Pode não ter sido hoje, até porque se fosse hoje seria “milagre”, mas haverá acordo entre os 27 estados-membros em torno do plano de recuperação da União Europeia face à crise. É essa a crença da eurodeputada socialista Margarida Marques, que esta sexta-feira esteve no programa Vichyssoise da Rádio Observador. Segundo a ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que admite ter ficado mais surpreendida com a sua própria saída do anterior governo do que com a recente saída do ministro das Finanças Mário Centeno, os países chamados “frugais” vão ter uma posição “flexível”.

“Há condições para se chegar a um acordo e os 27 Estados-membros ficarem satisfeitos com a resposta. Há muitas questões para resolver, mas globalmente há um contexto favorável para que possa haver um acordo”, disse, defendendo que, apesar de se exigir da UE uma resposta “urgente”, o facto de o acordo não ser alcançado esta sexta-feira na reunião do Conselho Europeu não deve ser considerado “propriamente um atraso”, até porque se fosse hoje “seria um milagre, já que em momento algum o quadro financeiro plurianual foi aprovado no primeiro Conselho a seguir à proposta da Comissão”. Mas uma coisa é certa: Margarida Marques acredita que, quer seja nas reuniões do próximo dia 8 ou 9 de julho, quer seja no fim do mês, o acordo vai chegar.

E explica porquê: é que “em cima da mesa estão dois pilares”, de um lado o quadro financeiro plurianual 2021-2027, onde os países “frugais” não queriam que o orçamento fosse aumentado e a proposta da Comissão Europeia vai ao encontro das suas reivindicações, prevendo um montante inferior ao inicialmente previsto; e do outro, o fundo de recuperação, que responde aos países “mais reivindicativos” como Portugal. Ou seja, há um equilíbrio de vontades. “Deu-se um passo no sentido de que os frugais pudessem dar acordo ao programa [apresentando uma proposta de orçamento inferior], mas isto é compensado com o fundo de recuperação, que vai agir nos primeiros 4 anos deste orçamento plurianual e que de certa forma compensa” a quebra do orçamento, explica.

Perante este encontro a meio caminho, Margarida Marques acredita que o acordo, apesar de “difícil”, “não é impossível” e chegará ainda no mês de julho. Tudo porque os países não serão chamados a contribuir de forma adicional em percentagem do PIB para o plano de recuperação, como acontece no orçamento plurianual, mas será sim a Comissão a ir aos mercados com as garantias que possam sair do próprio orçamento da UE. Ou seja, haverá uma espécie de mutualização da dívida e isso tornará a posição dos países mais intransigentes mais “flexível”.

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Para a eurodeputada socialista, a posição de Portugal na discussão, apesar de não dever ser uma postura de traçar linhas vermelhas, deve assentar sim em condicionalidades políticas, mas nunca macroeconómicas. Ou seja, Portugal pode dizer aos nórdicos que aceita condicionalidades políticas (definir prioridades dentro das quais o dinheiro será aplicado), mas nunca pode aceitar condicionalidades macroeconómicas. “É natural que os programas financiados pela UE tenham de estar ligados às prioridades políticas definidas pela UE”, diz, dando um exemplo por exagero: “Se Portugal quiser um programa de financiamento para ir à lua, e se ir à lua não é uma prioridade da UE, é natural que esse programa não seja financiado pela UE”. Mas o mesmo não acontece com a resposta à pandemia, que assenta em prioridades claras e comuns aos vários Estados-membros: desenvolver a transição digital, apoiar as empresas, tornar a UE “mais resiliente” ou apostar nos programas de saúde.

“Nem sei se Nuno Melo costuma andar no Parlamento Europeu”

Questionada sobre o calendário “razoável” e “possível” para o dinheiro do fundo de recuperação da Europa chegar aos países, Margarida Marques foi clara: “o calendário razoável seria ontem, mas o calendário possível, nesta conjugação entre o quadro financeiro plurianual e o plano de recuperação, aponta para que uma parte do plano entre já em vigor até ao fim deste ano”. Trata-se de uma parcela de 11,5 milhões que vai ser aprovada no âmbito do aumento do quadro financeiro plurianual atual (2014-2020), através de um aumento de verbas para a política de coesão e apoio à solvência das empresas. “A Comissão Europeia diz que em outubro esse dinheiro pode estar disponível, mas acho difícil, estamos a fazer tudo no Parlamento Europeu para que esteja disponível pelo menos até ao final do ano”, disse.

Mais problemático é o quadro financeiro plurianual de 2021-2027, que vai chegar “tardiamente” aos países, prevendo-se que possa chegar só em 2022, apesar de o Parlamento Europeu estar a batalhar para que chegue ainda durante o ano de 2021.

No momento do programa em que a entrevistada é instada a escolher uma de duas opções, Margarida Marques assumiu que mais depressa confiaria as suas poupanças ao ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar do que ao ministro das Finanças holandês que se tem oposto à ajuda europeia. “Apesar de tudo, escolho Vítor Gaspar que nisso das poupanças ele foi exímio”, disse em jeito de brincadeira. Já quando questionada sobre o que a tinha mais surpreendido: se a saída de Centeno do Governo se a sua própria saída do Governo, em 2017, no âmbito de uma remodelação que a própria admitiu na altura tê-la apanhado de surpresa, Margarida Marques opta por lembrar apenas que a saída de Mário Centeno “já estava mais ou menos prevista”.

E sobre se era Pedro Nuno Santos ou António José Seguro quem, nos tempos da JS, mais revelava apetência para vir a liderar o partido um dia, a eurodeputada não hesitou em responder Pedro Nuno Santos, embora ressalvando que com isso não estava a “escolher Pedro Nuno Santos para liderar o PS” no momento atual. Última pergunta: “Com quem está mais vezes alinhada no Parlamento Europeu: João Ferreira ou Nuno Melo?”. A resposta saiu disparada: “João Ferreira, sem dúvida. Nuno Melo nem pensar. Aliás, nem sei se Nuno Melo costuma andar aí no Parlamento Europeu”, disse.