação à segurança destes pacientes. O PM esclareceu que ninguém está a ser submetido a quimioterapia sem fazer primeiro o teste ao novo coronavírus e que os tratamentos de radioterapia estão suspensos. Além disso, garantiu que não existem casos de Covid-19 internados no Instituto Português de Oncologia.
“Espero que a austeridade não entre de novo na vida dos portugueses”
Em relação à crise económica que, ao que tudo indica, se estenderá para além da crise sanitária, António Costa reforça as medidas tomadas para salvaguardar a economia e refuta os paralelismos com a crise de há dez anos.
Espero que a austeridade não entre de novo na vida dos portugueses”, reagiu. “Há dez anos, havia um problema das finanças do Estado. Agora há uma crise de saúde que afetou a economia. Só se falharmos na economia é que haverá problemas nas finanças do Estado”, admitiu.
Costa reforçou o conceito de esforço tripartido entre Estado, empresas e famílias no apoio excecional proposto pelo Governo, em que os trabalhadores passam a receber apenas dois terços do salário, um pago pela entidade empregadora e o outro pela Segurança Social. Manter as empresas foi a prioridade que o PM ressalvou.
Sobre a particular situação da cultura, António Costa reafirmou o compromisso do Governo em apoiar os profissionais do setor.
O que o Estado fez foi manter os espetáculos que já estavam contratados. Não rompemos os contratos que já tinham sido feitos”, afirmou, indicando ainda que muitas autarquias do país adotaram o mesmo procedimento.
O primeiro-ministro comentou ainda o cancelamento do TV Fest, festival que mobilizaria mais de 120 artistas e um orçamento de 1 milhão de euros.
O Ministério da Cultura lançou uma iniciativa que foi mal recebida, sinceramente ainda não percebi porquê. [A iniciativa] visava precisamente começar a multiplicar a contratação de pessoas”.
Nas medidas ao dispor destes profissionais, salientou as já anunciadas linhas de crédito com garantias estatais disponibilizadas pelos bancos.
A banca tem de retribuir ao país o enorme esforço que o país fez para recuperar a banca. Os bancos têm vindo a ser sensibilizados. Eu próprio já pedi ao Banco de Portugal para fazer a supervisão destes créditos [para ver] se estão a ser cumpridas essas condições”.
Europa: “Ou saímos disto todos ou ninguém sai sozinho”
Tem de haver mais do que solidariedade, isso é quando há um problema num único país. Aqui, é uma questão de um choque que vem de fora e que nos atingiu a todos por igual. Ou saímos disto todos ou ninguém sai sozinho”, assinalou a propósito da a estratégia de resposta à crise por parte da União Europeia.
“O Governo alemão tem tido uma posição muito construtiva. Do holandês não posso dizer o mesmo, mas também não vou culpar os holandeses pelo ministro que têm. A Holanda é dos países que mais sobrevive do mercado interno, não percebe que enfrentarmos esta crise que atinge todos é a condição fundamental para reabrir o mercado interno”, declarou, na sequência das duras críticas que dirigiu há cerca de uma semana ao ministro das Finanças holandês.
Quanto às dificuldades em encontrar uma resposta europeia concertada à crise, e entre saudações a Mário Centeno, o PM identificou o Conselho Europeu como a origem desse problema. “Não temos tido problemas nem com a Comissão nem com o Parlamento Europeu. O problema tem estado no conselho e em alguns estados membros”, rematou.