“Há muitas esperanças de que dentro de algumas semanas as coisas voltarão a ser como eram em dezembro. Infelizmente, isso não vai acontecer.”
É desta forma crua que Bill Gates começa o texto que escreveu para a prestigiada revista The Economist, que o convidou para dar a conhecer a sua visão sobre a forma como o novo coronavírus poderá condicionar o futuro próximo. “Acredito que a humanidade vencerá essa pandemia, mas só quando a maioria da população for vacinada”, remata.
Mesmo que os governos comecem a levantar restrições e os negócios reabram as suas portas, os seres humanos têm uma aversão natural à exposição a doenças. Os aeroportos não voltarão a ter grandes multidões, os desportos serão disputados em estádios praticamente vazios e a economia mundial permanecerá deprimida porque a procura permanecerá, também ela, baixa. As pessoas gastarão de maneira mais conservadora.”
Como se esta realidade não fosse já sombria por si, o empresário e filantropo relembra aqueles que têm passado mais despercebidos no meio de tudo isto, os países em vias de desenvolvimento que só agora começam a sentir o impacto mais pesado da pandemia e que, na opinião de Gates, terão uma experiência muito pior do que os países desenvolvidos, muitos deles já em “planalto”. Estes poderão ajudar, claro, mas mesmo assim só uma vacina resolverá a situação.
Nos países mais pobres existem menos trabalhos realizáveis remotamente por isso as medidas de distanciamento não funcionam. O vírus vai espalhar-se rapidamente e os sistemas de saúde não conseguirão cuidar dos infetados. A Covid-19 sobrecarregou cidades como Nova Iorque mas os dados sugerem que mesmo assim, apenas um hospital de Manhattan tem mais camas de cuidados intensivos que a maioria dos países africanos. Milhões podem morrer.”
O nome do fundador da Microsoft tem sido várias vezes associado à Covid-19 e há uma razão para isso. Pelo menos desde uma Ted Talk que o fundador da Microsoft deu em 2015 que fala na inevitabilidade de surgir uma pandemia — até já armazenava mantimentos em casa, como forma de precaução. A par de tudo isto também é bem conhecido o apoio que tanto ele e como a sua mulher Melinda têm dado, através da sua fundação, à investigação médica. É este currículo que dá força à realidade que Gates prevê, que aqui surgem em três pontos específicos.
Uma aposta na investigação
Uma das primeiras coisas que Gates assinala é que, “no próximo ano, os investigadores médicos estarão entre as pessoas mais importantes do mundo”. Mesmo antes da pandemia, conta, o campo da investigação médica já estava a dar “saltos gigantes” no campo da vacinação e um exemplo disso é a tecnologia mRNA: “As vacinas convencionais ensinam o nosso corpo a reconhecer a forma de um patógeno, geralmente através da introdução de um vírus já morto ou enfraquecido. Mas este novo tipo de imunização não exige que os investigadores gastem tempo a cultivar grandes volumes de patógenos. Essas vacinas de mRNA usam código genético para fornecer instruções às células sobre como montar uma resposta imune.”, conta. Uma das grandes vantagens desta tecnologia? O facto de permitirem que a fabricação em massa, depois de todos os testes, aconteça mais rapidamente.
Ora, é precisamente este raciocínio que lhe dá a esperança de que “até à segunda metade de 2021”, laboratórios em todo o mundo já estejam a produzir uma vacina. Se tal se verificar, diz, será uma conquista histórica: “A humanidade nunca foi tão rápida a passar do reconhecimento de uma nova doença à sua imunização”.
Testes em casa e os antivirais
No mesmo texto, Bill Gates também prevê que o campo do diagnóstico ganhe novo vigor. A atual dificuldade em obter testes é notória, bem como a necessidade de ter resultados mais rapidamente. A necessidade de melhorar estes dois fatores — essenciais para o controlo da pandemia –, farão com que da próxima vez que surja um novo vírus “as pessoas provavelmente serão capazes de testarem-se em casa da mesma maneira que testam a gravidez”. Serão precisos poucos meses depois de detetada essa nova doença para os investigadores poderem ter esse teste pronto.
A área da medicação antiviral, que tem sido “um ramo da ciência com pouco investimento”, também ganhará um novo fôlego. “Os investigadores vão desenvolver grandes e diversas bibliotecas de antivirais que poderão verificar e encontrar rapidamente tratamentos eficazes para novos vírus” e isto, diz, “também nos ajudará a combater as doenças infecciosas existentes”, até o cancro. “Os cientistas pensam há muito tempo que as vacinas de mRNA podem levar a uma eventual vacina contra o cancro.”
O progresso não será apenas na ciência
Não há dúvidas que as áreas da ciência e da medicina serão as que mais mudanças sentirão numa eventual época pós-Covid-19. Contudo, o evolução não ficará por aí: “Também haverá progresso na nossa capacidade de garantir que todos possam beneficiar dessa ciência.” Bill Gates faz o paralelismo com os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, altura em que os líderes mundiais construíram instituições internacionais como a ONU, por exemplo, para evitar mais conflitos. “Após a Covid-19, os líderes de hoje também criarão instituições para evitar uma próxima pandemia. Serão uma mistura de organizações nacionais, regionais e globais. Isto fará com que estejamos mais preparados para a próxima vez que um novo vírus pular de morcegos ou pássaros para humanos.” Esta medida, diz, também será importante caso alguém tente transformar em arma uma qualquer doença infeciosa, ou seja, na reação ao bioterrorismo.
É também neste tipo de organismos que Bill Gates espera que haja interajuda, que “países ricos incluam os mais pobres nestas instituições” e que recebam ajuda, por exemplo, na construção de sistemas primários de assistência à saúde.
Até a pessoa mais egoísta — ou o governo mais isolacionista — deve concordar com isto. Esta pandemia mostrou-nos que os vírus não obedecem à leis de fronteira e que todos estamos ligados biologicamente por uma rede de germes microscópicos, quer gostemos disso ou não. Se um novo vírus aparecer num país pobre, queremos que os seus médicos possam identificá-lo e contê-lo o mais rápido possível. Nada disso é inevitável. A história não segue um caminho determinista.”
Em jeito de conclusão, Bill Gates recorre a Churchill para reforçar a ideia de que nada disto acabará em breve. Apesar de 2021 poder ser visto como o pós-1945, depois do fim da Segunda Guerra, é preferível vê-lo antes como os tempos que se seguirão a 10 de novembro de 1942, data em que o Reino Unido ganhou a sua primeira batalha terrestre contra os nazis. Nesse dia, num discurso, o histórico primeiro-ministro resumiu bem aquilo em que Bill Gates acredita: “Este não é o fim. Não é nem o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo.”