À pergunta sobre quem paga a conta de um paciente com Covid-19 internado num hospital privado, a ministra da Saúde respondeu categoricamente com uma segunda questão: “Quem é que pagaria antes?”. Na conferência de imprensa da Direção-Geral da Saúde realizada este sábado, Marta Temido foi questionada sobre o facto de portugueses infetados pelo novo coronavírus estarem a ser obrigados a pagar as contas dos hospitais privados.

“Temos de ser muito racionais relativamente a esse tema”, começou por alertar a ministra, que fez referência a uma articulação bem sucedida, levada a cabo desde o início do surto em Portugal, com os parceiros do setor privado. Neste contexto, Marta Temido informou ter homologado esta semana acordos de adesão, “mecanismo preferível à eventual necessidade de requisição”, garantindo assim a prestação de cuidados de saúde por parte de entidades privadas em articulação com o Serviço Nacional de Saúde.

Agora, as entidades que operam no setor privado podem, se assim o entenderem e desde que haja necessidade confirmada pelas entidades hospitalares e pelas administrações regionais de saúde, integrar a resposta à Covid-19″, esclareceu a ministra.

Quanto à assistência que tem sido prestada por hospitais privados “aos seus próprios doentes”, Marta Temido considera ser “uma coisa diferente”. Segundo confirmou a Agência Lusa após a conferência de imprensa, os custos associados ao diagnóstico e tratamento dos doentes são assegurados pelo Estado sempre que as pessoas forem encaminhadas pelo SNS, mas não se procurarem por iniciativa própria os privados.

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“O que ninguém entenderia certamente é que o Serviço Nacional de Saúde, de um momento para o outro, fosse também responsável financeiramente por aquilo que tem sido o atendimento dos utentes que, por sua livre vontade, escolheram dirigir-se a um prestador privado”, afirmou a ministra da Saúde durante a ronda de perguntas no final da conferência de imprensa. “Sempre dissemos que a porta de entrada é a linha SNS 24. Não faria sentido que utilizássemos agora um entendimento diferente”, rematou.

As justificações de Marta Temido surgem no mesmo dia em que o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda questionou o Ministério da Saúde sobre a existência de algum tipo de acordo com os hospitais privados que preveja que o Estado fique responsável pelo pagamento de todas as despesas de doentes com Covid-19.

Covid-19: BE quer saber se há acordo com privados para Governo pagar todas as despesas

A intervenção surge depois da reportagem transmitida pela SIC, na passada sexta-feira. De acordo com o partido que questionou o Governo esta manhã, “os grupos Lusíadas Saúde e Luz Saúde admitiram cobrar ao Serviço Nacional de Saúde todas as despesas relacionadas com doentes covid, independentemente de serem doentes encaminhados pelo SNS, de irem ao hospital privado por sua opção ou de serem beneficiários de seguros ou subsistemas com acordos com estes hospitais”, cita a Agência Lusa.

Novo edifício de ambulatório do Hospital Lusíadas Lisboa, 11 de novembro de 2014. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

© António Cotrim/LUSA

“É necessário um esclarecimento inequívoco do ministério sobre este assunto”, indicou o deputado Moisés Ferreira, que acusou ainda as entidades privadas em questão de pretenderem “fazer da epidemia a nova fonte geradora de receitas”.

O primeiro anúncio por parte dos hospitais privados em como estão disponíveis para receber e tratar pacientes infetados pelo novo coronavírus, de forma a aliviar o Serviço nacional de Saúde, data de 24 de março. Na última semana desse mesmo mês cinco hospitais privados foram ativados para apoiar o SNS, com uma capacidade total de 330 camas. Na passada quarta-feira, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada dava conta de 129 infetados e de quase 3.900 casos suspeitos recebidos em hospitais privados.

Mais de 160 mil testes realizados e 1.849 profissionais de saúde infetados

Portugal contabiliza, até este sábado, 470 mortos e 15.987 casos confirmados. Segundo a ministra da Saúde, a taxa de letalidade por Covid-19 situa-se, neste momento, nos 2,9%, contudo subiu para os 10,6% na população com mais de 70 anos. Nesta última conferência de imprensa, houve ainda tempo para esclarecimentos quanto discrepância entre o número de testes positivos e a quantidade de casos de infeção confirmados pelo boletim da DGS.

Um caso confirmado poderá corresponder a mais do que um teste positivo. O critério de cura é aferido pela realização de dois testes e se uma pessoa for testada várias vezes porque já não tem sintomas mas demorar até ter o seu caso confirmado o seu teste conta”, explicou Marta Temido.

Desde o dia 1 de março, foram realizados 161.475 testes de diagnóstico ao novo coronavírus, dos quais 17.893 foram positivos, numa média de 9 mil testes por dia. A ministra revelou outros dados: 8 de abril foi o dia em que foram feitos mais testes, 10.715. 53% desses exames foram realizados nos laboratórios públicos, acrescentou a ministra, que divulgou ainda a sua distribuição pelo país: 53% no Norte; 24% no Centro; 27% na região de Lisboa e Vale do Tejo; 1% no Alentejo; 1% no Algarve; 2% nos Açores, e 1% na Madeira.

Sobre o acesso a dados sobre os doentes infetados para fins de investigação, Marta Temido garante que essa informação, de forma anónima, como é exigido por lei, já estava a ser disponibilizada a quem a solicitasse, sendo que ontem foi criado um formulário de acesso a dados no site da DGS.

Mesmo que todos estejamos a viver tempos de exceção, a proteção de dados e a ética na investigação têm, obviamente, de ser garantidas”, concluiu.

Esta manhã, a ministra da Saúde esclareceu ainda que os detidos por violarem o dever de isolamento não serão presos mas “reconduzidos aos seus domicílios”. Sobre a distribuição de testes, referiu que, à exceção de hospitais como o São João, no Porto, que têm “envios dedicados”, essa divisão é feita pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e pelo Infarmed “de acordo com a necessidade manifestada por cada região”, sendo depois os testes e restantes materiais redistribuídos pelas administrações regionais de saúde.

A diretora-geral da Direção-Geral da Saúde (DGS), Graça Freitas, durante a conferência de imprensa de atualização de informação relativa à infeção pelo novo coronavírus (covid-19), no Ministério da Saúde, em Lisboa, 11 de abril de 2020. Portugal regista hoje 470 mortos associados à covid-19, mais 35 do que na sexta-feira, e 15.987 infetados (mais 515), indica o boletim epidemiológico divulgado pela Direção-Geral da Saúde (DGS). MÁRIO CRUZ/POOL/LUSA

© MÁRIO CRUZ/LUSA

No habitual balanço diário da pandemia em Portugal, Graça Freitas atualizou os números dos profissionais de saúde infetados — 488 enfermeiros, 276 médicos e 1.085 entre outros profissionais do setor, num total de 1.849 casos sinalizados.

Com mais de 80% dos infetados a recuperar em casa, a diretora-geral de Saúde referiu-se de forma otimista à evolução do número de paciente em cuidados intensivos, assinalando a “percentagem relativamente baixa” do boletim deste sábado — 233 num total de 1.175 pessoas atualmente hospitalizadas.

Questionada sobre os testes sorológicos, Graça Freitas afirmou que o estudo piloto continua a decorrer. “Está a ser definido: qual o tipo de amostra, o tipo de teste, como vão ser os testes e como vai ser aferido o nível de anticorpos”, indicou. Os critérios a que irá obedecer a administração dos testes estão também a ser preparados. Esclareceu ainda que, depois deste estudo piloto, podem ser necessárias novas avaliações, com o pretexto de ser uma nova metodologia, que “não sabemos como vai reagir”. A amostra da população que será submetida aos testes de imunidade será aleatória, segundo Graça Freitas.