No oráculo de Costa, está quase tudo em aberto. Certo, certo, só há duas coisas: que ainda não se quer reformar e que as transferências vão continuar a cair no Novo Banco. Mesmo sem bola de cristal, António Costa disse que “não é preciso ser vidente” para saber que, se se recandidatar, Marcelo Rebelo de Sousa será reeleito. Em entrevista esta segunda-feira à TSF, António Costa até disse que não gostava que se fizessem “segundas ou terceiras leituras” do que dizem os políticos, mas muitas das suas respostas a isso obrigam. O primeiro-ministro admitiu fazer uma remodelação, admitiu a saída de Mário Centeno antes do final da legislatura e também que possa ir para governador do Banco de Portugal. Mas também não excluiu o contrário. Quis, sem êxito, fugir do tema Novo Banco com duas palavras: “Assunto encerrado“.
Começando, precisamente, pelo que Costa quis evitar, o primeiro-ministro diz que o assunto está “esclarecido”, “encerrado” e que não queria falar mais do assunto. Perante a insistência, deixou escapar que “tem consciência de tudo o que disse”, mas resume o episódio a uma “falha de comunicação interna do governo”. Depois, numa manifestação de liderança, acrescentou que “se não tivesse aceitado as explicações [de Mário Centeno], não tinha mantido a confiança e o ministro não continuava em funções.”
À primeira leitura, tudo resolvido. Mas à segunda e à terceira, não. Questionado sobre se gostaria de ter Mário Centeno até ao fim da legislatura, o primeiro-ministro falou de forma elogiosa do ministro das Finanças, mas num tom de quase fim de ciclo. Lembrou que Mário Centeno estava “no sossego do Banco de Portugal” quando o foi desafiar, ainda na oposição, para o cenário macroeconómico e que os portugueses “têm boas razões para estar gratos” ao ministro das Finanças. Ainda assim, admitiu que “os governos têm dinâmicas e as pessoas têm a sua vida“.
António Costa lembrou que é “bastante conservador em matéria de mudanças de governo e em remodelações” e que os seus governos “devem ter sido daqueles que menos remodelações tiveram”. Apesar disso, acrescentou: “Mas tiveram, quando tiveram de ter“. Sobre a sucessão de Centeno, Costa deixaria escapar um sinal de que é uma questão que se colocará ao não acrescentar o habitual “se”. Disse apenas: “Quando esse problema se puser, eu pensarei nesse assunto.”
Quanto à possibilidade de Mário Centeno sair para o Banco de Portugal, António Costa disse que, quando sair do governo, o ministro “irá sempre manter o seu lugar de origem, que é seguramente banco de Portugal”. No entanto, admitiu que “se necessário” pode prolongar dois meses o mandato de Carlos Costa, o que poderá ser um timing para Centeno preparar o orçamento suplementar e o programa de emergência económico e social. Questionado sobre se Mário Centeno poderia ir para o Banco de Portugal, Costa não rejeitou a opção: “Tudo terá o seu tempo”.
Os bares que não abrem, a unanimidade e o Avante
No primeiro dia da segunda fase de desconfinamento, António Costa admitiu que “o Inverno pode ser pior” e admitiu recuar se for necessário: “Quem toma decisões não pode ter medo de puxar o travão ou dar um passo atrás”. Apesar disso, esta fase é uma forma de os portugueses praticarem sobre a forma como podem lidar com o vírus em fases em que a situação não esteja controlada.
Sobre a novela dos ventiladores, António Costa disse que, finalmente, chegaram 500 ventiladores à Embaixada portuguesa em Pequim e que a prioridade continua a ser reforçar as unidades de cuidados intensivos no Serviço Nacional de Saúde. Sobre a reabertura, o primeiro-ministro diz que, “se for necessário”, haverá um verão sem bares e discotecas, que serão as “últimas atividades” a reabrir.
António Costa confirmou ainda que entre o final desta semana e o início da próxima, irá discutir o programa de emergência económica e social com os partidos. Relativamente ao orçamento suplementar Costa revelou que “gostava que fosse aprovado por unanimidade”, mas diz que não tem “essa ilusão”. Sobre se preferia aprová-lo à esquerda ou à direita, o primeiro-ministro diz que “não há razão para alterar as orientações políticas” e elogiou a colaboração da oposição durante este período de pandemia. Não concretizou se preferia a “geringonça” ou o PSD para viabilizar este orçamento, mas disse que gostaria que o PSD continuasse a afirmar-se como alternativa ao governo.
Quanto à realização da Festa do Avante, o primeiro-ministro disse “a democracia não deve estar suspensa e há direitos fundamentais que não podem ser postos em causa, nomeadamente o direito das oposições”. “Cada partido tem de ter a liberdade da sua organização, tem é de cumprir as regras que existem”, acrescentou o primeiro-ministro, sugerindo que compete ao PCP fazer essa avaliação. Sobre o comício marcado pelos comunistas para 7 de junho, Costa também foi evasivo: “Como não é surpresa para ninguém, não vou estar presente“.
Marcelo Presidente e nem pensar no reformado Costa
Depois de ter lançado a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa na Autoeuropa na última semana, o primeiro-ministro continua a dispensar grandes formalidades no momento de falar no assunto. Questionado sobre se irá votar em Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa sorriu e disse: “O voto é secreto”. Para Costa, o “primeiro-ministro deve manter uma regra, que é: ter a consciência de que terá de trabalhar com qualquer que seja o Presidente escolhido pelos portugueses”. Por isso “deve procurar nas Presidenciais ter um recato, embora como líder partidário possa e deva tomar essa decisão.”
António Costa dá, no entanto, quase como certa a reeleição de Marcelo: “Não é preciso de ser vidente para ver qual o desejo dos portugueses no exercício da função presidencial. Não é preciso ser vidente ou uma grande figura de política para antecipar que daqui a um ano se ele se candidatar, será o Presidente da República”. Costa, que acredita que os portugueses valorizam a estabilidade, diz que “basta ouvir o que as pessoas dizem na rua” ou ver as “sondagens” para constatar a popularidade de Marcelo. E acrescentou: “Se as eleições fossem hoje, ninguém tem dúvidas que Marcelo Rebelo de Sousa ganharia”.
Sobre a sua própria carreira política, o primeiro-ministro avisou que não quer sair nem está a pensar na sua sucessão: “Tenho 59 anos, não tenho idade para me reformar. Estou de boa saúde. Não é este o momento para virar as costas ao país, ao governo, é o momento para me concentrar ativamente nestas funções”.
Quanto a isso condicionar os candidatos à sua sucessão, António Costa diz que “isso é uma opção dos próprios”, já que a sua “disponibilidade” para continuar “não inviabiliza a vontade de quem quer que seja”. E acrescentou: “Se têm boas condições para o fazer, podem fazê-lo. Nunca ninguém restringiu a liberdade de quem quer que seja a candidatar-se à liderança do PS”. Costa diz ainda que espera manter a lucidez de “não ficar tempo a mais” do que deve ficar, nem “sair mais cedo” do que deve sair.