Sérgio Moro, antigo ministro da Justiça do Brasil que se demitiu recentemente em rota de colisão com Jair Bolsonaro, entregou às autoridades o histórico de mensagens que trocou com o presidente brasileiro sobre a mudança na cúpula da Polícia Federal. Segundo a Folha de S. Paulo, é nestas mensagens que Bolsonaro surge a pressionar Moro para substituir Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal — substituição essa que acabou por levar o agora ex-ministro à demissão e motivo pelo qual este acusou o presidente de “ingerência política”.
Durante este sábado, Sérgio Moro esteve oito horas a prestar depoimento na Polícia Federal de Curitiba sobre as acusações que fez a Jair Bolsonaro no momento em que tornou oficial a demissão do governo brasileiro. O ex-ministro terá mantido todas as alegações que fez contra o presidente e deu acesso às mensagens que trocaram — incluindo as que já tinha apagado, que a Polícia Federal conseguiu recuperar e anexou ao inquérito já aberto pela Procuradoria-Geral da República.
Sergio Moro demite-se em protesto contra Jair Bolsonaro, que fica agora mais isolado do que nunca
Na troca de mensagens, Bolsonaro pressiona Sérgio Moro para que este retire Maurício Valeixo da liderança da Polícia Federal: Valeixo que, aliás, foi escolhido pessoalmente pelo próprio Moro e era o braço direito do antigo ministro. De acordo com a Folha de S. Paulo, o presidente acaba mesmo por assumir, sempre via mensagens do WhatsApp, que pretende uma substituição no topo da autoridade devido às investigações a uma alegada rede de fake news que envolve vários deputados afetos a Bolsonaro e até o seu próprio filho, Carlos Bolsonaro.
Além das conversas com o presidente brasileiro, Sérgio Moro terá ainda facultado as mensagens trocadas com a deputada federal Carla Zambelli, aliada de Bolsonaro, que lhe promete uma nomeação para o Supremo Tribunal Federal se o juiz permanecesse no governo.
Encostado a um canto, resta a Bolsonaro o que sempre rejeitou: a “política velha”
Sérgio Moro apresentou a demissão do governo brasileiro há pouco mais de uma semana, em protesto contra a decisão de Jair Bolsonaro de exonerar o diretor-geral da Polícia Federal. O ex-ministro, que foi um dos mentores da Operação Lava Jato e que esteve por trás da investigação que resultou na prisão do ex-presidente Lula da Silva, acusou Bolsonaro de querer interferir politicamente na Justiça e de insistir junto dele para ter uma pessoa próxima a dirigir a autoridade.
“O presidente disse-me mais do que uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele, a quem pudesse ligar, de quem pudesse colher informações e relatórios de informações”, denunciou. “Não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm de ser preservadas. Imagine-se se durante a própria Lava Jato um ministro, o diretor-geral e a presidente Dilma ficassem ligando ao superintendente em Curitiba [o cargo que Sérgio Moro tinha] para colher informações sobre as investigações em andamento”, continuou.
Como a aterragem em pé de Sérgio Moro, que foi de jóquer a demissionário, pode fazer cair Bolsonaro
Já este domingo, Jair Bolsonaro voltou a participar e a discursar numa manifestação em seu apoio em Brasília, onde se destacaram as mensagens a favor do levantamento das medidas de isolamento e também as faixas e palavras de ordem inconstitucionais, pedindo uma intervenção militar “com Bolsonaro”. “Temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, pela liberdade”, disse o presidente aos manifestantes e também a quem o quis acompanhar em direto no Facebook.
De resto, uma manifestação semelhante, que aconteceu a 19 de abril e que também contou com um discurso de Jair Bolsonaro, está a ser investigada pela Polícia Federal. Essa investigação foi iniciada após pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que quis que fosse averiguado se naquela manifestação foram praticados “atos contra ao regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais”. A propósito dessa manifestação de 19 de abril, alguns deputados pró-Bolsonaro e também empresários próximos do Presidente estarão a ser investigados por terem apoiado na logística daquela manifestação.