Um contexto de crise será sempre propício ao engenho e à resiliência. No turismo e na hotelaria, onde as quebras do último mês chegaram a ser de 100%, encerrar portas e recorrer ao lay-off ou à suspensão de contratos é uma medida legítima, embora algumas empresas e unidades de alojamento tenham conseguido contornar a crise que estagnou o setor e que levará a uma retoma lenta e sujeita a solavancos.
Em meados de março, Pedro França Pinto viu as reservas para as semanas seguintes desaparecerem abruptamente do calendário do Craveiral. De portas abertas desde o verão de 2018, não seria o novo coronavírus a fechá-las, até porque além da própria família do proprietário, houve outras três que, apanhadas pelo estado de emergência a meio da estadia optaram por prolongá-la e fazem agora deste alojamento rural no litoral alentejano o seu novo lar. Ao todo, o complexo é composto por 38 casas que se fundem na paisagem e emprega mais de 20 pessoas. Até agora, nenhuma deixou de trabalhar.
“Estávamos perante um dilema e do ponto de vista da relação entre custo e benefício, o encerramento e o lay-off de colaboradores era o mais lógico. Mas este é um projeto emocional, onde as pessoas são peças muito importantes e assente em determinados valores. Não faria sentido, num momento destes, olhar só para a mitigação de custos a curto prazo”, explica Pedro ao Observador.
Foram estes mesmos valores que ditaram os passos seguintes. Mesmo numa das regiões menos afetadas do país, o Craveiral disponibilizou as suas instalações às autoridades locais e ofereceu-se para confecionar alimentos. Atualmente, saem daqui 12 refeições por dia para apoiar uma autoridade local, o segundo plano previsto — de refeições a um custo simbólico de três euros –, até agora, ainda não foi necessário avançar.
Estávamos perante um dilema e do ponto de vista da relação entre custo e benefício, o encerramento e o lay-off de colaboradores era o mais lógico […] Não faria sentido, num momento destes, olhar só para a mitigação de custos a curto prazo”, afirma Pedro Franca Pinto, proprietário do Craveiral.
A resistência deste projeto hoteleiro já mereceu destaque internacional. Primeiro, numa entrevista para a rádio da revista britânica Monocle. “Um dos casais que está connosco desde março é belga. Ele é fotógrafo e ela é jornalista, ambos freelancers, e fizeram a ponte para que a atitude inspiradora pudesse ecoar mais alto. Seguiu-se o programa Quest Means Business, da CNN. Aí, ao vivo e a cores, Pedro fez ressoar esta história portuguesa.
“O Craveiral não é o único”, admite. Sem novos hóspedes, todos os trabalhadores tiveram de ser reorganizados em equipas. Os responsáveis pela limpeza têm estado a tratar da manutenção do mobiliário exterior, os do atendimento ajudam no cultivo de flores e produtos hortícolas, nas carpintarias e nas entregas ao domicílio. A especialidade? As pizzas do lisboeta In Bocca al Lupo, mas com os ingredientes locais.
Pedro, advogado natural de Lisboa, é o único proprietário. Tem aqui o seu projeto de vida, o que ajuda a explicar a resposta, em parte, emocional à atual crise. “Não tenho uma estrutura financeira muito grande por trás de mim, mas acredito que são as características próprias do Craveiral que o vão beneficiar. Não estamos só alicerçados no alojamento, temos o restaurante, os produtos hortícolas”, expõe.
Mas onde há apego afetivo há também uma perspetiva otimista do que poderá ser a retoma do turismo, pelo menos, à escala desta pequena unidade familiar com preços ao alcance de uma classe alta e média alta. “Vai voltar a haver procura, as pessoas estão fartas de estar em casa”, admite. Fala em “pedidos de informação” para possíveis estadias em julho e agosto, pessoas que cancelaram férias no estrangeiro e vão ficar no país. Com o princípio do fim do confinamento, reitera que, como a sua, muitas outras unidades de turismo rural estão prontas para receber hóspedes. Precisamente por não ter fechado as portas, Pedro sente que o Craveiral nunca parou.
Second House, uma engomadoria no centro de Lisboa
Até há bem pouco tempo, o negócio ia de vento em popa. Second House, uma empresa criada em 2017 por três sócias, dedicava-se à gestão de unidades de alojamento local em Lisboa. No total, são cerca de 30 casas, a maioria confiada pelos proprietários para que limpeza, tarefas logísticas e de manutenção fossem garantidas, além de proporcionar as chamadas amenities e o conforto dos hóspedes. Em março deste ano, todas as reservas para as semanas seguintes começaram a ser canceladas.
“Parámos completamente as operações”, conta Filipa Mendes de Almeida, uma das três sócias. Em alternativa a suspender a atividade, redefiniram a função da própria empresa. Da gestão de reservas e manutenção de imóveis, a Second House transformou-se numa engomadoria com recolhas e entregas ao domicílio. “Pensámos em como poderíamos manter as pessoas que trabalham connosco. Como não temos praticamente custos fixos, só operacionais e algumas rendas, reinventámos o negócio”, continua, em conversa com o Observador.
O segredo está na pequena (mas bem equipada) lavandaria que, com o crescimento do número de casas, a empresa teve de instalar. O número de funcionários permanece intacto — quatro, três dedicados à roupa e à limpeza e um motorista que conduz a viatura da empresa, o mesmo que agora recolhe a roupa porta a porta e a entrega passada a ferro, em todo o centro de Lisboa. A equipa não tem tido mãos a medir e a faturação deste plano b manteve a empresa à tona durante o mês de abril.
Com o mês de maio, a Second Home entrou na segunda fase do plano de ataque à crise — um serviço de limpeza e desinfeção, para as pessoas que começam a sair de casa e precisam de alguém para lhe dar uma volta. “Sem esta alternativa, a continuidade da empresa estaria comprometida. Tínhamos fechado a atividade, por não termos dinheiro para pagar as rendas e os salários”, desabafa Filipa.
Como não temos praticamente custos fixos, só operacionais e algumas rendas, reinventámos o negócio […] Sem esta alternativa, a continuidade da empresa estaria comprometida. Tínhamos fechado a atividade, por não termos dinheiro para pagar as rendas e os salários”, afirma Filipa Mendes de Almeida, uma das sócias da Second House.
Mas a empresária revela-se otimista quanto à velocidade da retoma, embora agora a estratégia generalizada seja descer dos preços. Ao mesmo tempo, acumulam-se os pedidos de reserva a partir do verão. Filipa diz que a empresa não está a dá-las como fechadas, dada a imprevisibilidade da situação, mas que salta à vista o aumento das estadias. “Aparecem pedidos, sobretudo de ingleses, que querem vir passar uma temporada mal abram as fronteiras. Há pessoas a falar em reservas de seis meses, a começar a partir de junho ou julho”, explica.
Yawa Vans, uma escapadinha rumo ao isolamento
Tal como as casas isoladas do Craveiral, também a Yawa Vans proporciona uma experiência de evasão e, em simultâneo, de isolamento. Estamos perante uma empresa de aluguer de autocaravanas que, no verão passado, apalpou terreno no setor. Os planos para 2020 passavam por divulgar o serviço e fazer crescer a empresa. Apesar da interrupção, o negócio continua a ter rodas para andar e, à partir da, ainda este verão.
“Decidimos, desde o início desta crise, que não faríamos parte do problema, mas sim da solução. Aproveitámos para nos readaptar — relançámos o site, estamos a aumentar os protocolos de limpeza e de desinfeção das viaturas”, explica João Castanho, chefe de operações e único funcionário da empresa, que conta com dois sócios-gerentes. Curiosamente, foi contratado em março, altura em que a ameaça do vírus já pairava sobre a economia europeia.
A loja, situada em Lisboa, encerrou. O volume de reservas para o mês de abril não era expressivo à data, daí que o cancelamento não tenha representado um grande rombo nas contas. Numa altura em que ainda dava os primeiros passos, a empresa recorreu a moratórias de crédito. Antecipar um regresso à estrada é quase impossível, mas os pedidos de informação vão chegando por e-mail. As próximas reservas estão a ser apontadas para junho, já com novas condições — o preço desceu para 100 euros por noite, cancelamentos e reembolsos integrais podem ser feitos até 48 horas antes da data de início da reserva. “São só portugueses. As pessoas têm noção de que este verão é para ficar cá, pelo fecho das fronteiras e pela própria insegurança que sentem ao viajar”, esclarece João.
As pessoas têm noção de que este verão é para ficar cá. [As autocaravanas] são uma alternativa extremamente segura ao turismo de massas, possibilitando férias em locais remotos”, afirma João Castanho, responsável pela operações da Yawa Vans.
De repente, a ideia de partir numa autocaravana e de desbravar a paisagem nacional, longe de tudo e de todos, ganhou um especial interesse tendo em conta as circunstância. “São uma alternativa extremamente segura ao turismo de massas, possibilitando férias em locais remotos. Há um país para descobrir, até mesmo pelos próprios portugueses”, assinala o responsável, em declarações ao Observador.
À promessa de umas férias em isolamento, a Yawa Vans tem desde o início uma preocupação com a pegada ecológica. Os veículos têm painéis solares que lhes permite serem autossustentáveis, todos os utensílios de plásticos foram substituídos por produtos em bambu e todos os detergentes a bordo são biodegradáveis. Atualmente, duas das quatro autocaravanas são movidas a biodiesel.