Desde o agravar definitivo da pandemia, a partir das últimas semanas de março em que grande parte do mundo ficou confinada dentro das próprias casas, que tem existido apenas um termo de comparação para aquilo que a Covid-19 representa para a sociedade atual: uma guerra. Uma guerra em que não vemos o inimigo, é certo, mas uma guerra. Chefes de Estado, políticos das forças da oposição, profissionais de saúde que estão na primeira linha de combate e meios de comunicação social — todos descreveram, a dada altura, a pandemia do novo coronavírus como uma guerra.

A verdade é que, nos Estados Unidos, os números da situação epidemiológica no país assemelham-se cada vez mais — e superam, em alguns casos — aos de uma guerra verdadeira. Uma guerra no terreno, com armas e bombas e soldados e um inimigo visível. Nesta altura, os Estados Unidos somam mais de um milhão de casos confirmados e cerca de 59.330 vítimas mortais. São de longe o país mais castigado no mundo inteiro pela pandemia: em comparação, Espanha, o segundo país com mais casos, tem cerca de 237 mil; Itália, o segundo país com mais mortes, regista cerca de 27.400 óbitos. Em contas simples, os norte-americanos têm mais do quádruplo dos casos espanhóis e mais do dobro dos mortos italianos — ainda que sejam necessárias as respetivas ressalvas face à diferença de população — e têm um terço dos casos no mundo inteiro e um quarto das vítimas mortais globais.

Mas a sua situação, comparando com a dimensão da população, é ainda muito melhor do que, por exemplo a de Espanha, onde o registo 519 mortes por milhão de habitantes contra 185 nos EUA.

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A comparação entre as vítimas mortais provocadas pela Covid-19 e as causadas pelos principais conflitos em que os Estados Unidos estiveram envolvidos. (Fonte: National Geographic, Departamento dos Assuntos dos Veteranos e Universidade Johns Hopkins)Esta terça-feira, a National Geographic compara o número de mortos provocados pela Covid-19 nos Estados Unidos com a mortalidade registada nos principais conflitos bélicos em que o país esteve envolvido. A conclusão é que a pandemia já matou mais norte-americanos do que a Guerra do Vietname, a Guerra da Coreia e a 1.ª Guerra Mundial: no primeiro caso, entre 1964 e 1975, morreram 58.220 pessoas no total, entre as que foram mortas em batalha e as morreram fora dela; no segundo caso, entre 1950 e 1953, morreram 36.574 norte-americanos no total; e no terceiro caso, entre 1917 e 1918, morreram 53.402. Os conflitos no Iraque e no Afeganistão, combinados, mataram um número inferior a sete mil norte-americanos.

A pandemia tem ainda um outro pormenor que também é destacado pela National Geographic. Há mais de um século que não morriam tantos cidadãos norte-americanos no interior do território dos Estados Unidos: o último evento comparável foi precisamente a gripe espanhola, em 1918, que matou cerca de 675 mil pessoas no país. Mais recentemente, 2.977 pessoas morreram nos ataques de 11 de setembro nas Torres Gémeas, em 2001, e 1.200 morreram devido ao furacão Katrina, em 2005, que afetou principalmente a cidade de Nova Orleães.

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No final de março, quando o cenário ainda não era tão negro, Anthony Fauci, o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos e uma das caras da resposta norte-americana à pandemia, anunciou que entre 100 a 200 mil pessoas poderiam morrer no país devido à Covid-19. Dez dias depois, reduziu a fasquia máxima eventual para os 60 mil — um número que está praticamente alcançado. Ora, se as previsões mais pessimistas de Fauci se concretizarem, só outros dois acontecimentos vão superar os números de 2020: a Guerra Civil Americana, que terminou em 1865 com cerca de meio milhão de mortos, e a 2.ª Guerra Mundial, que nos anos 40 matou 291.557 norte-americanos.

Apesar de os números já serem, neste momento, dramáticos, o New York Times diz esta quarta-feira que as vítimas mortais dos Estados Unidos podem ser significativamente superiores ao registado oficialmente. Isto porque, segundo as estatísticas do Centro para o Controlo e Prevenção e Doenças, a mortalidade nos sete Estados mais fustigados pela pandemia (Nova Iorque, Nova Jérsia, Michigan, Massachussetts, Illinois, Maryland e Colorado) foi entre 8 de março e 11 de abril superior ao normal em quase 50%. Uma percentagem que significa, à partida, mais 9 mil mortos por coronavírus do que o registado de forma oficial a 11 de abril. Ainda assim, o Centro faz uma ressalva: estes 9 mil mortos adicionais poderão ser uma mistura entre vítimas da Covid-19 não contabilizadas e vítimas de outras doenças que não procuraram assistência médica por receio de serem infetadas.