A história não é nova. Desde que a larga maioria dos cidadãos europeus recolheu às próprias casas, que o caso de exceção foi vítima de atenção, de dúvida e até de admiração: na Suécia, as medidas tomadas foram mais leves do que nos restantes países, o distanciamento social foi uma recomendação e não uma ordem e as esplanadas abriram até mais cedo do que o normal, para aproveitar o bom tempo inesperado que a primavera trouxe.

Anders Tegnell, o epidemiologista que está à frente da Agência de Saúde Pública, tem sido a principal cara da resposta sueca à Covid-19. Uma resposta que só encerrou as escolas secundárias, que manteve os ginásios, os restaurantes, os cafés e os bares abertos e só proibiu o serviço ao balcão, que autorizou grandes eventos desde que não excedessem as 50 pessoas e que, a dada altura, garantiu que a imunidade de grupo seria atingida em maio.

Anders Tegnell, o guru do modelo sueco que se sente como Greta Thunberg e fez da pandemia uma tabela de números

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Atualmente, a Suécia tem mais de 20 mil infetados e 2.462 vítimas mortais. Em comparação com os países vizinhos, a Dinamarca tem pouco mais de 9 mil casos e 443 mortos, a Finlândia tem 4.906 casos e 205 mortos e a Noruega tem 7.680 casos e 207 mortes. Mesmo em comparação com Portugal, que tem uma população semelhante à da Suécia, o país escandinavo tem menos 4 mil infetados mas mais do dobro das vítimas mortais portuguesas.

As medidas tomadas pelo governo do primeiro-ministro Stefan Löfven, sempre sob a batuta de Anders Tegnell, tem tido como principal calcanhar de Aquiles os lares e as casas de repouso, onde se verifica grande parte das mortes registadas no país. Esta semana, em entrevista ao The Guardian, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Suécia garantiu que “ainda não é tempo” de julgar a estratégia sueca. “Existiram muitos mal entendidos. Temos os mesmos objetivos de qualquer outro governo. Como dissemos sempre, estamos perfeitamente prontos para decretar mais restrições se a população não seguir estas”, explicou Ann Linde, que justifica as elevadas mortes em lares com a possibilidade de as recomendações sanitárias não terem sido seguidas.

Covid-19. Com mais de 400 mortes, Suécia prepara-se para mudar de estratégia e adotar medidas restritivas

Esta semana, a CNN escreve sobre a estratégia sueca e cita a entrevista de Anders Tegnell à BBC, onde o epidemiologista indica que o país vai estar melhor preparado para uma eventual segunda vaga da pandemia porque muitas pessoas já estiveram expostas ao vírus. “Acreditamos que já ultrapassámos o pico”, garantiu o líder da Agência de Saúde Pública, que voltou a defender que a abordagem mais relaxada “funcionou em alguns aspetos”. O problema é que foi precisamente no tópico das pessoas que já estiveram expostas à doença que Tegnell já errou nas contas. Emanuel Karlsten, um jornalista freelancer, revelou que o epidemiologista fez as contas como se Estocolmo, a capital, tivesse seis milhões de habitantes quando concluiu que um terço das pessoas da cidade já tinham sido infetadas e que por cada caso confirmado existiam mil não detetados. Esta quinta-feira, o mesmo jornalista voltou a revelar um novo erro nas tabelas oficiais.

Num artigo publicado no site pessoal, Emanuel Karlsten desvendou que, num relatório publicado pela Agência de Saúde Pública, os números não batiam certo com os valores oficiais divulgados na atualização diária: no relatório publicado, registavam-se quase menos 400 vítimas mortais. O jornalista revela ainda que alertou o organismo para o sucedido e que o relatório foi prontamente substituído, sem indicação dos elementos que estavam errados e com a simples mudança na tabela em questão. Questionado por Karlsten, o governo garantiu que se tratou de um “erro humano”.

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Um jovem sueco decidiu tatuar no braço o rosto de Anders Tegnell, o líder da Agência de Saúde Pública sueca

Os dois erros consecutivos abalam o fator considerado como crucial na estratégia sueca: a confiança. A confiança da população no governo, confiança de que o governo está a tomar as decisões corretas e a fazer o melhor e o necessário para a saúde pública; e a confiança do governo nas pessoas, confiança de que vão cumprir o distanciamento social, evitar viagens desnecessárias e provar que não eram precisas medidas mais rígidas e estanques. Por agora, essa confiança parece inabalada: há até a notícia de um jovem sueco que tatuou a cara de Anders Tegnell no braço para estabelecer o reconhecimento pelo epidemiologista.

Entretanto, e apesar de os números teoricamente indicarem o contrário, os responsáveis suecos continuam a acreditar no modelo que escolheram. Acreditam que os restantes países estão apenas a adiar o inevitável, algo que vai acontecer durante a próxima fase de desconfinamento, e que a Suécia está agora preparada para uma eventual segunda vaga. Quase como se tudo isto fosse um campeonato do mundo com todos os países em que na final vence a melhor estratégia. A verdade é que, independentemente das opiniões, o troféu só será atribuído daqui a algum tempo.