A economista Inês Domingos crê que o instrumento aprovado pelo Eurogrupo para o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) terá como “principal vantagem tirar um pouco de risco à política do Banco Central Europeu” de compra de ativos. A antiga deputada do PSD considera ainda que, perante uma crise, os países da União Europeia (UE) têm “tendência a minimizar, erradamente, as vantagens” de pertencer ao bloco, ignorando que “as pessoas sabem” que os benefícios existem.

Realçando que “ainda é difícil falar” sobre o acordo alcançado pelos ministros das Finanças da zona euro, por ainda não existirem detalhes, a antiga deputada do PSD considerou que a sua principal vantagem será “tirar um pouco de risco à política do Banco Central Europeu”.

Esse mecanismo [do MEE] existe, de facto, se para o caso da crise [provocada pela pandemia de Covid-19] se prolongar muito, voltar a existir um mecanismo que possa ser utilizado”, considerou a economista.

Os ministros das Finanças europeus acordaram em 9 de abril uma resposta económica “impensável há apenas algumas semanas” em torno de um pacote com “redes de segurança” para trabalhadores, empresas e Estados-membros que ascende a 500 mil milhões de euros, segundo Mário Centeno, presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças português.

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Inês Domingos considera que “a política do BCE não está isenta de riscos”, e que os bancos centrais, em geral “têm tido posições muito fortes”, como por exemplo a compra de ativos de dívida, que no caso do BCE pode ir até cerca de um bilião de euros.

Outro exemplo é a compra, pelo BCE, “de crédito comercial de boa qualidade, que é uma ajuda às empresas”, algo que “independentemente do que o Conselho Europeu [de quinta-feira] decida, já existe e é um apoio muito grande”.

Para Inês Domingos, neste momento, “o risco principal é que os bancos centrais, que estão de tal forma embrenhados nos mercados, com um tamanho de balanço absolutamente enorme face à sua história, tenham muita dificuldade em sair e em recuar dessas políticas quando a economia normalizar”.

A antiga parlamentar do PSD crê também que “existe um risco das taxas de juro serem permanentemente baixas, ou ficaram baixas durante um período muito prolongado, o que também tem um impacto sobre as poupanças das famílias e sobre as pessoas que dependem das poupanças”.

No caso europeu, a economista opinou que se vai colocar novamente “a questão política em que as famílias que têm mais poupanças são de países que tipicamente criticam mais o banco central por ter uma política demasiado favorável aos endividados”, algo que “também tem custos políticos na opinião pública” desses países.

No entanto, por agora, Inês Domingos afasta a possibilidade de um risco de inflação dos preços, “embora seja um bocadinho cedo” para ter certezas.

“Não sabemos se a crise de oferta será mais prolongada que a crise de procura, e de facto o risco inflacionista decorre daí. Se a recuperação da procura for mais rápida do que a recuperação da oferta, pode haver um risco de inflação, mas por enquanto não parece que seja isso que se está a desenhar para o futuro”, observou.

Relativamente à possível emissão de dívida conjunta por parte dos países da zona euro, os chamados coronabonds, a antiga deputada crê que à luz justificação para a rejeição de países do norte, como a Holanda, Alemanha ou Finlândia, o motivo “até pode ser atendível ou compreensível”.

“Se não há forma de cobrar impostos a nível europeu, se não existe um imposto europeu que se pode cobrar, então dificilmente seria possível ter um mecanismo europeu de dívida também”, algo que os países do norte defendem ser necessário, lembrou.

A discussão em torno dos coronabonds suscita, assim, outro tabu europeu, o da federalização, já que “esses países, nesse caso, preferem uma federalização da União Europeia, também com a introdução, eventualmente, de impostos europeus, e aí há muitos mais países que não querem isso”.

“A dificuldade inicial é perceber se alguma vez vamos conseguir que se concorde sobre como é que se poderia financiar um tal plano Marshall [de recuperação económica] para a Europa. E eu não sei se vamos conseguir ultrapassar essa dificuldade a nível europeu”, observou.

Inês Domingos lembrou ainda que podem ser utilizados instrumentos já existentes nas instituições europeias, como por exemplo o orçamento.

“Anda-se há anos a negociar o orçamento plurianual, e se calhar o atraso nem foi muito má ideia, porque pode ser que agora se consiga repensar e orientar e ver como se poderá apoiar as economias depois desta crise”, concluiu.

“Em crise temos tendência a minimizar benefícios da UE”

“Quando estamos perante uma crise temos tendência a minimizar, erradamente, as vantagens da União Europeia, e de não ter a perceção que as pessoas sabem que essas vantagens existem”, considerou ainda a antiga deputada do PSD.

A economista lembrou que a UE “não é um projeto puramente financeiro”, mas sim “de paz, que traz muitos benefícios”, crendo ainda que a instituição “é mais forte do que esta crise” associada à pandemia de Covid-19.

A UE tem revelado que com algum tempo, às vezes demora um bocadinho, mas consegue estar à altura. Na crise anterior de 2008 até demorou mais tempo do que nesta”, considerou.

Sobre o atual debate que opõe alguns países do sul da União Europeia, que defendem a emissão de dívida conjunta, e países do norte, como a Holanda e Alemanha, que se opõem a tal emissão, Inês Domingos considerou que se trata de uma discussão estéril.

“Há exageros de parte a parte, não poria a coisa dessa forma, acho que não há falta de solidariedade do norte contra o sul. Há várias situações em que os países do norte beneficiam de estar numa união europeia com países do sul, e em que países do sul beneficiam de estar com os países do norte”, considerou.

Como exemplos, mencionou que “Portugal é, de facto, um beneficiário líquido dos fundos europeus, mas por outro lado os países do norte têm beneficiado de importações portuguesas do material deles, em particular do material de investimento”.

Acho que perdemos todos, de facto, quando começamos a olhar assim em termos de benefícios líquidos, até é difícil de identificar quem é que beneficiou mais”, reiterou, considerando que essa “não é útil” e “não ajuda ninguém”.

Inês Domingos atribui alguma da “fricção” nos debates relacionados com questões financeiras dentro da UE à circunstância de os governantes dos países do norte “refletirem um pouco o que é a opinião pública dentro dos seus países”.

“Alguns países do norte podem não ter explicado inteiramente quais são os benefícios da União Europeia em termos das exportações que eles têm para países do sul, e em termos de ter a capacidade de, participando na zona Schengen [de livre circulação], de poderem viajar por todo o lado e estudarem, por exemplo, nas nossas universidades, que têm uma ótima qualidade e que são relativamente mais baratas do que universidades de outros sítios”, aditou.

A antiga parlamentar do PSD considera que “há uma série de coisas que beneficiam todos os lados”, mas também reconhece que “é verdade que muitas vezes a opinião pública, no norte, não compreende todos estes benefícios”.

“Mas também é verdade que em Portugal, e de forma geral nos países do sul, muito poucas vezes se refere os benefícios que traz a União Europeia”, afirmou.

Como exemplo de solidariedade citou a ação do Banco Central Europeu (BCE), que ao comprar dívida dos países permite que “Portugal, apesar de ter uma dívida elevada, ainda não tenha custos de financiamento elevados”.

“Esse é um exemplo da grande solidariedade que existe entre países da zona euro, porque ao beneficiar dessa ação do banco central, estamos a permitir gastar dinheiro a apoiar a economia que se calhar não teríamos”, concluiu.