Os portugueses estão no grupo dos países mais preocupados com a legitimidade dos conteúdos na Internet, com três quartos a manifestarem-se preocupados com o que é real e falso, segundo o Digital News Report Portugal 2020 esta segunda-feira divulgado.

Este ano o Digital News Report Portugal (DNR PT 2020) é lançado no mesmo dia que o Digital News Report Global (DNR), que agrega 40 países, com as grandes tendências gerais para Portugal e igualarem as globais em vários pontos, refere o OberCom/Reuters Institute for the Study of Journalism.

“Portugal destacou-se, em 2019, como o segundo país cujos cidadãos mais se preocupam com a legitimidade de conteúdos digitais, cerca de 75% dos inquiridos do Reuters DNR PT 2019. Se este dado levantou algumas questões quanto à real consolidação dessa preocupação, os dados de 2020 confirmam de forma inequívoca esse aspeto, com 76% (mais um ponto percentual) a revelar preocupação com legitimidade de conteúdos digitais”, lê-se no documento.

“Uma vez mais, Portugal surge em segundo lugar atrás do Brasil (88%) e a par do Quénia (76%) e seguido da África do Sul (72%)” e dos Estados Unidos (67%).

Do lado oposto, surgem Holanda (32%), Eslováquia (35%), Alemanha e Dinarmarca (ambas com 37%), num quadro comparativo em que a média é de 56% preocupada com a desinformação/’fake news’, num total de 40 países onde constam, entre outros, o Japão (54%), Turquia (62%) ou México (60%).

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O Reuters Digital News Report 2020 (Reuters DNR 2020) é o nono relatório anual do Reuters Institute for the Study of Journalism (RISJ) e o sexto relatório a contar com informação sobre Portugal.

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“A desinformação tem, lentamente, ganhado protagonismo na agenda mediática em Portugal, seja com a adesão dos órgãos de comunicação social a iniciativas de ‘fact-checking’ [verificação de factos], seja com acontecimentos específicos, tais como o último dia de campanha para as eleições legislativas de 2019 ou a tensão política gerada com o resultado das mesmas eleições e com a recomposição do parlamento em termos de representação partidária”, refere o relatório.

Enquanto parceiro estratégico, o OberCom — Observatório da Comunicação colabora em permanência com o RISJ na elaboração do questionário para Portugal, bem como na análise e interpretação final dos dados relativos ao país.

“Uma investigação realizada pelo MediaLab do ISCTE -IUL, com o qual o OberCom colabora em permanência, tem revelado que os mecanismos de desinformação ‘online’ em Portugal são extremamente complexos e ativos, beneficiando da ativa participação dos utilizadores de redes sociais”, acrescenta o documento.

“Se inicialmente estes padrões de sociabilidade eram mais visíveis em redes sociais ‘abertas’ como o Facebook, a crise pandémica da Covid-19 revelou que também as ‘apps’ [aplicações] de mensagens como o WhatsApp são estruturas muito relevantes na análise das dinâmicas de desinformação ‘online’ na sociedade portuguesa”, prossegue.

Mais de um terço (34,5%) dos portugueses estão “mais preocupados com a desinformação no Facebook do que em ‘apps’ de mensagens como o WhatsApp (31,1%), sendo que 40,4% dos portugueses se dizem preocupados com desinformação proveniente de redes sociais, em geral”.

Mais de um quinto dos inquiridos (22%) manifestou preocupação com os ‘sites’ e ‘apps’ noticiosas.

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“Em termos de fontes gerais, fora da esfera digital, a que mais preocupa os portugueses são Governo, políticos ou partidos políticos nacionais (40,1%) numa proporção semelhante à dos que se dizem preocupados com a desinformação em redes sociais”, adianta DNR PT 2020.

Quase um quinto (18,6%) dos inquiridos afirmou-se preocupado com desinformação em jornais ou marcas de notícias e 13,5% com informação ilegítima proveniente de outros cidadãos.

“É importante realçar que a proliferação de conteúdos falsos, total ou parcialmente, depende não só do emissor/produtor original, mas também de uma distribuição eficaz, dependendo para tal de recetores incapazes de interpretar os conteúdos de forma crítica e, portanto, com maior probabilidade de os replicar e partilhar”, aponta o relatório.

“A crise pandémica foi, sem dúvida, um acontecimento marcante também neste aspeto. Apesar do esforço dos órgãos de comunicação social em fornecer conteúdos fiáveis e irrepreensíveis do ponto de vista jornalístico, a sede informativa dos portugueses, confinados em suas casas tornou os conteúdos ilegítimos uma fonte de informação acessível, por várias razões”, salienta.

Entre essas razões estão a “dificuldade de compreender a escala e complexidade da situação, que mistura dinâmicas sociais sem precedentes com aspetos sanitários e científicos de difícil compreensão”, a “multiplicidade de fontes ativas, desde oficiais a escala nacional, local ou regional e pelo rápido ritmo de atualização dos acontecimentos”, e a “facilidade com que os conteúdos ilegítimos se sobrepõem aos conteúdos jornalísticos, que exigem um maior esforço interpretativo e perfis de literacia mais desenvolvidos”.

Relativamente às redes sociais, uma investigação do MediaLab do ISCTE-IUL indica que “a desinformação se tem propagado para o universo das redes de mensagens privadas, nomeadamente através da rede WhatsApp, depois de numa primeira fase ter encontrado na rede nuclear Facebook uma plataforma de distribuição e disseminação muito bem estabelecida”.

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“Esta constatação foi particularmente nítida nos momentos iniciais da crise pandémica, em que o WhatsApp serviu de plataforma de distribuição e de propagação de uma panóplia de conteúdos ilegítimos, total ou parcialmente falsos, que permitiram que os conteúdos falsos tivessem um impacto exponencial em termos de alcance. Por outro lado, é importante relembrar que a partilha de notícias/ conteúdos que parecem notícias via Whatsapp não é feita de forma direta, através de ‘links'”, mas através de ficheiros ‘pdf’, áudio e vídeo.

Ora, se o “controlo da desinformação em redes sociais abertas se tornou difícil de controlar, estes novos mecanismos de disseminação impõem novas formas de registo, controlo e monitorização da desinformação, porventura mais complexos do que os que existem atualmente.

“Níveis de confiança nas notícias elevados, preocupação com o que é real ou falso na Internet, aumento do poder das grandes plataformas na distribuição de notícias, o ‘smartphone’ a ganhar distância face aos restantes dispositivos para acesso a notícias online, o interesse dos portugueses por notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação social regionais, a continuação do aumento dos ‘podcasts’ e da importância da televisão, como fonte de notícias, são pontos de destaque” do DNR PT 2020 esta segunda-feira divulgado.

A pesquisa foi levada a cabo em 40 países, o tamanho total da amostra foi de mais de 80 mil adultos, cerca de 2.000 por país, tendo o trabalho de campo sido realizado entre janeiro e fevereiro deste ano.