O novo coronavírus já tinha entrado no léxico comum da Europa a 11 de março mas, cinco semanas depois, ainda se conseguem perceber as diferenças substanciais entre aquilo que era apenas descrito como um surto e algo que se tornou há algum tempo numa pandemia global com efeitos devastadores a todos os níveis na sociedade. E há mais um jogo da Liga dos Campeões a ser apontado como foco de propagação da Covid-19. Um jogo, agora o Liverpool-Atl. Madrid que, recuando essas cinco semanas, já tinha outros pontos de reportagem que mereciam atenção.

O jogador que mais preocupações tem com a saúde eliminou o campeão europeu na noite marcada pelo coronavírus em Anfield

Recuando ao dia em que o campeão europeu em título foi afastado em Anfield pela equipa de João Félix, as (raras) pessoas que usavam máscara nas bancadas entraram de forma intuitiva na ótica dos repórteres fotográficos que estavam presentes no estádio e também a chegada dos cerca de 3.000 adeptos colchoneros foi acompanhada com especial enfoque pelas câmaras televisivas, face à tentativa de isolamento desse aglomerado na caixa de segurança que foi feita pelas autoridades inglesas. No final, tudo isso pode não ter sido suficiente.

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“Será interessante perceber no futuro, quando toda a ciência fizer a sua parte, que relação existe entre os vírus que circulam em Liverpool e os vírus que circulam em Espanha”, admitiu em conferência de imprensa, citada pela BBC, Angela McLean, consultora científica do governo britânico que considerou a teoria de propagação nesse jogos como uma “hipótese interessante”. Uma opinião que vai ao encontro de muitas outras que já tinham sido veiculadas por especialistas como Matthew Ashton, diretor de saúde pública de Liverpool, em declarações ao The Guardian. “Não foi correto deixar que acontecesse o jogo. Não tomamos más decisões de propósito, talvez ainda não tivéssemos compreendido a seriedade da situação. Nunca o saberemos, mas o jogo com o Atlético pode ter sido um dos eventos e momento de aglomeração que influenciou a propagação do vírus na cidade”, defendeu.

Ainda no final de março, Joe Anderson, líder da cidade de Liverpool, tinha criticado o governo britânico por ter permitido que o encontro se realizasse. “Infelizmente a decisão não foi minha e temos de lidar com o presente e não com o passado. Discutimos na altura que era muito estranho que se permitisse que os adeptos do Atlético viessem de Madrid para Inglaterra quando nesse dia já não poderiam entrar no seu próprio estádio. O governo não tomou ações firmes de forma célere, ficaram renitentes em tomar decisões que pudessem preocupar as pessoas ou afetar a economia ao mesmo tempo. O certo é que Liverpool está a entrar num pico”, disse ao Liverpool Echo.

Anfield teve então mais de 52 mil espetadores (casa cheia), com cerca de 3.000 adeptos da equipa visitante. Nesse mesmo dia, em Espanha, já tinha sido anunciada a decisão de fechar escolas e que a jornada do fim de semana iria ser disputada à porta fechada. Em Inglaterra, as medidas de confinamento não iriam demorar mas aconteceram só uns dias depois. O cenário nos números, esse, era incomparavelmente mais baixo: se em Espanha o número de novos casos a 11 de março era de 582, que subiram para mais de 2.000 apenas dois dias depois, o Reino Unido tinha apenas 77 novos casos, que passaram para 208 48 horas depois. Nessa altura também, nenhuma das 11 mortes tinham sido em Liverpool; hoje, 246 pessoas morreram em hospitais da cidade vítimas da Covid-19.

Antes, mais dois jogos da Liga dos Campeões tinham sido apontados como focos de propagação do contágio. Em Itália, na cidade de Milão, a receção da Atalanta ao Valencia que levou cerca de 40.000 pessoas a sair de Bérgamo para acompanhar o encontro da sua equipa foi catalogada pelo presidente da cidade, Giorgio Gori, como “uma bomba biológica”. “O estádio estava cheio e depois a festa continuou nos bares. Se o vírus já circulava, essas pessoas ficaram infetadas. Ninguém sabia que o vírus estava entre nós. Foram em grupos organizados e ficaram infetados nessa noite, depois o vírus foi passando de uns para os outros. O jogo foi um forte momento de propagação do contágio entre as pessoas”, destacou num live no Facebook, falando também da situação que se verificou nas semanas seguintes naquela que foi uma das zonas mais fustigadas pela Covid-19 em Itália.

Presidente de Bérgamo diz que Atalanta-Valencia foi “bomba biológica”: “Se o vírus já circulava, 40 mil ficaram infetados”

Mais tarde, também o PSG-B. Dortmund, a contar para a segunda mão dos oitavos da Liga dos Campeões, foi assumido como um foco de propagação mesmo tendo sido realizado à porta fechada. De acordo com o Le Parisien, os cerca de 4.000 adeptos franceses que se concentraram nas imediações do Parque dos Príncipes para apoiarem (dentro do possível) a equipa, que alegaram mesmo ter existido uma autorização policial para que esse aglomerado pudesse acontecer desde que fora do recinto apesar de ter sido proibido pelo governo gaulês quase uma semana antes qualquer tipo de evento, espetáculo ou manifestação que juntasse mais do que 1.000 pessoas.