O primeiro-ministro convidou um independente para projetar o programa de recuperação económica do país em resposta aos efeitos da pandemia de Covid-19. De acordo com o semanário Expresso, o presidente executivo da Partex, António Costa Silva, irá reunir com todos os ministros para planear a forma como os programas das áreas que tutelam podem ser reformulados, cancelados ou possam eventualmente ser criados novos programas de forma a promover a recuperação do país.
De acordo com o semanário, Costa Silva já está a desempenhar estas funções há quinze dias e até já acompanhou o primeiro-ministro em reuniões com empresários. As reuniões com os vários ministros, que foram previamente avisados da intervenção deste gestor na governação pelo próprio António Costa, também já começaram. Segundo o Expresso, o presidente da petrolífera que durante anos foi responsável pelo financiamento da Partex, irá também falar com os partidos da oposição e parceiros sociais tendo em vista o desenho do plano de recuperação económica do país.
Em declarações ao jornal Eco, o gestor afastou o cenário de vir a ser ministro de facto no Governo, com a pasta da economia. E adiantou que a sua colaboração é não remunerada.
Num artigo de opinião publicado no Público a 21 de maio, António Costa Silva, que já estava a trabalhar com o governo, fez a sua análise da situação e propôs caminhos. Lembrou que a Covid-19 trouxe “um colapso simultâneo da oferta e da procura como nunca tinha acontecido”, trazendo um “choque brutal” para as “empresas que operam no mundo físico”, mas potenciando as “companhias digitais”.
A pandemia trouxe assim o que Costa Silva chama de “darwinismo em força para a economia”, que “vai exterminar os menos capazes, os menos competentes, os mais vulneráveis e vai cavar um fosso entre ganhadores e perdedores, acentuando a divisão entre o mundo físico e digital”. Para o gestor isto não significa a morte das empresas que operam no mundo físico, já que continuará um sistema “híbrido”, mas avisa que durante bastante tempo a economia será uma “espécie de zombie”.
Qual o plano de António Costa Silva?
Sobre o plano para Portugal responder a isto, António Costa Silva avisava que “se não existir um significativo pacote europeu para salvar a economia, proteger as empresas que são viáveis e proteger o emprego, os tempos vão ser difíceis.” Além disso, “Portugal tem que fazer das tripas coração, pugnar pela ajuda europeia mas desenhar políticas públicas apropriadas para evitar que a economia entre em coma.”
Desde logo, o gestor defende “projetos-âncora capazes de evitar o colapso e transformar a economia”. Isso, explicava no mesmo artigo ao Público, “passa por um grande projeto para completar as infra-estruturas físicas indispensáveis, que seja uma alavanca para a indústria da construção“. O governo já admitiu, aliás, que parte da recuperação passa pelo investimento público, que incluirá, necessariamente, infraestruturas.
António Costa Silva defende que esse investimento deve ser direcionado para “completar as infra-estruturas digitais e acelerar a transição digital apoiando as escolas, as universidades e os Centros de Investigação, a Administração Pública e as empresas com um programa especial de apoio às PME”. Nesse artigo, o gestor passa por várias áreas, onde defende um “projeto para o sistema de saúde” que inclua os “equipamentos e recursos do SNS mas também o apoio às empresas que se reinventaram nesta crise e produzem equipamentos que podem capitalizar à escala global”. Relativamente à agricultura, o gestor pede um projeto para “apoiar as empresas, consolidar a economia e as redes logísticas locais e melhorar a nossa balança alimentar”, e outro para “para a floresta e para o interior, baseado na construção de uma rede de centrais de biomassa”.
Simultaneamente, António Costa Silva defende que o país precisa de um projeto “reconversão industrial para explorar a capacidade de reinvenção das cadeias logísticas e apoiar as empresas nacionais de múltiplos sectores” e para a “reindustrialização explorando o potencial dos recursos minerais e energéticos nacionais como o lítio, o cobalto, o níquel, o nióbio, o tântalo, as terras raras, as energias renováveis como a solar, o gás e o hidrogénio“. Por fim, ainda nesse artigo do Público, o gestor defendeu um “projeto para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, transformando-as em macrorregiões inteligentes e competitivas à escala global”.
Gestor apontou “erro estratégico” do 1º Governo de Costa que travou exploração de gás no Algarve
No artigo do Público em que defende que uma estratégia de regresso à indústria assente na exploração de recursos minerais, Costa Silva refere o gás natural (não o petróleo). Ora a exploração de gás natural na costa do Algarve, num projeto que juntava a Partex e a Repsol, e cuja rescisão de contrato foi decidida em 2016 pelo primeiro Governo de António Costa. A suspensão do projeto, que tinha sido protegido pelo ministro de Passos Coelho, Álvaro Santos Pereira, foi criticada por António Costa Silva que na altura afirmou que a a empresa não iria investir mais em Portugal.
António Costa e Silva: “decidimos não investir mais em Portugal, não vale a pena”
O gestor não tinha então “dúvidas que Portugal cometeu um erro estratégico. Ao chumbar o projeto do gás põe em causa o desenvolvimento de todos os recursos no ‘off shore’, foi atrás da contestação de alguns grupos ambientalistas”, considerou, em declarações feitas no seminário “A Geopolítica do Gás e o Futuro da relação Euro-Russa no horizonte de 2035”, que decorreu no auditório do Instituto de Defesa Nacional (IDN).
“Penso que há preocupações ambientalistas, é um projeto mais que provado, um projeto convencional, e esta ideia de que vamos entrar no futuro com uma visão romântica e sem atender aos recursos é uma visão errada”, disse em declarações à Lusa feitas em dezembro de 2018.
Costa Silva é um histórico da energia em Portugal e que é sobretudo associado à exploração de petróleo e gás, a atividade desenvolvida pela Partex, empresa detida pela Gulbenkian que foi vendida no ano passado a um grupo tailandês porque a fundação quis desvincular-se do negócio dos combustíveis fósseis. Para além de gestor, é também académico do Instituto Superior Técnico. A recente crise no mercado petrolífero, com o afundar das cotações, foi um dos temas sobre os quais falou publicamente durante o período de confinamento.
Numa recente entrevista à Lusa, Costa Silva defendeu, que no contexto adverso criado pela pandemia, as empresas petrolíferas deviam reconverter-se para sobreviver e que isso passava por investir também nas energias renováveis.
“Já digo há muito anos que esta é única maneira de as companhias sobreviverem no futuro. Têm que investir mais nas energias renováveis, participar nos segmentos da eletricidade, diversificar os seus portefólios, apostar em novas tecnologias, tem que eventualmente crescer e competir na parte da mobilidade, sobretudo na elétrica”.
Esta não é a primeira vez que António Costa coloca o desenho de planos ou a gestão de dossiers nas mãos de independentes e não-políticos. Foi assim quando foi buscar Mário Centeno ao Banco de Portugal para liderar o plano macroeconómico com um grupo de economistas. Foi assim quando recorreu a Siza Vieira e este ainda estava fora do executivo, mas já fazia parte da Estrutura de Missão para a capitalização das empresas e ainda integrava ainda dois grupos de trabalho (reforma da supervisão financeira e soluções para o crédito malparado). Foi assim com Lacerda Machado — embora este último já tivesse sido secretário de Estado, sendo mais “partidário” que os anteriores — que ajudou o primeiro-ministro em dossiers como os lesados do BES, a recuperação da posição maioritária do Estado no capital da TAP ou na guerra de Isabel dos Santos com o BPI.