O secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, contratou um militante do PS e apoiante da sua candidatura à federação distrital de Viseu, para motorista do seu gabinete no governo. A contratação foi feita a 21 de abril, em pleno estado de emergência por causa da pandemia de Covid-19. O próprio João Paulo Rebelo tinha divulgado, na sua página de Facebook, a 6 de março, o apoio de José Botelho, eleito pelos socialistas em Cinfães, que é agora seu motorista e se mantém um dos seus principais apoiantes naquela concelhia. Ao Observador, o secretário de Estado justifica que os motoristas dos gabinetes são “cargos de confiança” e que por isso podem ser “livremente nomeados e exonerados“.

Há outro problema nesta nomeação: o motorista já teve de responder no passado em tribunal por conduzir sob o efeito de álcool. O secretário de Estado confirma o caso, mas lembra que aconteceu já em 2013 e que atualmente José Botelho tem “o máximo de pontos na carta“. O motorista reside no distrito de Viseu, tal como o secretário de Estado, que em tempos de pandemia — em que coordenou a aplicação do estado de emergência na região centro — passa mais tempo na sua terra. Assim, apesar da secretaria de Estado se localizar na Avenida Infante Santo, em Lisboa, João Paulo Rebelo contratou um motorista local de confiança, justificando que o “automóvel” é atualmente a “extensão do gabinete“.

A nomeação está a deixar indignados militantes da federação do PS de Viseu, ouvidos pelo Observador, que consideram que esta escolha é “eticamente duvidosa“, já que um mês e meio antes da nomeação o militante, agora motorista do Governo, apoiou uma das candidaturas.

Começando pelo início, desde janeiro que são conhecidos dois candidatos à Federação do PS de Viseu: o secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, e o deputado José Rui Cruz. Os apoios dividiram-se e, na concelhia do PS-Cinfães, José Rui Cruz ficou com o apoio do presidente da câmara, Armando Mourisco. Na resposta, a 3 de março, João Paulo Rebelo divulgou quem era o homem da sua candidatura naquela concelhia: José Carlos Amaral Botelho, tesoureiro na junta de freguesia de Cinfães. Isso mesmo foi partilhado pelo governante na sua página de Facebook a 6 de março, destacando que José Botelho apoiava a sua candidatura, “PS com futuro”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O post do secretário de Estado no Facebook sobre o apoio do agora seu motorista

As eleições deviam ter ocorrido a 14 de março, mas a 12 de março, por força das circunstâncias do surto de Covid-19, o PS adiou as eleições em todas as federações. Assim, o processo eleitoral ficou congelado: continua a haver os mesmos dois candidatos, as mesmas duas listas, mas as eleições serão mais tarde. E, por consequência, os mesmos apoiantes.

Sem que o processo eleitoral fosse concluído e um mês e meio depois de ter recebido este apoio, João Paulo Rebelo contratou então para o seu gabinete o seu maior apoiante no PS-Cinfães, José Botelho. Como se pode ver no despacho, foi o próprio secretário de Estado a fazer a nomeação a 21 de Abril. O agora motorista tem como experiência profissional 11 anos como segurança privado na Strong Charon e 18 anos como bombeiro voluntário nos Bombeiros Voluntários de Cinfães.

Apesar de ter contratado um militante do PS e apoiante da sua candidatura, João Paulo Rebelo não vê na nomeação qualquer problema ético. Nas respostas ao Observador, o governante explica que “os motoristas dos gabinetes de membros do Governo constituem cargos de confiança, sendo por isso livremente nomeados e exonerados, nos termos da legislação aplicável.” E acrescenta:

Na verdade, as funções em causa implicam a partilha de um espaço (automóvel) que funciona como uma extensão diária do gabinete do Sr. Secretário de Estado, o que justifica a necessidade de um elo de confiança entre ambos“.

Sobre o facto de contratar para o gabinete do ministério uma pessoa que mora a mais de 350 quilómetros de Lisboa, o secretário de Estado da Juventude e Desporto lembra que “tem residência em Viseu e desde a primeira hora viu como vantagem ter um motorista da sua zona de residência, dado que é de Viseu que parte para a sua semana de trabalho e é a Viseu que retorna no final da semana”.

Questionado sobre se sabia que o motorista tinha sido apanhado a conduzir com níveis de álcool no sangue, o secretário de Estado respondeu que “o motorista teve, efetivamente, um processo em tribunal em 2013, tendo hoje o seu registo limpo e o máximo de pontos na carta de condução”. Sobre as competências como condutor de José Botelho, João Paulo Rebelo lembra que o apoiante da sua candidatura “foi bombeiro voluntário durante 18 anos, tendo exercido inúmeras vezes a função de motorista”.

Secretário de Estado acusado de favorecimento ao indicar empresa de ex-sócio

Este não é a primeira vez esta semana em que o secretário de Estado da Juventude e Desporto se vê envolvido num caso em que é acusado de estar a favorecer alguém da sua esfera de relações pessoais ou partidárias. Na terça-feira, João Paulo Rebelo admitiu ao Observador que sugeriu uma empresa de um ex-sócio como uma das possíveis para realizar testes à Covid-19 na região Centro, mas nega qualquer “interesse económico” em fazê-lo.

João Paulo Rebelo foi um dos cinco secretários de Estado nomeados a 6 de abril de 2020 para coordenar a aplicação do estado de emergência em cada uma das regiões de Portugal. No domingo, o Jornal de Notícias dava conta de uma denúncia, feita num blog, segundo o qual o secretário de Estado teria pedido ao presidente da Câmara de Viseu para “potenciar” o laboratório ALS, uma empresa do seu ex-sócio, João Cotta, de forma a fazer os testes em toda a região. O Correio da Manhã acrescentou esta terça-feira que a sugestão foi feita quatro dias depois de o governante ter iniciado as funções de coordenação regionais do estado de emergência.

Numa nota de esclarecimento enviada ao Observador pelo Ministério da Educação, o secretário de Estado explicou que a empresa em causa tem como administrador um ex-sócio seu “numa sociedade que nada tem a ver com este sector de atividade” e da qual se desvinculou em 2015.

Não deixa de me causar uma enorme estupefação que se possa pensar que tive algum interesse próprio nesta associação que não fosse o de que – também na CIM [Comunidade Intermunicipal] Viseu Dão Lafões – se pudesse dar uma resposta eficaz a um problema que afligia, e aflige, todo o país”, lê-se na nota.

Em resposta a estas acusações, o secretário de Estado explica, na nota, que uma das missões enquanto coordenador “era realizar o maior número possível de testes Covid-19”, tendo sido pedido a todos os coordenadores regionais que acompanhassem o processo.

Novo secretário de Estado da Juventude criticado pelo Ministério Público por “imprudência na gestão”

“Foi nesta sequência que, nas diversas reuniões/videoconferências que fiz com as diferentes Comunidades Intermunicipais da Região, divulgando o protocolo, elenquei sempre as diversas entidades (públicas e privadas) que nos respetivos territórios teriam capacidade protocolada de resposta para a realização dos testes”, explica.

João Paulo Rebelo refere então que “a videoconferência com todos os Presidentes de Câmara da Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões não foi exceção”. O secretário de Estado admite que, nessa reunião, adiantou “que tinha conhecimento de que a empresa ALS tinha capacidade para realizar mais 200 testes diários, facto que era já do conhecimento de muitos dos senhores Presidentes de Câmara, inclusivamente do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viseu”. O coordenador aponta ainda que a empresa já estava antes de se tornar coordenador do Centro “a realizar 100 testes diários para o Centro Hospitalar Tondela Viseu”.

“Referi-o, sempre, pela importância da capacidade instalada que permitia dar uma resposta célere à operação e não deixando de referir a existência de outros laboratórios privados que poderiam ser mobilizados nesta missão”, diz ainda.

O caso dos mirtilos que acabou resolvido

Já em maio de 2018, numa altura em que se discutia as incompatibilidades dos membros do governo devido ao caso das empresas do ministro Pedro Siza Vieira, foi noticiado que, durante 22 meses, o secretário de Estado foi também gerente de uma empresa pessoal de exploração de mirtilos.

Secretário de Estado acumulou função de sócio-gerente de empresa de mirtilos durante 22 meses

A empresa com sede em Viseu tinha sido criada no final de 2012. Quatro anos depois, a 14 de abril de 2016, João Paulo Rebelo tomou posse como secretário de Estado da Juventude e Desporto, mas só a 31 de janeiro de 2018 é que renunciou o cargo de gerente da João Paulo Rebelo, Unipessoal, Lda.

Só a 26 de março de 2019 é que o Tribunal Constitucional (TC) decidiu arquivar o processo por incompatibilidade em que era visado. Como noticiou o Público na altura, a decisão de arquivamento não foi pacífica. Dos 13 juízes conselheiros que integram o plenário do Tribunal, houve quatro  que votaram contra este arquivamento, tendo sido um deles é o próprio presidente do Constitucional, Manuel da Costa Andrade. A maioria entendeu, no entanto, que a maioria que o tribunal não podia decidir de forma diferente daquilo que tinha sido proposto pelo Ministério Público. O MP, recorde-se tinha decidido pela não aplicação da demissão do cargo — a pena prevista para estes casos — uma vez que entretanto a “situação de incompatibilidade” já tinha sido “sanada”.