Se durante a manhã a esquerda ainda pôde gritar vitória sobre a redução das mensalidades nas creches para as famílias mais afetadas pela crise, à tarde o PSD decidiu mudar o sentido de voto e inviabilizar as propostas do Bloco e do PEV. De certa forma foi uma reedição – em menor proporção e com outros temas – da discussão do OE2020 em março, quando os sociais-democratas fizeram algo parecido com o IVA da eletricidade.

Desta vez, o PSD aproveitou a fase final das votações desta terça-feira para corrigir o voto favorável à descida das mensalidades nas creches para “abstenção”, o que permitiu ao PS bloquear as duas propostas com o seu voto contra.

Na manhã desta terça-feira, tinha sido aprovada uma proposta do Bloco de Esquerda que previa uma redução da mensalidade para as famílias que viram os rendimentos cair, pelo menos, 20% devido à pandemia. Com a abstenção, o PSD permite que a medida fique pelo caminho. Além disso, ao mudar o sentido de voto numa outra votação, também chumba a atribuição de um apoio do Estado às creches para pagamento das despesas de funcionamento e salários dos funcionários, desde que não houvesse nem despedimentos nem recurso ao regime do layoff.

Mantém-se, no entanto, aprovada a alínea que garante que nenhuma criança perde vaga na creche que frequenta, “por razões relacionadas com o não pagamento da respetiva mensalidade devida no período de confinamento recomendado ou obrigatório, em particular nos casos de comprovada perda ou quebra de rendimento do agregado familiar”. Também não sofre alterações a aprovação da medida que assegura que, durante o período de encerramento das creches e jardins de infância, “não é permitida a cobrança pelas instituições de despesas com alimentação, transporte e prolongamento e outros “extras”.

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As medidas com que se cose a despesa suplementar dos partidos

De manhã, os deputados também tinham aprovado uma proposta dos Verdes que garantia a redução da mensalidade nos casos em que houve uma “redução de rendimento do agregado familiar onde se insere a criança”, no montante proporcional à perda de rendimento do agregado familiar. Com a mudança de voto, o PSD também inviabiliza esta medida. Por outro lado, os sociais-democratas não mudaram a opinião na elaboração de um plano de pagamento das mensalidades em atraso “no caso de existirem dívidas às instituições que detêm os estabelecimentos de apoio à infância, contraídas pelas famílias no período de restrições decorrente da pandemia Covid-19” — e a medida continua aprovada.

O Parlamento aprova ainda a proposta do CDS de suspender a obrigatoriedade de devolução dos manuais escolares gratuitos que foram entregues no ano letivo de 2019-2020, “a fim de serem garantidas as condições para a recuperação das aprendizagens dos alunos, a ter lugar no início do ano letivo de 2020-2021”. Já a proposta do PCP que previa o abatimento do valor da propina correspondente ao segundo semestre do ano letivo de 2019/2020 foi rejeitada com os votos contra do PS, PSD, CDS e IL.

Foi também rejeitado um Apoio Social de Emergência para a Cultura, “no valor de 52 milhões de euros, para a concessão de apoio extraordinário de natureza não concorrencial aos trabalhadores e entidades da área artístico-cultural, em virtude de adiamento e cancelamento das atividades na sequência das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia”.

Com o tema “TAP” a dominar a manhã, Parlamento rejeita todas as medidas sobre a transportadora à tarde

O dossier TAP dominou a manhã — até na Comissão de Orçamento e Finanças, com os deputados a aludirem, nas intervenções, às notícias que davam conta de que a nacionalização é um cenário admitido pelo Governo caso os acionistas privados da companhia aérea não aceitem o plano de ajuda de Estado proposto pelo Executivo e aprovado pela Comissão Europeia.

O Parlamento já tinha rejeitado, na passada sexta-feira, a aprovação prévia no Parlamento de uma injeção de capital da TAP — proposta por PAN, Chega e a Iniciativa Liberal —, bem como a nacionalização da TAP nos termos dos partidos mais à esquerda do PS: PCP, Verdes e Bloco de Esquerda. Estas propostas voltaram a ser rejeitadas pelos deputados esta terça-feira.

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Havia uma outra proposta, do PSD, para que o Governo “envie, previamente, informação fundamentando qualquer injeção de capital na TAP”, assegurando também que a empresa tenha “uma visão integrada do território nacional, incluindo as regiões autónomas e as comunidades de língua portuguesa”. Também foi rejeitada (pelo PS, PCP e BE).

Propostas do PSD sobre vistos do TC deram empate e depois caíram. Deserção no PAN crucial para o resultado

Com um resultado pouco habitual, parte de uma proposta do PSD sobre os vistos do Tribunal de Contas acabou com empate, sendo, por isso, rejeitada. Passou a proposta do Governo.

Os sociais-democratas até já tinham o essencial da proposta chumbada. O PSD queria que o limiar para obter visto prévio do Tribunal de Contas fosse aumentado de 350 mil euros para 525 mil euros — e não 700 mil euros, como sugere o Governo no orçamento suplementar. Mas o PS votou contra, e tanto BE como PCP abstiveram-se, inviabilizando a medida.

Num segundo ponto, também chumbado, o PSD propunha que a isenção fosse aplicada quando vários contratos relacionados entre si atingissem 750 mil euros — e não 900 mil euros.

Só que a proposta não ficava por aqui e os restantes pontos, relativos a prazos e procedimentos, esbarraram num empate (108 contra 108), porque o PS continuou a votar contra e o PCP a abster-se, mas o Bloco de Esquerda — que tinha pedido a desagregação da proposta — decidiu juntar-se aos restantes partidos. A votação foi então repetida, redundando num segundo empate, o que, pelas regras do Parlamento, equivale a rejeição.

Depois destes resultados, ainda houve estranheza nas bancadas, mas Filipe Neto Brandão, presidente da comissão de Orçamento e Finanças, lembrou que o PAN só conta agora com três deputados, depois de Cristina Rodrigues se ter desvinculado do partido — ao tornar-se deputada não inscrita, perde o lugar na comissão. Ou seja, se a votação tivesse sido realizada há uma semana, o PAN teria mais um voto na comissão e toda a parte das datas e dos procedimentos acabaria por passar.

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Estavam em causa nomeadamente detalhes procedimentais e de prazos a serem cumpridos: as entidades que beneficiassem da dispensa de visto prévio teriam de comunicar os contratos ao tribunal no prazo de 15 dias; o Tribunal de Contas exerceria “o controlo de legalidade, da verificação do cabimento em verba orçamental própria” num máximo de três anos, e realizaria “o apuramento de quaisquer responsabilidades”; e a revisão deste regime ficava marcada para daqui a três anos, “sob pena de se reduzirem automaticamente os valores”.

Aprovado “adicional de solidariedade” sobre o setor da banca

A medida constava do Plano de Estabilização Económica e Social e foi incluída no suplementar. Com ela, o Governo vai criar uma nova contribuição aplicada sobre o setor da banca, que deverá render 33 milhões de euros aos cofres do Estado. O valor vai reverter para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, juntando as contribuições cobradas a instituições de crédito com sede em Portugal mas também filiais e sucursais de instituições estrangeiras. A medida passou, apesar dos votos contra do CDS e da Iniciativa Liberal. O PSD absteve-se. PS, PAN, PCP e Bloco de Esquerda votaram a favor.

Segundo a proposta de alteração, este adicional de solidariedade sobre o setor bancário “tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.

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A proposta orçamental define que a base de incidência do regime é calculada tendo por referência a média semestral dos saldos de cada mês, “que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020”, no caso do adicional devido em 2020, e nas contas do segundo semestre de 2020, no caso da taxa de 2021.

O pagamento deverá ser efetuado “pelo próprio sujeito passivo”, utilizando para isso a declaração de modelo oficial, que deve ser enviada até, respetivamente, ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021.

Bloco queria avançar já com a redução do IVA da energia, mas a medida não passou

Os deputados da comissão de Orçamento e Finanças também chumbaram a redução imediata do IVA da energia consoante o consumo, proposta pelo Bloco.

A medida está prevista no Orçamento do Estado para este ano e aguardava uma autorização legislativa por parte da Comissão Europeia, que já chegou. Ainda hoje, e depois de interpelado pelo PSD, o secretário de estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, garantiu que a medida vai avançar, “no tempo e modo definidos”. Ou seja, não precisou datas porque “a concretização da autorização legislativa depende de pormenores técnicos”.

“A presente proposta estabelece 150 kWh como consumo mensal de reduzido valor. Este consumo, em contratos de potências até 6,9 kVA, será tributado em IVA à taxa mínima, 6%. Em contratos de potência de 6,9 kVA, os primeiros 75 kWh do consumo serão tributados à taxa de 6% e os segundos 75 kWh à taxa intermédia, 13%”, lê-se na proposta do Bloco. Votaram contra o PS; CDS e PSD abstiveram-se. A favor votaram o Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Chega e Iniciativa Liberal.

Mendonça Mendes disse ainda que “a concretização da autorização legislativa depende de pormenores técnicos, que depende da operacionalização da medidas e dos operadores” para permitir um uso racional do consumo da energia. “O que temos intenção é de o governo concretizar a autorização legislativa do OE para que o diploma cumpra todas as condições”, nomeadamente ambientais e de consumo racional.

Ainda sobre o Bloco, o grupo parlamentar mudou o sentido de voto numa proposta do PSD que alarga a possibilidade de pedir um resgate de Planos de Poupança Reforma (PPR) sem penalização, para fazer face à quebra de rendimentos de cidadãos subscritores, até 31 de dezembro de 2020.

Com o fim do estado de emergência, uma das medidas que caiu permitia o resgate de PPR sem penalização. A 29 de maio, foi publicada uma lei que prolonga várias medidas do estado de emergência, onde se insere este resgate, sem penalização, até 30 de setembro, mas de forma mais limitada à que o PSD propõe.

Segundo o grupo parlamentar, “resulta, todavia, um conjunto de constatações que tornam necessário ir um pouco mais longe do que a solução adotada na medida entrada em vigor”, contemplando as pessoas em situação de desemprego de curta duração originado “no contexto de forte abrandamento económico na sequência da pandemia”. Além disso, as instituições de crédito que comercializam estes produtos devem divulgar a existência deste regime, “de modo a que qualquer cidadão, perante uma situação de dificuldade financeira e podendo beneficiar deste normativo, não fique prejudicado pelo facto de o mesmo ser-lhe desconhecido”.

Reforço nos cuidados paliativos sim, suplementos remuneratórios aos profissionais expostos ao vírus não

A proposta do CDS que implica que o Governo apresente, até dia 31 de Julho, uma proposta concreta e devidamente quantificada “para a atualização de valores de financiamento” das unidades de cuidados paliativos, “com especial enfoque na vertente da saúde mental e na dimensão comunitária” foi aprovada.

Teve ainda luz verde, por unanimidade, o reforço da rede de vigilância epidemiológica nacional, uma proposta do PAN. A medida prevê que, este ano, o Governo “garante a implementação de uma rede de vigilância epidemiológica robusta capaz de prevenir, despistar, avaliar, isolar, conter, monitorizar e apoiar todas as entidades da comunidade, em estreita articulação com os serviços de saúde locais e nacionais”.

O Governo deve ainda identificar as necessidades existentes de profissionais especialistas em saúde pública nos diversos Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) e “elabora um plano calendarizado de integração destes profissionais que abranja todo o território nacional”.

Já o PCP viu rejeitado o prolongamento automático das prestações por desemprego, cessação de atividade, cessação de atividade profissional e demais prestações sociais “cujo período de concessão ou prazo de renovação termine antes da cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica” da Covid-19. O Governo já tinha garantido a prorrogação automática das prestações do subsídio social de desemprego até ao fim de 2020.

Da proibição de despedimentos aos bancos de horas — o que os partidos pretendem para o Suplementar para o Emprego

Foram rejeitadas duas propostas que previam suplementos remuneratórios para compensar os trabalhadores pela exposição ao risco de contágio. O PCP propunha um suplemento remuneratório no montante de 20% do vencimento base “relativamente aos dias em que prestem efetivamente atividade, tendo em conta a exposição ao risco de contágio com COVID-19 a que se submetem no exercício das suas funções”. Já o Bloco acrescentava um limite máximo de 0,5 IAS (219,4 euros). A proposta também ficou pelo caminho.

O PCP tinha apresentado uma proposta para garantir a 100% os rendimentos dos trabalhadores em layoff, mas a medida foi rejeitada pelo PS, PSD, IL e CDS. Teve os votos favoráveis do PCP e do BE. Previa que “os trabalhadores ao serviço dos empregadores abrangidos pelo apoio à retoma progressiva da atividade têm direito a auferir 100% da retribuição, incluindo o subsídio de refeição ou valor equivalente, quando este é habitualmente atribuído em espécie”. Uma proposta dos Verdes que ia no mesmo sentido também foi rejeitada.

Os comunistas queriam ainda que os despedimentos fossem proibidos, mas a proposta também não teve luz verde (foi rejeitada pelo PS, PSD, CDS e IL). Outra proposta era a reversão dos despedimentos que ocorreram após 1 de março deste ano — também a proposta foi rejeitada pelos mesmos partidos.

Sócios-gerentes, baixas por Covid-19 e pagamento por conta. O que fica para quarta-feira

O PS pediu que o alargamento do apoio dos trabalhadores independentes aos sócios-gerantes, assim como o layoff e a redução do prazo de garantia no subsídio de desemprego e o apoio extraordinário a desempregados fosse adiado para quarta-feira. Para esse dia, ficam também medidas relacionadas com o pagamento por conta e com o pagamento especial por conta — tudo a pedido do PS.

Outro tema-chave que não foi votado esta terça-feira foram as baixas médicas a trabalhadores com Covid-19. Segundo avançou o Expresso e confirmou o Observador, há acordo entre o Bloco de Esquerda e o Governo para garantir o pagamento do subsídio de doença devido à Covid-19 e do subsídio por isolamento profilático a 100%, pelo que a proposta dos bloquistas deverá ser aprovada na especialidade. Minutos depois, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, confirmava a informação. “Há acordo para garantir que a baixa médica, o subsídio de doença devido à Covid-19, seja pago a 100%”.