O novo ministro das Finanças, João Leão, garantiu esta quarta-feira que não vai haver mais dinheiro para o Novo Banco – este ano – e voltou a considerar “extemporâneas” as declarações do presidente do Novo Banco, António Ramalho, sobre futuras necessidades de capital da instituição – embora o banco tenha esclarecido que estava a falar de necessidades de capital relativas a 2020, mas pagas no ano seguinte (como sempre tem acontecido, no âmbito da venda à Lone Star, desde 2017). Assim, embora não seja óbvio onde é que está, então, o desacordo concreto entre os protagonistas, João Leão, agora com António Costa sentado a seu lado, juntou-se à “estupefação” manifestada por outros responsáveis (com Marcelo à cabeça) e pediu a António Ramalho que se limite a fazer o seu trabalho. Se possível, “gerindo bem”.

Sendo este um debate parlamentar sobre o orçamento suplementar para 2020, foi o próprio PS, pela voz de Ana Catarina Mendes, que insistiu que João Leão falasse sobre o “elefante na sala” – ou “o elefante branco na sala”, num lapso de linguagem da líder parlamentar socialista mais tarde aproveitado pelo deputado André Ventura, do Chega. Esse “elefante na sala” era o Novo Banco, que já tinha sido cabeça de cartaz no debate da véspera, na comissão de orçamento e finanças.

E João Leão respondeu com poucas palavras: “Se estamos estupefactos? Sim, estamos estupefactos, consideramos que as declarações foram extemporâneas, fora de tempo. O sr. presidente do Novo Banco deve concentrar-se em fazer uma gestão o mais eficiente possível do banco, para valorizar os ativos de forma a atingir os melhores resultados este ano”.

Entre as declarações de António Ramalho, no fim de semana, e as idas de João Leão ao parlamento surgiu uma notícia no jornal Público que indicava que o Estado português poderia ver-se obrigado a fazer uma injeção de capital no Novo Banco, ainda este ano e de forma automática, caso os rácios de capital do banco caíssem por força da pandemia e da crise económica.

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Essa foi uma notícia desmentida pelo Banco de Portugal ao final de terça-feira, que sublinhou que esta se baseava numa “confusão” entre os 3.890 milhões de euros que a Lone Star pode pedir ao Fundo de Resolução ao longo de vários anos, à medida que for feita a “limpeza” do balanço do banco, e o facto de a autorização da ajuda pública ao Novo Banco, dada pela Comissão Europeia, admitir que em cenários de extrema adversidade o Estado poderia injetar mais fundos na instituição.

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Ora, reconfortado por esse esclarecimento feito pelo Banco de Portugal, João Leão deixou bem claro: “Não está previsto no contrato entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco qualquer verba para além dos 3.890 milhões” e “não está previsto neste orçamento suplementar qualquer nova injeção para o Novo Banco“.

Mais tarde, acrescentou, sabendo-se que a conclusão da auditoria à gestão do banco está prevista para julho, é uma evidência que “não haverá nova injeção antes da auditoria”. Ainda assim, esta é uma declaração importante à luz do aparente desentendimento entre António Costa e Mário Centeno, sobre aquilo que estava no contrato de venda à Lone Star (e aquilo que vinha acontecendo nos últimos anos) e sobre se o Estado iria ou não fazer mais uma transferência (anual) para o banco sem que fossem conhecidas as conclusões da auditoria. João Leão não tem essa preocupação, desde logo por razões de calendário, portanto pôde colocar-se ao lado dessa polémica.

Esta é, porém, uma questão que o Ministério das Finanças (e o Governo) voltarão a ter de gerir, porém, no início do próximo ano, quando começarem a surgir notícias sobre os (prováveis) prejuízos anuais do Novo Banco e sobre o montante necessário para a injeção anual na instituição. Nos últimos anos, esse foi sempre um momento de algum mediatismo, embora só em 2020 o tema tenha irrompido desta forma no confronto político (até dentro do Governo, por sinal). Ainda restam quase mil milhões de euros que o Novo Banco pode pedir ao Fundo de Resolução, do total inicial de 3.890 milhões que o fundo comprador conseguiu garantir que lhe seria reembolsado à medida que fossem registadas imparidades na venda de ativos relacionados com a “herança” do Banco Espírito Santo.

O Fundo de Resolução é um organismo público, gerido na dependência do Banco de Portugal, que vive das contribuições pagas pela banca mas que, por insuficiência de recursos acumulados nesta fase, pode pedir empréstimos ao Estado no valor de 850 milhões por ano, que serão reembolsados pelos bancos ao longo de 30 anos – um prazo que foi alongado no primeiro governo de António Costa.

O outro elefante na sala: recessão de 9,5%, não de 6,9%

Com a insistência dos deputados no tema do Novo Banco, João Leão acabou ser pouco confrontado com um outro possível “elefante na sala”, potencialmente mais consequente: o facto de o Banco de Portugal ter, na véspera, cortado drasticamente as projeções económicas para 2020, desafiando o cenário que está subjacente a toda a proposta de Orçamento do Estado.

Com base na análise aprofundada daquele que foi o choque económico sentido neste segundo trimestre, e tendo conhecimento de primeira-mão sobre o que está a acontecer nos outros países do Eurosistema, o Banco de Portugal apontou para uma recessão de 9,5% este ano, muito mais profunda do que os 6,9% previstos pelo Governo neste orçamento. Uma recessão que pode superar os 13% caso a crise sanitária tenha uma evolução menos favorável do que aquela que se prevê.

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Rui Rio, líder do PSD, acabaria por voltar ao tema do “cenário macroeconómico demasiado otimista” mas, no início do debate, em resposta ao também social-democrata Duarte Pacheco, João Leão respondeu em poucos segundos a esta que é uma das principais dúvidas em torno do orçamento que foi apresentado: o que é que acontece se a economia cair muito mais do que prevê toda a aritmética orçamental?

“Não vamos interpretar de forma rígida as metas do défice, deixaremos atuar os estabilizadores automáticos” associados ao programa de estabilização económica e social, afirmou João Leão, referindo-se ao plano apresentado há poucas semanas. Esse é um programa que não entrou nas contas do Banco de Portugal, porque este trabalhou sobre dados reunidos até 18 de maio mas, como o Observador apurou, o sentimento dentro do Banco de Portugal é que as medidas desse plano não alterariam, de forma significativa, as previsões do Banco de Portugal – embora sejam conducentes a um contexto de estímulo económico que já está incorporado nas projeções.

João Leão disse pouco mais: “Haverá uma grande incerteza [macroeconómica] que todos reconhecemos”, afirmou o ministro das Finanças, garantindo que haverá uma “preocupação” constante com os problemas das empresas e dos cidadãos neste contexto.