O confinamento antes do estado de emergência nacional, vigilância e apoios para evitar saídas de casa terão sido os “segredos” dos três concelhos do Norte sem casos de Covid-19, todos no distrito de Vila Real, descrevem os autarcas.
Entre os 68 concelhos dos cinco distritos da região Norte, Mesão Frio, “o primeiro concelho a fechar a feira, logo em 14 de março”, Boticas, que “desde muito cedo pediu às pessoas para ficar em casa e colocou duas carrinhas a prestar serviços, até para pagar faturas”, bem como Mondim de Basto, que se articulou com as instituições, confinando “ainda antes do estado de emergência”, foram os únicos três municípios do Norte a permanecer sem registo de infeções quase três meses após o primeiro caso confirmado em Portugal.
Na região portuguesa com maior número de infeções desde o início da pandemia, a “sorte” também foi “importantíssima”, defende o presidente da Câmara de Mesão Frio, Alberto Pereira, recusando que uma baixa densidade populacional seja explicação para a ausência de casos: “com 28 quilómetros quadrados e 4.050 residentes”, o seu concelho é “dos mais densamente povoados do distrito”.
Com um concelho envelhecido de cerca de 7 mil residentes, “metade [concentrados] na vila” e os restantes dispersos, a presidente da Câmara de Mondim de Basto cedo percebeu o risco, por ter “tanta gente idosa e isolada”.
Ainda antes do estado de emergência, que entrou em vigor no país em 19 de março, desenhou um “plano de emergência para as pessoas não saírem de casa”, com uma linha telefónica para onde todos podiam ligar “a pedir recados”, fossem compras de supermercado ou medicamentos.
Foi ainda criada uma linha de apoio social e outra de apoio psicológico e uma técnica ligava, “pelo menos uma vez por semana, para mais de 250 contactos de pessoas mais isoladas”, acrescenta Teresa Rabiço.
Já tínhamos um grande trabalho de retaguarda. O que fizemos foi reforçar esse trabalho. Percebi que este era um concelho de risco. Articulámo-nos cedo com outras instituições, nomeadamente as juntas de freguesia e as instituições particulares de solidariedade social”, descreve.
O resultado foi “um cruzamento de dados que não deixou ninguém para trás”, sendo que, no período da Páscoa, a GNR “controlou os emigrantes”, vigiando a quarentena de 14 dias em casa.
Em Boticas, onde cerca de 6 mil pessoas residem em 322 quilómetros quadrados, o presidente da Câmara, Fernando Queiroga, atuou também “desde muito cedo, lançando logo avisos para as pessoas não saírem de casa” e prestando-lhes “serviços essenciais”.
Duas carrinhas de apoio circulavam pelas várias povoações, num serviço que “nunca parou”, ajudando com necessidades básicas ou pagando faturas para evitar saídas de casa. O “grande segredo”, diz, foi “a perceção das pessoas, que não saíam”. Ao mesmo tempo, ajudaram a vigiar os que vinham de fora, “seguramente 200 pessoas”, entre emigrantes e “quem vinha passar o fim de semana”, refere o autarca.
No início ainda tivemos alguns problemas, mas a população ligava a alertar que havia gente emigrada que não respeitava a quarentena e a GNR atuava. E as pessoas também se desviavam”, observa.
Os dados dizem respeito ao período entre 02 de março, quando foi confirmado o primeiro caso no país, e quinta-feira, baseando-se nos boletins diários da Direção-Geral da Saúde (DGS), em informações recolhidas junto de presidentes de câmara e no EyeData, uma ferramenta de análise estatística criada pela Social Data Lab para a Lusa.
Consultados na quinta-feira, os dados estatísticos apresentavam a Norte mais dois municípios como tendo zero casos: Montalegre, no distrito de Vila Real, e Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança.
Em ambos os casos, a Lusa confirmou serem concelhos com registos. O presidente da Câmara de Montalegre referiu “um infetado que felizmente não contaminou ninguém” e, em Freixo de Espada à Cinta, em 25 de março a Câmara ativou o plano de emergência perante a “confirmação de casos”.
O presidente da Câmara de Montalegre, Orlando Alves, relaciona o caso único de infeção com a “capacidade de resiliência” da população, que sempre viveu “confinada entre montanhas”. “As pessoas têm dificuldade em cá chegar. Nem temos acesso direto à autoestrada”, refere.
A região Norte registava na quinta-feira, de acordo com a DGS, um total de 16.718 casos e o maior número de mortos (761), num país com um total de 1.369 mortes relacionadas com a Covid-19 e 31.596 infetados.